Como o Criacionismo é uma Teoria da Conspiração

Muitas pessoas ao redor do mundo ficaram horrorizadas ao testemunhar o dano causado por teorias da conspiração como QAnon e o mito da eleição americana roubada que levou ao ataque ao edifício do Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro. No entanto, embora essas idéias, sem dúvida, desapareçam com o tempo, há indiscutivelmente uma teoria da conspiração muito mais duradoura que também permeia a América na forma de Criacionismo da Terra Jovem. E é algo que não podemos ignorar porque se opõe perigosamente à ciência.

Uma réplica da Arca de Noé do conto bíblico no parque temático Ark Encounter em Kentucky, EUA. (Lindasj22/Shutterstock)

Nos Estados Unidos hoje, até 40% dos adultos concordam com a afirmação criacionista da Terra Jovem de que todos os humanos descendem de Adão e Eva dentro dos últimos 10 mil anos. Eles também acreditam que todas as criaturas vivas são o resultado de uma “criação especial” ao invés de evolução e ancestralidade compartilhada. E que o dilúvio de Noé foi mundial e responsável pelos sedimentos na coluna geológica (camadas de rocha formadas ao longo de milhões de anos), como as expostas no Grand Canyon.

Essas crenças derivam da doutrina da infalibilidade bíblica, há muito aceita como parte fundamental da fé de numerosas igrejas evangélicas e batistas em todo o mundo, incluindo a Igreja Livre da Escócia. Mas eu argumentaria que o movimento criacionista atual é uma teoria da conspiração plenamente desenvolvida. Ela atende a todos os critérios, oferecendo um universo paralelo completo com suas próprias organizações e regras de evidência, e afirma que a comunidade científica que promove a evolução é nada mais que uma elite arrogante e moralmente corrupta.

Essa chamada elite supostamente conspira para monopolizar os empregos acadêmicos e as bolsas de pesquisa. Seu suposto objetivo é negar a autoridade divina, e o beneficiário final e seu principal promotor é Satanás.

O criacionismo ressurgiu dessa forma em reação à ênfase de meados do século 20 na educação científica. Seu texto principal é o best-seller de longa data, The Genesis Flood [O Dilúvio de Gênesis], de John C Whitcomb e Henry M Morris. Isso serviu de inspiração para o próprio Instituto de Pesquisa da Criação de Morris, e para suas ramificações, Answers in Genesis [Respostas em Gênesis] e Creation Ministries International [Ministérios Criacionistas Internacional].

Ken Ham, fundador e executivo-chefe da Answers in Genesis, também é responsável pelo altamente lucrativo parque temático Ark Encounter e pelo Creation Museum em Kentucky. Como uma visita a qualquer um desses sites irá mostrar, seu criacionismo é completamente hostil à ciência, enquanto paradoxalmente afirma ser científico.

Demonizando e desacreditando

Essas são táticas comuns da teoria da conspiração em jogo. Os criacionistas não medem esforços para demonizar os proponentes da evolução e para minar as evidências esmagadoras a seu favor.

Existem inúmeras organizações, entre elas Biologos, a American Scientific Affiliation, o Faraday Institute, e o Clergy Letter Project, que se autodenominam “um esforço destinado a demonstrar que religião e ciência podem ser compatíveis”, isto é, promover a ciência da evolução dentro o contexto da crença religiosa. Não obstante, os criacionistas insistem em artificialmente unir os tópicos distintos e não correlatos de evolução orgânica, filosofia materialista, e a promoção do ateísmo.

De acordo com o Answers in Genesis, a ciência da evolução é uma obra de Satanás, enquanto o ex-congressista americano Paul Broun a descreveu como “uma mentira direto do abismo do inferno”. Quando ele disse isso, aliás, ele era membro do Comitê de Ciência, Espaço e Tecnologia da Câmara dos Deputados.

Como outros teóricos da conspiração, os criacionistas se imunizam da crítica baseada em fatos. Eles rotulam o estudo do passado como baseado em suposições improváveis, desqualificando assim de antemão a evidência clara da geologia.

Eles então atacam outras evidências focando em fraudes específicas, como o chamado Homem de Piltdown – um esqueleto falso que supostamente seria um elo perdido entre humanos e outros macacos que já fora desmascarado há mais de 60 anos – ou o amálgama pássaro-dinossauro “Archaeoraptor”, desacreditado por cientistas perspicazes antes mesmo de ser publicada na literatura revisada por pares (embora não antes de ser publicada na National Geographic).

Um dos alvos favoritos é Ernst Haeckel, cujas fotos de embriões, publicadas em 1874, são agora consideradas seriamente imprecisas. No entanto, eles chamam corretamente a atenção para o que mais importa aqui: as características compartilhadas durante o desenvolvimento por diferentes organismos – incluindo humanos – como arcos de guelras, uma cauda longa e olhos nas laterais em vez da parte frontal da cabeça, confirmando que eles têm uma ancestralidade comum.

O nome de Haeckel aparece no site Answers in Genesis 92 vezes. Ele também é o assunto de um longo capítulo em Ícones da Evolução; Ciência ou Mito? de Jonathan Wells. Este livro, que até tem seu próprio guia de estudo para o ensino médio, foi o que primeiro me convenceu, em 2013, de que o criacionismo era uma teoria da conspiração.

É um exemplo esplêndido de táticas criacionistas, usando deficiências há muito corrigidas (como aquelas nos primeiros estudos sobre a evolução darwiniana em mariposas salpicadas, em resposta à mudança de cores após poluição reduzida) para implicar que toda a ciência é fraudulenta. Wells tem um verdadeiro PhD em biologia, um PhD adquirido com o objetivo específico de “destruir o darwinismo” – ou seja, a ciência da evolução – por dentro.

Wells é um membro sênior do Discovery Institute, um thinktank conservador que promove o criacionismo sob a bandeira do “Design Inteligente”, e também está ligado a outras teorias da conspiração, como alegações de que o consenso sobre as mudanças climáticas é falso, e que em novembro passado a eleição presidencial dos EUA foi roubada.

E agora?

As teorias da conspiração são sempre movidas por alguma preocupação ou agenda subjacente. A teoria de que a certidão de nascimento de Obama era uma falsificação, ou de que a eleição de 2020 nos EUA foi roubada, é sobre legitimidade política e irá desaparecer à medida que os políticos que as promovem desaparecerem da memória. A ideia de que COVID-19 não existe está se provando um pouco mais difícil de desalojar, mas cientistas, como aqueles por trás da Insolência Respeitosa, estão se organizando para lutar contra a negação da ciência e a desinformação.

Temo que a teoria da conspiração criacionista não terá vida tão curta. É impulsionado por uma luta de poder profundamente enraizada nas comunidades religiosas, entre modernistas e literalistas; entre aqueles que consideram as Escrituras como chegando a nós por meio de autores humanos, embora inspirados, e aqueles que as consideram uma revelação sobrenatural perfeita. E essa é uma luta que nos acompanhará por muito tempo.


Paul Braterman é Professor Emérito de Química na Universidade de North Texas, e Fellow Pesquisador honorário na Universidade de Glasgow. Sua pesquisa envolveu tópicos relacionados ao início da Terra e às origens da vida, e recebeu apoio da National Science Foundation, da NASA, dos Sandia National Labs, e da Scripps Institution of Oceanography.

Artigo originalmente publicado aqui. Reproduzido sob permissão.

The Conversation

3 comentários sobre “Como o Criacionismo é uma Teoria da Conspiração

  1. A religião jamais deveria entrar em conflito com a ciência, o universo é ciência! Deus obedece as leis da ciência e usa ela para seus propósitos. Assim com as formigas não entendem seu ambiente completamente, vivendo elas numa caixa de vidro dentro de um quarto numa casa com várias pessoas. Nós também não entendemos completamente tudo do universo ao nosso redor. Por isso a necessidade de ambição para mais recebermos mais verdade cientificas, religiosas e filosóficas. Andei vendo umas coisas interessantes na Internet (aqui e aqui)

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