O Amor de Muitos Esfriará

Eu sou moderador de um grupo de membros da Igreja SUD que conta com aproximadamente 11 mil pessoas. Frequentemente, coloco alguns artigos para instigar a opinião crítica, estimular o estudo do Evangelho e da história da Igreja, bem como de sua doutrina.

Contudo, percebo na maioria esmagadora dos comentários (9 em cada 10) um comportamento nos Santos dos Últimos Dias que me tem causado grande espanto: o esquecimento do amor cristão.

Notadamente, os comentários que me deixaram mais surpreso foram os relacionados com o artigo recente sobre o êxodo dos jovens entre 14 a 30 anos da Igreja. Fiz uma pergunta simples usando o texto em questão, ipsis litteris: “O que vocês acham disso? Há alguma forma de reverter esse quadro sem mudanças substanciais? Quais mudanças?”.

Os comentários mais frequentes que se seguiram foram: “uso errado do ‘livre’ arbítrio”, “Deus está separando o joio do trigo”, “a Igreja está certa em separar os que apoiam a causa LGBT dos que não apoiam por meio do endurecimento das leis contra os homossexuais”, “estamos nos últimos dias e os fracos não permanecem na Igreja pq grande é a porta estreita e apertada” e variantes dessa forma de pensar,  bem como ataques e acusações diretas sobre minha dignidade e condição de membro, além de ataques pessoais ao Vozes Mórmons.

É algo surpreendente que simplesmente as pessoas achem que a inativação de jovens e membros são frutos diretos da própria pessoa em escolher as “atrações do mundo”.  Será que nós Santos dos Últimos Dias, enquanto “corpo de Cristo”, realmente somos cristãos?

Jesus, ensinando um dos presságios sobre o fim dos tempos, declarou:

“Nesse tempo muitos serão escandalizados, e trair-se-ão uns aos outros, e uns aos outros se odiarão. E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará. Mas aquele que perseverar até ao fim, esse será salvo. E este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as nações, e então virá o fim.” (Mateus 24:10-14)

A importância da caridade como sinal de condenação, salvação, apostasia, etc., é vista em diversas passagem das escrituras.

Alguns ensinamentos do Mestre sobre o assunto foram:

“Que homem dentre vós, tendo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove, e vai após a perdida até que venha a achá-la? E achando-a, a põe sobre os seus ombros, gostoso; E, chegando a casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida. Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.” (Lucas 15:4-7)

Há muito mais alegria no céu por um inativo que volta pra o redil da Igreja do que pelos 99 membros ativos e “fiéis”.

Outra passagem interessante:

“E já era a terceira vez que Jesus se manifestava aos seus discípulos, depois de ter ressuscitado dentre os mortos. E, depois de terem jantado, disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? E ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros. Tornou a dizer-lhe segunda vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Disse-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas. Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.” (João 21:14-17)

O que essas passagens tem em comum? A resposta é simples: o resgate das almas. Frequentemente essas passagens são interpretadas como referente às pessoas que ainda não conhecem o Evangelho, que ainda não se batizaram. Essa interpretação é parcial e incompleta. Para Deus, o batismo é irrelevante se não vier acompanhado da salvação da alma de Seus filhos. O propósito de Deus não é conceder batismo para as pessoas, mas “imortalidade e vida eterna”. O batismo é apenas um dos passos para se alcançar esse objetivo.

O cristianismo se tornou popular, e espalhou-se rapidamente entre judeus e gentios, porque, ao contrário do judaísmo que pregava a salvação apenas para o povo do convênio e havia criado “castas” com o passar dos anos, o cristianismo pregava  o amor a todos, viviam sem ricos ou pobres, tudo era repartido entre eles, e a igualdade e o amor ao próximo eram centrais no comportamento social dos primeiros cristãos. Essa nova ótica que mudava a visão do Deus Abraâmico de cruel e sanguinário, o Senhor dos Exércitos, para um Deus de amor, de compaixão, que amava a todos, não apenas os judeus, mas os gentios também. Todos eram filhos de Deus.

 

James E. Talmage, um apóstolo SUD famoso por livros mais racionais, embasados em conhecimento cientifico e histórico disponíveis na época, escreveu:

“Deve ser lembrado que a grande transformação pela qual a Igreja foi elevada a um lugar de honra no estado, ocorreu na primeira parte do quarto século. É erro popular presumir que a decadência da Igreja como instituição espiritual data daquela época. O quadro da Igreja declinando em seu poder espiritual na razão direta de seu aumento de riqueza e influências materiais, tem sido atraente aos retóricos e escritores de histórias sensacionalistas; mas tal quadro não representa a verdade. A Igreja estava saturada com o espírito da apostasia bem antes de Constantino tomá-la sob sua poderosa proteção, concedendo-lhe posição oficial no estado. Em apoio a essa declaração, cito novamente Milner, o declarado amigo da Igreja:

“Sei que é comum autores representarem o grande declínio do cristianismo como tendo lugar somente após seu estabelecimento externo sob o reinado de Constantino. Mas a evidência da história compele-me a discordar dessa visão das coisas. De fato, vimos que, durante uma geração inteira antes da perseguição deocleciana, apareceram poucos sinais de piedade superior. Rara era a centelha de caridade existente; e não é comum em qualquer época que uma grande obra do Espírito de Deus seja exibida apenas pela conduta de alguns grandes santos, pastores e reformadores. Todo esse período, bem como todo o cenário da perseguição, é bem estéril em tais caracteres. As instruções morais, filosóficas e monásticas não efetuarão pelos homens o que é de se esperar da doutrina evangélica. E se a fé em Cristo declinara tanto (e seu estado decadente devia datar do ano 270, aproximadamente), não nos devemos admirar de que cenas como as sugeridas por Eusébio, sem quaisquer minúcias circunstanciais, se tenham verificado no mundo cristão… Ele fala também do espírito ambicioso de muitos, aspirando os cargos da Igreja, das ordenações indevidas e ilegais, das querelas entre os próprios confessores e das contendas insufladas por jovens demagogos nas próprias relíquias da Igreja perseguida, e dos múltiplos males que seus vícios criaram entre os cristãos. Quão triste deve ter sido a decadência do mundo cristão para merecer a própria vara da vingança divina? Entretanto, que não triunfe o mundo infiel ou profano. Não foi o cristianismo, mas sim o seu abandono, a causa destes males”.” (Milner, “Church History”, Sec. IV, cap. I, em Talmage, James E., A Grande Apostasia, pg 52-53 Tópico 13, 1909.)

As principais causas da apostasia geral do cristianismo não se deu por causa da morte dos apóstolos ou pela tutela do Estado em 325 AD com Constantino. O cristianismo já não existia mais antes disso, perdeu-se a caridade, as pessoas não se importavam uns com os outros, as pessoas aspiravam cargos na Igreja, ordenações indevidas e ilegais (nepotismo na Igreja, ordenação de liderança baseado em laços de amizades, parentesco, etc). Nesse trecho das causas internas da apostasia da Igreja Primitiva vemos o mesmo cenário na Igreja SUD atualmente.

A destruição de Sodoma e Gomorra, ao contrário do que se prega no cristianismo atual (i.e., que foram destruídas devido à homossexualidade), ocorreu por causa da ausência de caridade conforme aponta o Judaísmo.

Quando Deus e Jesus apareceram a Joseph, conforme o relato oficial da Igreja SUD em Joseph Smith História, é dito, citando Isaias:

“Foi-me respondido que não me unisse a qualquer delas, pois estavam todas erradas; e o Personagem que se dirigia a mim disse que todos os seus credos eram uma abominação a sua vista; que aqueles religiosos eram todos corruptos; que “eles se aproximam de mim com os lábios, mas seu coração está longe de mim; ensinam como doutrina os mandamentos de homens, tendo aparência de religiosidade, mas negam o seu poder.”

Nesse trecho denuncia-se a hipocrisia dos religiosos, pois tinham a aparência de religiosidade, tinham a aparência do cristianismo, mas negavam o poder de Deus. Qual é a aparência do cristianismo se não a caridade? O amor a Deus e ao próximo como a si mesmo?  As pessoas, contudo, estão mais preocupadas com a sua aparência de religiosidade.

A maior abominação é esquecer o aspecto mais importante do cristianismo, o amor a Deus e ao próximo. Não adianta “aceitar Jesus” como seu Salvador, ser batizado, etc., se não O ama, pois “Se [O] ama[rmo]s, guarda[remos] os [S]eus mandamentos”. E os dois maiores mandamentos de Cristo é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Não existe cristianismo ou amor a Cristo sem o amor genuíno ao próximo.

O profeta Moroni escreveu (também antecedendo um período de apostasia):

“De modo que, meus amados irmãos, se não tendes caridade, nada sois, porque a caridade nunca falha. Portanto, apegai-vos à caridade, que é, de todas, a maior, porque todas as coisas hão de falhar — Mas a caridade é o puro amor de Cristo e permanece para sempre; e para todos os que a possuírem, no último dia tudo estará bem. Portanto, meus amados irmãos, rogai ao Pai, com toda a energia de vosso coração, que sejais cheios desse amor que ele concedeu a todos os que são verdadeiros seguidores de seu Filho, Jesus Cristo; que vos torneis os filhos de Deus; que quando ele aparecer, sejamos como ele, porque o veremos como ele é; que tenhamos esta esperança; que sejamos purificados, como ele é puro. Amém.” (Moroni 7:46-48)

Para finalizar, a profecia sobre a apostasia da Igreja restaurada feita pelo próprio Livro de Mórmon em 3 Néfi 16:10-11:

“E assim ordena o Pai que eu vos diga: No dia em que os gentios pecarem contra meu evangelho e rejeitarem a plenitude do meu evangelho e exaltarem-se por causa do orgulho de seu coração sobre todas as nações e sobre todo o povo de toda a Terra; e estiverem cheios de toda sorte de mentiras e de enganos e de injúrias e e toda sorte de hipocrisia e homícidios e artimanhas sacerdotais e libertinagens e abominações secretas; e se fizerem todas estas coisas e rejeitarem a plenitude do meu evangelho, eis que, diz o Pai, retirarei a plenitude do meu evangelho dentre eles. E então me lembrarei do convênio que fiz com meu povo, ó casa de Israel, e levar-lhes-ei meu evangelho.”

Quão perto estamos do cumprimento dessa profecia? Será que ela já se cumpriu? O coração das pessoas já esfriou? Como podemos evitar que isso aconteça em nossas vidas e assim poder estar cheios de caridade e amor ao próximo, para não sermos condenados na ocasião da vinda de Cristo? Será que nossa caridade é realmente demonstrada quando apenas dizemos “vamos orar pelo irmão”?  Será que estamos realmente vivendo a caridade conforme Cristo exemplificou? Somos nós, na metáfora de Cristo, o levita ou o samaritano?

21 comentários sobre “O Amor de Muitos Esfriará

  1. Eu sinceramente gostaria de dizer que existe esperança para a instituição ( a corporação IJSUD) que mais programas de caridade, atividades centradas no amor, manuais e treinamentos focados na vida de Cristo (como se amor ou Deus pudessem ser empacotados em uma caixinha e colocados na prateleira, pensamento tolo corporativista). Mas a verdade é que a “doença” da corrupção e ganância humana infelizmente está minando as veias e artérias da instituição que ao meu ver ainda (e por mais algumas décadas talvez) mantenha sua aparência saudável seu belo corte de cabelo seu terninho e camisa bem passados enquanto por dentro já começa a sentir calafrios e dores de uma doença que certamente se não há matar vai dividi la em centenas de pedaços. Agora a “Igreja” o corpo de Cristo este sempre tem solução, este se quiser, encontra seu amor irá conseguir. Sim talvez alguns pedaços terão que ser removidos, haverá certo sofrimento em abandonar dogmas, doutrinamento vazio, idolatria de homens, solidão, desprezo, ostracismo mas no fim o resultado é incrível Adão encontra Cristo, sempre encontra! e no meu modo de ver o santuário não será um templo magnifico branco e radiante de pedra e ouro feito por homens, mas de novo, e como sempre foi, o encontro se dá no bosque, sempre lá!

  2. Gostaria de ter esta mesma fé do Richard, mas acho que não tem como haver mudança tão grande de norte estou vendo estas evidencias há muito vindo la dos EUA, Teve um profeta que preveniu muito sobre o orgulho insano que poderia se apoderar de lideres e lideres gerais da Igreja foi o profeta Benson ou estou errado,Que Deus nos salve de toda esta arrogância.

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