Eros Templário

Alguns anos atrás, encontrei-me com um amigo que, à época, servia como bispo. Ele me pareceu não muito feliz com o que lera em um artigo que eu havia escrito. Dentre outras coisas, no dito texto, eu discorria sobre a importância da revelação que liberou o sacerdócio aos negros ter sido anunciada antes da dedicação do Templo de São Paulo.

vm-emanuel

O trecho que lhe trouxe mal-estar foi este:

Penso em nossos jovens da Igreja, em especial nas moças, que desde cedo têm o selamento no templo como sua meta maior. Teriam que entender que casar-se naquele castelo encantado [35] não seria para elas se tivessem ascendência africana ou se escolhessem alguém dessa linhagem como cônjuge.

Meu amigo não havia gostado da expressão “castelo encantado”. Repeti-lhe tão somente o que estava na parte de referências do artigo:

[35] A expressão “castelo encantado” foi usada por uma amiga na época do seminário. Não se tratava de uma afronta à sacralidade do templo, mas de uma percepção lúdica desses edifícios.

Ironicamente, não muito tempo depois, eu veria em uma rede social uma publicação semelhante a esta, postada por um diretor do SEI:

castelo

O templo bíblico, conforme lemos no Velho Testamento, foi construído no contexto do período monárquico de Israel. Para muitos pesquisadores, esse período foi contado na Bíblia por pelo menos duas perspectivas diferentes.

Uma dessas perspectivas, chamada História Deuteronomista, forma um conjunto de obras possivelmente editadas no período em que os israelitas estavam na Babilônia, o que contribuiu para que trouxesse em seu bojo toda uma tentativa de explicar teologicamente o porquê de o Povo de Deus estar em uma condição de cativeiro.

Esses livros não pouparam personagens como Davi e Salomão. Longe de idealizá-los, essas narrativas nos brindaram com o lado humano, demasiado humano desses reis.

Em outro artigo comentamos sobre esses livros (Deuteronômio, Josué, Juízes, Samuel e Reis):

A HISTÓRIA DEUTERONOMISTA pouco idealiza personagens como Davi e Salomão. Nela encontramos relatos sobre os abusos e opulência desses reis. Para ficar com Betsabéia, Davi arquiteta a morte de Urias. Capítulos inteiros versam sobre a ostentação do reinado de Salomão.

Com 700 esposas e 300 concubinas, Salomão venceu com folga os profetas mórmons no tocante a casamentos. Nem Brigham Young, em seu ímpeto de abençoar a terra com uma geração santa, amparou tantas mulheres. Se no período dos juízes encontramos liderança de mulheres, como Débora e Jael, o período monárquico trouxe uma maior sujeição delas.

É nesse contexto de ostentação, centralização do poder e abuso de autoridade que encontramos a construção de um templo para Deus. O rei Davi comentou com o profeta Natã:” Vê! eu habito numa casa de cedro e a arca de Deus habita numa tenda”.

Para uma nação construída na crença de que era escolhida por Deus, foi notada a contradição de o rei habitar em um lugar rico, e Deus em um lugar pobre. Nesse momento, o desejo ostentador presente no coração humano é transferido para a divindade, que agora, assim como o rei, passa a habitar em um lugar ostentoso. Seria, em parte, inspirado nesses personagens que o mormonismo desenvolveria a doutrina da poligamia e a construção de templos luxuosos.

Sustentar um palácio e um templo daquele porte não era uma tarefa fácil. Os tributos passaram a ser cada vez mais opressores, como constatado no clamor do povo para o filho de Salomão: “Teu pai tornou pesado nosso jugo”. As tribos do Norte, que mais sofreram com os altos tributos, romperam com o Sul, organizando um reino próprio.

Até o ano 2000, tínhamos apenas um templo mórmon no país. Santos dos últimos dias de toda parte do Brasil, caso quisessem realizar suas ordenanças templárias, tinham que se deslocar até a Terra da Garoa.

Desde muito pequeno, escuto sobre os sacrifícios e as bênçãos decorrentes da jornada física e espiritual que essas viagens representavam, em especial, para os irmãos das regiões Norte e Nordeste.

Para melhor acomodar os membros que iam em caravanas de outros lugares, foram construídos alojamentos no terreno do templo, algo que se repetiu nas outras casas de adoração construídas nos últimos 16 anos em nosso país.

No contexto do encantamento, temos, portanto, o rapaz, a moça e o templo, ou como apontava o líder na rede social, o príncipe, a princesa e o castelo. E é dentro desse edifício grande e espaçoso, com maravilhoso paisagismo, móveis belos, vários espelhos e lustres exuberantes, que se dá a cerimônia do selamento.

Além da caravana em si, outro aspecto peculiar de mórmons que residem em regiões distantes desses edifícios é a frequência com a qual os casais recém selados tinham sua noite de núpcias nos alojamentos do templo. Nossos leitores poderão nos ajudar a saber se isso ainda acontece.

Para esses casais, o templo mórmon, ou o castelo, segundo aquele diretor do SEI, tinha também seu lado erótico. Afinal, obedientes à lei de castidade, era no contexto da visita ao templo que a vida lhes apresentava um admirável mundo novo. A experiência carnal se mesclava com a tradicional espiritualidade advinda das ordenanças da Casa do Senhor.

Obviamente, para além do aspecto romântico, ter sua noite de núpcias no alojamento do templo devia ter lá seu lado constrangedor. Na caravana de seu selamento, possivelmente foram seu pai e sua mãe, seu bispo e, se duvidar, até suas ex-professoras da primária e seminário.

Todos eles, até então, haviam se esforçado para evitar que você estivesse com alguém do sexo oposto em um lugar fechado. Muitos até afirmaram preferir ver você no caixão a cometer tão grande erro. Porém, daquela vez, magicamente, tudo mudou. Aquilo em que antes era proibido até pensar e considerado um pecado quase tão grave quanto o homicídio tornou-se, como que por encanto, um mandamento. Até as chaves do quarto lhe deram.

Se até aqueles 45 minutos do segundo tempo não lhe era permitido fantasiar o clímax do amor, você tinha, naquele hiato de tempo em que se deslocava da sala de selamento em direção ao quarto nupcial, a licença para deixar a imaginação rolar, sem a culpa de pecar em pensamento.

As pessoas da caravana, muitas das quais o conheciam desde pequeno, lhe deram os parabéns. Seus amigos sorriram para você, alguns mais íntimos até tiraram alguma brincadeira. Conforme comentou comigo uma amiga que passou por essa situação, seu nervosismo na ocasião era grande, só potencializado quando ouviu o comentário de que ela estava “indo para o abate” – uma expressão cearense equivalente ao versículo bíblico “como um cordeiro levado ao matadouro”.

Temos, assim, príncipes, princesas, um castelo e, de quando em quando, a primeira noite romântica do casal. Esta última, talvez, uma peculiaridade de certas regiões do Brasil. Como todas essas coisas, de alguma forma, estão no imaginário de nossos membros e são elementos pertencentes à tradição mórmon brasileira, fica o registro.

15 comentários sobre “Eros Templário

    • Traumatizante? Brilhante?

      Vou falar só por mim. Com 21 tive minha primeira relação sexual. A menina, 18 anos, que também era virgem, não era da igreja. Foi traumático para ela que ficou muito nervosa. Forcei muito a segunda vez, que também foi traumático para ela. Sai da igreja e passei a pagar prostitutas.

      Quando voltei pra igreja e casei, minha esposa era virgem. Casei na sexta, tivemos nossa primeira vez em um hotel bem bacana, presente do meu chefe na época. No sábado fomos de avião pro templo de SP.

      Digamos que como eu já tinha uma experiência passada, tomei uns cuidados e foi menos traumático pra moça.

      O ponto é, em regra, sexo para as mulheres é subjetivo.

      O problema é que parece que a galera que tem comentado assiste muita pornografia e novela da rede Globo. Lá, no mundo da fantasia, onde tudo é correografado, ou esrimulado com drogas, tudo é fantástico. Ai, realmente, você sempre vai achar que tem algo errado com a sua vida.

      Com relação as piadas e comentários indiscretos, geral é sem noção na vida. Isso não é restrito ao mundo mórmon, é a vida, melhor se acostumar.

  1. Suzana,
    Constrangedor é, um casal durante o seu selamento, algo bem espiritual, ficar focado na “noite de núpcias”.

    • Suzana, Em Doutrina e Convenios o Senhor revelou que todas coisas sao espirituais para ele, nos aqui na terra temos o costume de separar tudo mas para Deus tudo tem uma natureza espiritual, mesmo as coisas mais simples como tomar banho ou preparar um alimento por exemplo tem um significado espiritual, certamente um relacionamento intimo entre um casal pode ser considerado um evento espiritual contanto que seja realizado com amor e no espirito de uniao e respeito.

      “34 Portanto, em verdade vos digo que TODAS AS COISAS SÃO ESPIRITUAIS PARA MIM e em tempo algum vos dei uma lei que fosse terrena; nem a homem algum nem aos filhos dos homens nem a Adão, vosso pai, a quem criei” (D&C 29: 31-35).

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