Como Setembro de 1993, Quando Líderes Santos dos Últimos Dias Disciplinaram Seis Dissidentes, Continua a Perturbar a Igreja

Benjamin Park

Lavina Fielding Anderson sabia que estava entregando uma bomba. Anderson, mórmon dedicada que havia anteriormente editado revistas da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, também era uma acadêmica, escritora e feminista. E naquele dia em agosto de 1992, ela estava fazendo uma apresentação de conferência detalhando como autoridades santos dos últimos dias silenciaram repetidamente congregantes dissidentes. Ela pontuou seus comentários com a revelação de que a igreja havia criado arquivos sobre membros que a criticaram publicamente – arquivos que um porta-voz mais tarde admitiu existirem.

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Morôni sem a trombeta. | Imagem: Beneathtimp, Wikimedia Commons

Treze meses depois, em setembro de 1993, seis intelectuais foram excomungados ou desassociados da fé, incluindo Anderson. O episódio em torno dos “Seis de Setembro”, como ficaram conhecidos, continua a ser um tema controverso nas comunidades SUD, especialmente porque muitas das tensões subjacentes permanecem até hoje.

Muitas tradições religiosas enfrentam momentos de crise entre liberdade intelectual e controle. Isso tem sido verdade para a Igreja SUD desde os seus primeiros anos, foco do meu próximo livro – mas setembro de 1993, há 30 anos, é um dos momentos mais contundentes. A compreensão do episódio e suas consequências revela fissuras culturais com as quais uma das maiores religiões surgidas na América ainda hoje luta.

Confrontando mudanças

Cristãos americanos têm enfrentado questões difíceis relativas à fé, à razão e à autoridade ao longo do século 20. Incidentes como o famoso “julgamento do macaco” de Scopes sobre o ensino da evolução em escolas ilustraram as lutas dos crentes para reconciliar os ensinamentos bíblicos com a filosofia moderna, a ciência moderna e mudanças sociais.

Mórmons não foram exceção, e alguns temiam que a fé estivesse perdendo suas amarras. As questões sobre a direção da Igreja centravam-se frequentemente em torno de gênero, à medida que um número crescente de mulheres SUD procurava suavizar as práticas e doutrinas patriarcais da Igreja. Apenas homens podem possuir o sacerdócio, por exemplo, e podem servir em mais posições de liderança do que mulheres.

Um círculo de reformadoras moderadas em Boston, durante a década de 1970, fundou uma nova revista chamada Exponent II, dedicada a ser ao mesmo tempo fiel e feminista. Mais tarde, ativistas mais radicais tomaram outras medidas, como pedir a ordenação de mulheres.

Líderes SUD passaram a ver esses movimentos cada vez como ameaças à sua autoridade e doutrina. A igreja tinha-se tornado mais e mais entrelaçada com o lado direito religioso das guerras culturais dos EUA, defendendo o que definiam como a família “tradicional”: um marido que trabalha, uma esposa que fica em casa e filhos.

Quando Anderson fez o seu discurso no simpósio Sunstone em Salt Lake City, os riscos do conflito estavam claros. Em 1989, um apóstolo SUD, Dallin H. Oaks, exortou os santos dos últimos dias a não ouvirem “vozes alternativas”. Dois anos depois, a liderança máxima emitiu uma declaração denunciando reuniões nas quais os participantes criticassem explicitamente a fé.

Mas em vez de atenuar o activismo, as declarações aumentaram a determinação das reformadoras. A teóloga feminista Maxine Hanks publicou um volume explosivo, Mulheres e Autoridade, em 1992. Incluía capítulos sobre questões como o feminino divino, a quem a igreja chama de “Mãe Celestial”, mas desencoraja os membros de investigar ou adorar. Anderson publicou então o seu artigo sobre os esforços das autoridades para controlar a dissidência alguns meses depois.

Cortando os seis

Os líderes da igreja decidiram agir. Era hora de erradicar as três “grandes invasões”, declarou o apóstolo Boyd K. Packer em maio de 1993: “o movimento gay-lésbico, o movimento feminista” e “os chamados acadêmicos ou intelectuais”.

No total, ao menos seis intelectuais proeminentes foram disciplinados naquele mês de setembro, embora a Igreja negasse se tratar de um expurgo coordenado. Anderson e Hanks foram excomungadas. O mesmo aconteceu com o advogado Paul Toscano, que criticara líderes da igreja, bem como o historiador D. Michael Quinn. Lynne Whitesides, presidente de um grupo feminista SUD, foi desassociada por causa de seus escritos sobre a Mãe Celestial. O alvo final foi Avraham Gileadi, acadêmico mais conservador cujas interpretações bíblicas foram consideradas em desarmonia com a Igreja.

O rompimento não terminou aí. Janice Allred, teóloga feminista, foi excomungada em 1995. Sua irmã Margaret Toscano, esposa de Paul Toscano, foi excomungada em 2000. Vários professores que eram feministas ou criticaram a igreja tiveram sua permanência negada ou foram demitidos da Universidade Brigham Young.

As ações disciplinares chamaram atenção nacional. Críticos externos os denunciaram como uma inquisição. A igreja tem uma política de não comentar sobre medidas disciplinares, mas os defensores internos saudaram o que consideraram ações necessárias, embora trágicas.

Enquanto isso, líderes solidificaram suas doutrinas sobre gênero. Em 1995, as autoridades emitiram um documento intitulado “A Família: Proclamação ao Mundo”, o qual reafirmou crenças como a de que pais deveriam “presidir” as famílias.

Um novo capítulo

Os “Seis de Setembro” seguiram caminhos divergentes. Gileadi foi rapidamente rebatizado e Hanks voltou à fé em 2012, embora nunca tenha repudiado seu feminismo. Outros, porém, nunca regressaram ao rebanho, mesmo que vários continuassem a afirmar sua crença em doutrinas fundamentais.

A época teve um efeito inibidor no movimento mais amplo pela reforma de gênero. “Para onde foram todas as feministas mórmons?” perguntava o Salt Lake Tribune em 2003. Alguns observadores falaram de uma “geração perdida” de jovens pesquisadores que não viam um futuro dentro da fé.

No entanto, a Internet ressuscitou esses debates. Conexões digitais facilitaram o acesso à informação fora de canais oficiais e forneceram uma plataforma para vozes não ortodoxas. Em resposta, algumas iniciativas recentes da Igreja tentaram trazer mais transparência a questões controversas sobre a vida do fundador Joseph Smith e sobre ensinamentos da Igreja.

Há, porém, exemplos mais recentes de a Igreja disciplinando membros dissidentes. A ativista Kate Kelly, que fazia campanha pela ordenação de mulheres, foi excomungada em 2014. John Dehlin, podcaster que cultivou um grande número de seguidores santos dos últimos dias que questionam ensinamentos fundamentais da Igreja, logo a seguiu.

E a Igreja continua firme nos temas da guerra cultural relacionados ao gênero: não apenas sobre homossexualidade, mas também questões relacionadas à Mãe Celestial. As universidades pertencentes à Igreja não renovaram contratos de vários professores que se manifestaram abertamente sobre questões LGBTQ e feministas, e agora exigem uma declaração de apoio eclesiástico dos professores.

Num discurso ao corpo docente da BYU em 2021, o Apóstolo Jeffery R. Holland citou o Apóstolo Oaks, encorajando mais “disparos de mosquete” metafóricos em defesa da doutrina SUD, particularmente sobre casamento e famílias – linguagem que muitos criticaram como perigosa. É essencial que a escola “permaneça em harmonia com os ungidos do Senhor, aqueles a quem Ele designou para declarar a doutrina da Igreja”, disse Holland.

Tal como em 1993, época dos Seis de Setembro, hoje a Igreja SUD parece ansiosa por garantir que intelectuais sejam leais à doutrina aprovada, especialmente no que diz respeito a gênero e sexualidade – questões que outros grupos religiosos também devem enfrentar, dos apelos pela ordenação de mulheres na Igreja Católica a debates sobre grupos de estudantes LGBTQ em uma universidade judaica ortodoxa. Mesmo que “expurgos” pareçam implausíveis hoje, as tensões subjacentes continuam a pressionar.


Benjamin Park (@BenjaminEPark) é Professor Assistente de História na Sam Houston State University. Seu website pessoal pode ser encontrado aqui. Ele é o autor de Kingdom of Nauvoo: The Rise and Fall of a Religious Empire on the American Frontier. Seu próximo livro, American Zion: A New History of Mormonism, será lançado em janeiro de 2024.

Artigo original publicado aqui. Reproduzido sob permissão.

2 comentários sobre “Como Setembro de 1993, Quando Líderes Santos dos Últimos Dias Disciplinaram Seis Dissidentes, Continua a Perturbar a Igreja

  1. Em vez da igreja aproveitar os questionamentos e evoluir fica investindo na alienação, lamentável. Onde fiz greve de testemunho , acho que vou fazer não sei por quanto tempo.O Bispo disse que devemos ser robos e ficar repetindo as mesmas palavras e falar tudo igual na reunião de testemunho.O Pulpito ficou vazio pq os irmão só falavam a mesma coisa e iam embora , ainda teve a cara de pau dizer q a reunião foi espiritual…Foi mediocre isso sim …Ficar tratando membro da igreja igual robo ou gado que não pensa !!

  2. Em qualquer instituição religiosa é a mesma coisa, num momento a pessoa é admitida como membro, onde crê nos dogmas de uma instituição.
    Com os passar do tempo, começa a questionar, pelo fato que estudava as escrituras e da Constituição de tal igreja.
    Muitos que estão em qualquer instituição religiosa fazem jus ao substantivo “Ovelha”, pertence a um rebanho, em nada questionam, devem permanecer dentro como “Ovelha”.
    Quem estudou e têm outra visão da história, doutrina, provas materiais da história e não consegue se manter como “Ovelha” deve abandonar a fé, e abrir sua própria igreja, mas caso não tenha meios para abrir uma, então, é ficar longe da instituição que deixou de seguir e nem pense em retornar, pois logo, entratará novamente em conflito.
    Temos que analisar a instituição religiosa pelo ângulo de quem a criou, como por exemplo: Imperador Constantino, Martin Lutero, John Knox, João Calvino, Joseph Smith Jr, Edir Macedo, R.R. Soares, Valdemiro Santiago e muitos outros, os motivos, os meios, a história, das provas materiais da fé e de como se provar a sua doutrina.
    Eu de todas as igrejas que ingressei e delas abandonei, não me arrependo, não sou “ovelha”, não pertenço a um rebanho.
    Jesus Cristo não fundou nenhuma igreja, não teve tempo, mas outros homens a fundaram pelos seus motivos e fé.
    Deixei de aceitar Jesus como o meu salvador, não me arrependo.
    Eu pastoreio a mim mesmo e ao meu espírito.

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