Nascida livre em Connecticut no início de 1820, Jane Elizabeth Manning James estava entre os migrantes que deixaram os Estados Unidos em 1847 e se estabeleceram no que hoje é o Estado de Utah. Não foi a primeira vez que Jane deixava sua casa para se juntar a um experimento utópico.
Como negra e mãe solteira, Jane ingressou no mormonismo em seu estado natal e mudou-se para Nauvoo, Illinois, onde trabalhou para Emma e Joseph Smith. Lá, recebeu a confiança suficiente do Profeta Mórmon e seu círculo interno para lavar suas “vestes do sacerdócio” e aprender com suas esposas sobre as inovações matrimoniais da nova religião. Se a cor de sua pele era uma barreira em seu mundo e em sua igreja, seu trabalho com os Smiths fez dela uma testemunha em primeira mão de conhecimentos secretos.
A vida de Jane ainda nos pressiona a romper os compartimentos entre o que consideramos história mórmon, história afro-americana, história das mulheres. Como a historiadora Quincy D. Newell escreve em sua biografia de Jane Manning,
“Embora o Oeste tenha sido um lugar de refúgio para inúmeros grupos religiosos ao longo da história americana, raramente incluímos afro-americanos entre aqueles que foram para o Oeste por motivos religiosos. Reconhecer as motivações religiosas de Jane ao se mudar para o Vale do Lago Salgado nos ajuda a começar a contar essa parte da história.” [1]
A foto abaixo de 2 3/16 por 3 3/8 polegadas foi tirada no estúdio de Edward Martin, um converso inglês, em Salt Lake City, nos anos 1860. Tradicionalmente, a fotografia tem sido identificada como um retrato de Jane Manning, mas a evidência é apenas circunstancial – aponta Quincy D. Newell, autora da primeira biografia acadêmica de Jane Manning, lançada em 2019. [2]

Retrato que se acredita ser de Jane Elizabeth Manning James. | Imagem: Cortesia da Biblioteca de História da Igreja, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias
A autora ainda questiona qual haveria sido o popósito ou uso da fotografia.
A foto pode ter adornado uma parede ou prateleira na casa de Jane e Isaac James – ou da mulher desconhecida. Ou pode ter sido usada como um cartão de visita, anunciando os serviços de Jane como lavadeira. Ou talvez tenha sido vendido pelo ateliê como uma curiosidade aos brancos residentes ou visitantes do território. Podemos apenas imaginar o quão valiosos eram o vestido e os brincos escolhidos para a ocasião.
Diferentemente do retrato em disputa, há dois outros registros fotográficos em que sabemos com certeza incluir Jane Manning. O primeiro foi tirado por ocasião dos 50 anos da chegada dos pioneiros mórmons ao Vale do Lago Salgado. [3]

“Pioneiros de 1847 durante o Jubileu Pioneiro de Utah, Salt Lake City, Utah, 24 de julho de 1897”. Foto de George Anderson. Jane pode ser encontrada no centro da foto, na sétima fileira. | Imagem: Cortesia da Biblioteca do Congresso americano.
Ainda que houvesse outros mórmons negros que poderiam estar na foto do Jubileu Pioneiro, Jane Manning é a única “pessoa de cor” posando na festividade.
Nesta segunda foto, tirada em 1905, ogrupo de pioneiros do território, cada vez menor, traz Jane e seu irmão Isaac Manning. Eles posam no lado esquerdo da foto. [4]

“Pioneiros de Utah de 1847, presentes na celebração na quadra do templo”. Fotografia tirada por Charles Roscoe Savage. | Imagem: Cortesia da Universidade de Princeton.

Detalhe destacando Jane Manning e Isaac Manning. | Imagem: Cortesia da Universidade de Princeton.
O pequeno retrato individual tirado na década de 1860 serve como um lembrete do quão pouco ainda sabemos sobre Jane Manning. E ainda de como a narrativa histórica pode basear-se em fontes nem tão precisas.
Ao consumirmos narrativas históricas sobre o mormonismo, o sentimento de certeza por vezes nos provê certo conforto que apenas a pesquisa mais acurada e criteriosa é capaz de colocar em xeque. Graças a historiadores como Quincy Newell, somos relembrados das incertezas acerca de fatos e fontes, e das infinitas possibilidades da pesquisa histórica.
Referências
1. Your Sister in the Gospel: the Life of Jane Manning James, a Nineteenth-Century Black Mormon. Oxford University, 2019, p. 03.
2. Ibidem, p. 85-88.
3. “Pioneers of 1847 at the Utah Pioneer Jubilee, Salt Lake City, Utah, July 24th 1897”. Disponível aqui.
4. “Utah Pioneers of 1947”. Disponível aqui.
Muito bacana o relato! Penso que a igreja adotou uma postura racista por influencia da sociedade americana. Não duvido nada, os membros da igreja terem sido contaminados pela cultura do mundo ao desprezarem pessoas negras , não aceitando elas sendo bem tratadas ou em altas posições. Nesse ponto os membros da igreja , a liderança foi fraca para exercer uma força contrária ao racismo predominante no mundo especialmente nos EUA. Outro dia vi um documentário da NETFLIX https://pt.wikipedia.org/wiki/13th_(filme) relata o desejo da liderança politica e da sociedade isolarem os negros em prisões. As religiões cristãs foram coniventes com o racismo na maioria das vezes. Inclusive na perseguição as religiões afro.