Páscoa: O que dizem os Evangelhos?

Celebramos hoje a Páscoa Cristã.

Páscoa vem da palavra grega pascho, que significa “sentir” ou “viver a experiência”. Nos Evangelhos canônicos, especialmente nos relatos da Páscoa Cristã, ela foi invariadamente usada com o significado de “sofrer” ou “sentir dor” ou “viver uma experiência dolorosa ou pesarosa”. Para os autores dos Evangelhos, pascho (páscoa) significava o sofrimento e a dor que Jesus de Nazaré vivenciou no seu martírio em Jerusalém. Daí o nosso uso do têrmo Páscoa para nos referir ao martírio (sofrimento e morte) de Jesus.

Celebraremo-na considerando os quatro relatos mais antigos, e coincidentemente canonizados, da Páscoa.

Ao contrário do que a maioria dos cristãos imagina, os quatro relatos canonizados (i.e., os Evangelhos atribuídos a Marcos, Mateus, Lucas e João) não narram o mesmo evento, não se complementam, e não são mutualmente inclusivos. Todas as quatro narrativas são individuais e independentes, narrando relatos como o seu autor acreditava ou imaginava ou ouvira ter ocorrido (nenhum desses autores fora testemunha ocular — na realidade, todos os evangelhos são anônimos, e atribuições autorais surgiram décadas após suas composições).

Portanto, honramos os autores que nos legaram esses quatro relatos distintos respeitando suas independências editoriais, estudando-os como eles haviam desejado: Individual e independentemente.

Dito isso, como ocorreu a Páscoa de acordo com cada autor evangelista? Continuar lendo

‘Paulo, Apóstolo de Cristo’ está mais à Coca-Cola que à Bíblia

O cartaz de Paulo, Apóstolo de Cristo mostra um Paulo com olhar determinado (James Faulkner) olhando diretamente para o espectador. Lucas, interpretado por Jim Caviezel, (Jesus em A Paixão de Cristo), parece resoluto ao seu lado. Dois atores brancos, bonitos, e castigados pelo sol, com narizes fortes e queixos fortes, interpretam heróis da fé cristã.

O que poderia estar errado aqui?

Em termos de precisão histórica, há muita coisa errada. E muito em jogo. Paulo, Apóstolo de Cristo é um entre muitos numa crescente onda de filmes bíblicos que romantizam e distorcem o passado, e ainda arriscam causar danos atuais. Esses filmes são como refrigerantes: doce, fácil de engolir, mas prejudicial se parte de uma dieta constante.

Cartaz de “Paulo, Apóstolo de Cristo” com Paulo (James Faulkner) e Lucas (Jim Caviezel) olhando diretamente para o espectador.

Eu me diverti assistindo Paulo, Apóstolo de Cristo; a subtrama fictícia de Paulo assombrado pelo assassinato de uma jovem é bastante tocante. Apesar disso, acredito que o filme deve mais à Coca-Cola do que à Bíblia. Eis cinco razões: Continuar lendo

‘O Que Está Morto Não Pode Morrer’: Segredos da Ressurreição na Bíblia e em Game of Thrones

Aviso: este artigo contém spoilers para aqueles que não estão atualizados com a sexta temporada de Game of Thrones.

Acontecimentos na série de TV Game of Thrones da HBO fizeram as pessoas falar sobre o que significa retornar dos mortos. Mas, embora a ressurreição pareça ser uma possibilidade muito real para algumas das religiões do mítico Westeros — não menos àquela que ressuscita Jon Snow, a “sacerdotisa vermelha”, Melisandre —, o que a Bíblia pode adicionar à discussão?

Game of Thrones, sexta temporada. Imagem: Divulgação/HBO.

De fato, retornar dos mortos era um evento bastante raro à época de Jesus. Poucos gregos e romanos antigos conseguiram sair do Hades, mas aqueles que fizeram eram heróis, como Hércules e Protesilau. Continuar lendo

Em Defesa de Cristo: Quais são as Evidências da Ressurreição?

Em 1998, Lee Strobel, um repórter para o jornal Chicago Tribune e advogado pela Universidade de Yale, publicou o livro entitulado “Em Defesa de Cristo” (com o subtítulo descritivo “a investigação pessoal de um jornalista das evidências a favor de Jesus”). Strobel reconta haver sido ateu até ser compelido pela conversão de sua esposa ao cristianismo evangélico a tentar refutar as principais asserções cristãs sobre Jesus.

Central entre tais asserções está a historicidade da ressurreição de Jesus, porém outras delas incluem as crenças que Jesus é literalmente o Filho de Deus e a acurácia dos escritos do Novo Testamento.  Strobel, contudo, encontrou-se incapaz de refutar tais asserções satisfatoriamente, e ele também se converteu ao cristianismo. Seu livro tornou-se um dos maiores bestsellers (i.e., mais vendidos) na categoria de apologética cristã (isto é, a defesa da razoabilidade e acurácia do Cristianismo) de todos os tempos.

Ontem, 7 de abril, estreiou [nos Estados Unidos] uma adaptação a filme de longa metragem entitulado “Em Defesa de Cristo”. O filme tenta estabelecer um argumento convincente para a historicidade da ressurreição de Jesus. Como diz um personagem para Strobel no começo do filme, “se a ressurreição de Jesus nunca ocorreu, então [a fé cristã] é um castelo de cartas”.

O Novo Testamento (Foto: Ty Muckler)

Como um professor de estudos religiosos especializado no Novo Testamento e no Cristianismo primitivo, eu postulo que tanto o livro de Strobel, como sua adaptação cinematográfica, foram Continuar lendo

O Primeiro Natal de acordo com o Novo Testamento

Celebramos recentemente o Natal.

Natal vem da palavra latim natus, que significa “nascimento” ou “nascer” ou mesmo “gerar”, e é comumente utilizado para se referir ao “dia do nascimento” de alguém. Costumeiramente, no mundo de línguas românicas, Natal tornou-se um termo para descrever a celebração do nascimento de Jesus. Assim, no Brasil, como nos demais países românicos e cristãos, no Natal (usualmente no dia 25 de dezembro) comemora-se o nascimento de Jesus há mais de 2 mil anos atrás.

A Adoração dos Pastores, por Gerard van Honthorst (1590–1656), em 25 de dezembro de 1622

A Adoração dos Pastores, por Gerard van Honthorst (1590–1656), em 25 de dezembro de 1622

Ao contrário do que a maioria dos cristãos imagina, os quatro relatos canonizados da vida de Jesus no Novo Testamento (i.e., os Evangelhos atribuídos a Marcos, Mateus, Lucas e João) não narram os mesmos eventos, não se complementam, e não são mutualmente inclusivos. Todas as quatro narrativas são individuais e independentes, narrando relatos como o seu autor acreditava ou imaginava ou ouvira ter ocorrido (nenhum desses autores fora testemunha ocular — na realidade, todos os evangelhos são anônimos, e atribuições autorais surgiram décadas após suas composições).¹

Portanto, honraremos os autores que nos legaram esses quatro relatos distintos respeitando suas independências editoriais, estudando-os como eles haviam desejado: Individual e independentemente.

Dito isso, como ocorreu o “primeiro natal”, ou o nascimento de Jesus, de acordo com cada um dos 4 autores de cada Evangelho canônico?

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Mórmons Seguem As Escrituras?

Reagindo às notícias do vazamento, da reação oficial da Igreja SUD, e das reações de outros Mórmons, sobre a nova política da Igreja discriminar contra crianças em famílias LGBT, muitos membros da Igreja abriram as escrituras para defender a posição oficial da Igreja.

Citando passagens de escrituras, esses membros SUD se propõe a demonstrar que a discriminação institucionalizada com essa nova medida está em linha com o comportamento esperado de um discípulo de Cristo.

Nem todos os Mórmons creem que Jesus chama para si as criancinhas

Nem todos os Mórmons creem que Jesus chama para Si as criancinhas

Afinal, condenar homossexualidade não é um princípio ensinado na Bíblia?

Vejamos.

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Criança Pondera Como Será Deus

Como você trata pessoas em grupos minoritários ou diferentes de você diz muito mais sobre quem você é do que o que você diz de si mesmo. Dirá, também, sobre quem é Deus?

"Então, papai, todas essas pessoas no noticiário que dizem que estão seguindo a Deus, pode-se presumir que Deus não é uma pessoa muito boa?" pergunta uma criança na charge "Pode-se Presumir" do nakedpastor David Hayward

“Então, papai, todas essas pessoas no noticiário que dizem que estão seguindo a Deus, pode-se presumir que Deus não é uma pessoa muito boa?” pergunta uma criança na charge “Pode-se Presumir” por David Hayward

O pastor David Hayward se inspira no drama e sofrimento de Continuar lendo

Eros Templário

Alguns anos atrás, encontrei-me com um amigo que, à época, servia como bispo. Ele me pareceu não muito feliz com o que lera em um artigo que eu havia escrito. Dentre outras coisas, no dito texto, eu discorria sobre a importância da revelação que liberou o sacerdócio aos negros ter sido anunciada antes da dedicação do Templo de São Paulo.

vm-emanuel

O trecho que lhe trouxe mal-estar foi este: Continuar lendo

A Arca de Noé

300 côvados por 50 côvados por 30 côvados.

Ao ler o conto bíblico do dilúvio e da arca que Noé teria construído para resgatar todos os seres animais terrestres da destruição apocalíptica, quem nunca se frustrou ao tentar imaginar o tamanho desse barco?

Afinal, o que é um côvado? E como caberiam todos os animais em um barco? 2 de todos os animais, 14 de todos os animais “puros”, e comida para todos eles por mais de 6 meses? Quão enorme teria que ser tal barco?

Se você é uma dessas pessoas, seus problemas acabaram. Eis um belo vídeo de uma tomada aérea de uma reconstrução fiel da arca de Nóe, incluindo carros, ônibus, e pessoinhas para oferecer amplo contexto de dimensões. Continuar lendo

Que Aparência Tinha Jesus?

Atualmente no noticiário, há a notícia sobre uma reconstrução do que está sendo chamado o rosto de Jesus. A reconstrução, pelo artista médico britânico Richard Neave, foi na verdade feita há mais de uma década, mas recentemente voltou a circular – dada a época do ano¹. Ao invés de ter a intenção de mostrar precisamente como Jesus se parecia, o projeto procurava demonstrar que aparência um judeu médio no primeiro século da Era Comum poderia ter.

Ator representa Jesus Cristo | Acervo de imagens do site lds.org

Ator representa Jesus Cristo | Acervo de imagens do site lds.org

Ainda que essa impressão, de um homem de cabelos escuros, de pele morena e olhos castanhos, cujo rosto parece desgastado por uma carreira de trabalho braçal externo, provavelmente não seja idêntica à aparência do Jesus histórico, é provavelmente uma aproximação maior do que muitos daquelas que aparecem frequentemente na cultura popular. Continuar lendo

Profetas Mórmons: Pauline Hancock

Profetas vivos são a parte mais idiossincrática da história, da teologia e da tradição mórmons. Tanto que o primeiro hinário mórmon, de 1835, continha uma estrófe celebrando a natureza ímpar desse quesito fundamental:

“Uma igreja sem um Profeta,
Não é a igreja para mim,
Ela não tem um cabeça para liderá-la,
Não pertenceria a uma assim.”

O conceito de profetas vivos permanece firme e forte, com mórmons cantando hoje “Graças damos, ó Deus, por um profeta; Que nos guia no tempo atual”. A celebração, e reverência, de profetas passados é quase tão forte quanto o culto aos profetas vivos atuais, inspirando publicações de biografias autorizadas e livros didáticos para mantê-los vivos na memória coletiva.

profetisa mórmon

Hulda, de Elspeth Young.

Não obstante, seja por divergência de tradições, seja por falta de interesse ideológico ou eclesiástico, ou por apatia literária ou historiográfica, muitos profetas da história e tradição mórmons são ignorados ou esquecidos. Esta série de artigos servirá para explorar as biografias e os legados desses líderes mórmons com sucintas introduções a seus chamados proféticos.

O artigo de hoje discutirá Pauline Hancock.

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Manuscritos do Mar Morto Digitalizados e Online

Os famosos pergaminhos conhecidos como Manuscritos do Mar Morto estão sendo digitalizados e publicados online para estudo e apreciação de todos, fornecendo uma excelente ferramenta para acadêmicos, e incentivo a estudos para leigos e interessados.

Pergaminho encontrado nas cavernas de Qumran

Pergaminho encontrado nas cavernas de Qumran (Foto por Matson Photo Service – American Colony Jerusalem – Library of Congress)

Os Manuscritos do Mar Morto são uma coleção de 981 textos diferentes descobertos entre 1946 e 1956 em onze cavernas nas imediações do antigo assentamento em Khirbet Qumran, na Cisjordânia. As cavernas estão localizadas cerca de dois quilômetros da costa noroeste do Mar Morto, donde  derivaram seu nome.

O consenso acadêmico é que a produção dos pergaminhos encontrados nas cavernas de Qumran datam de Continuar lendo

A Terra é Plana

A Terra é plana, fixa no centro do universo, encerrada por um domo composto pelos céus, e ao seu redor circulam o sol, a lua, e as estrelas.

Ao menos é o que diz a Bíblia.

As sociedades de Terra Plana são sociedades modernas baseadas na crença de que a Terra seja plana. Surpreendentemente, tais sociedades proliferam-se tanto na Bretanha e nos EUA, assim como no Brasil. As hipóteses modernas pela Terra Plana se originaram no século 19 com o escritor inglês Samuel Rowbotham, que publicou o livro A Terra Não É Um Globo, onde a Terra é descrita como um disco plano, centrado no Pólo Norte, delimitado ao longo da borda sul por um muro de gelo (i.e., o continente da Antártida), tendo o Sol e a Lua a 4.800 km e o Cosmo a 5.000 km acima da Terra.

Rowbotham argumentou, como é comum entre Terra Planistas até hoje, que a “Bíblia, em conjunção com os nossos sentidos, apoiou a ideia de que a Terra era plana e imóvel e esta verdade essencial não deve ser anulada por um sistema baseado unicamente em conjectura humana”.

Invariavelmente, tais sociedades estruturam-se exclusivamente em teorias de conspiração, ignorância de princípios científicos básicos, pseudociência, e uma leitura bíblica literalista e inerrante.

Leiamos, portanto, o que realmente diz a Bíblia Hebraica sobre o formato da Terra¹:
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Plágio e as Escrituras

Plágio significa “copiar ou imitar, sem engenho, as obras ou os pensamentos dos outros e apresentá-los como originais”.

Apesar de conceito simples e claro, muitas pessoas tem dificuldade para compreendê-lo e, ainda mais frequente, reconhecê-lo.

Felizmente, a esposa do candidato Republicano a presidente dos EUA, Donald Trump, ofereceu o perfeito exemplo ilustrativo.

Melania Trump plagia Michelle Obama em seu discurso na Convenção do Partido Republicano em Cleveland, Ohio

Durante seu discurso na Convenção Nacional do Partido Republicano dessa semana, a candidata à primeira dama dos EUA Melania Trump liberalmente plagiou de trechos de um discurso de 2008 da então candidata à primeira dama dos EUA Michelle Obama:

Inicialmente, Donald Trump e aliados insistiram em negar que Melania Trump havia plagiado Michelle Obama. Contudo, as evidências eram tão óbvias, e foram tão rápida e amplamente divulgadas, que uma membro de sua equipe, a escritora formada pela Universidade de Utah Meredith McIver assumiu responsabilidade e culpa pelo plágio.

A empresa Turnitin, especializada em detecção de plágio em trabalhos acadêmicos, analisou os discursos e demonstrou com alto grau de confiança que Trump plagiara de Obama [ênfases nossas]:

“O tipo ‘clone’ de plágio copia de outro trabalho literalmente, palavra por palavra. O início da seguinte frase de ambos discursos de Melania Trump de 2016 e o de Michelle Obama de 2008 exemplificam isso. Ambas são exatamente as mesmas. (…) Só para oferecer um contexto… há uma chance em um trilhão que uma frase de dezesseis palavras correspondam a uma outra frase do mesmo comprimento apenas por coincidência. Quanto mais o número de palavras correspondentes aumenta, a probabilidade de uma correspondência por pura coincidência cai por ordens de magnitude. (…) O final da mesma frase, mencionada acima, fornece um exemplo de plágio do tipo “localizar e substituir”, um caso em que algumas palavras-chave ou frases são alteradas, mas o texto mantém o conteúdo ou o significado do trabalho copiado.”

A comparação lado a lado das frases em questão não deixa nenhuma dúvida para o investigador racional e imparcial dos dois tipos de plágio dentro os 10 tipos categorizados (i.e., “clone” e “localizar e substituir”) inclusos no discurso de Trump.

Plágio não é exclusividade acadêmica ou política, aparecendo com frequência no universo religioso. Thomas Monson, por exemplo, é fã pessoal de plágio, havendo plagiado de seus próprios discursos passados em Conferências Gerais de 2014 e 2016. Alguns sites de notícias SUD plagiam rotineiramente.

Plágio também ocorre nas escrituras. Continuar lendo