Celebramos hoje a Páscoa Cristã.
Páscoa vem da palavra grega pascho, que significa “sentir” ou “viver a experiência”. Nos Evangelhos canônicos, especialmente nos relatos da Páscoa Cristã, ela foi invariadamente usada com o significado de “sofrer” ou “sentir dor” ou “viver uma experiência dolorosa ou pesarosa”. Para os autores dos Evangelhos, pascho (páscoa) significava o sofrimento e a dor que Jesus de Nazaré vivenciou no seu martírio em Jerusalém. Daí o nosso uso do têrmo Páscoa para nos referir ao martírio (sofrimento e morte) de Jesus.
Celebraremo-na considerando os quatro relatos mais antigos, e coincidentemente canonizados, da Páscoa.
Ao contrário do que a maioria dos cristãos imagina, os quatro relatos canonizados (i.e., os Evangelhos atribuídos a Marcos, Mateus, Lucas e João) não narram o mesmo evento, não se complementam, e não são mutualmente inclusivos. Todas as quatro narrativas são individuais e independentes, narrando relatos como o seu autor acreditava ou imaginava ou ouvira ter ocorrido (nenhum desses autores fora testemunha ocular — na realidade, todos os evangelhos são anônimos, e atribuições autorais surgiram décadas após suas composições).
Portanto, honramos os autores que nos legaram esses quatro relatos distintos respeitando suas independências editoriais, estudando-os como eles haviam desejado: Individual e independentemente.
Dito isso, como ocorreu a Páscoa de acordo com cada autor evangelista?
De acordo com o autor do Evangelho de Marcos
Para o autor de Marcos, a narrativa da Paixão (do latim passionem, significando “sofrimento”) é tão importante que ocupa um terço de todo o Evangelho.
Narrativa
Jesus se aproxima a Jerusalém vindo do Leste e assentando em Betânia, envia dois discípulos para tomarem um jumento emprestado, e Ele adentra a cidade montado no jumento. Muitas pessoas estenderam suas roupas pelo caminho e outras espalharam ramos para saudá-Lo com homenagens messiânicas. Jesus visita o Templo, mas decide pernoitar em Betânia.
Na manhã seguinte, Jesus retorna a Jerusalém. No caminho, com fome, Jesus amaldiçoa uma figueira simplesmente por não ter frutos, mesmo sabendo que não era a época de frutos. Chegando em Jerusalém, Jesus vai ao Templo onde imediatamente põe-se a causar comoção, atacando com violência aqueles que ali trabalhavam, não permitindo que ninguém conduzisse seus trabalhos ali. Imediatamente, os “chefes dos sacerdotes e os mestres da lei” começaram a planejar Seu assassinato.
No dia seguinte, novamente a caminho para Jerusalém de Betânia, os discípulos notam que a figueira amaldiçoada no dia anterior havia morrido. Ao chegar ao Templo, Jesus foi abordado pelos “chefes dos sacerdotes, os mestres da lei e os líderes religiosos” sobre Sua “autoridade”, e Jesus usa a popularidade João, o Imersor, para evadir a pergunta. Aproveitando a oportunidade, Jesus reconta uma parábola que obviamente prevê mortes violentas para esses “chefes dos sacerdotes e os mestres da lei e anciões”, e eles novamente discutem táticas para prendê-Lo, mas medo da “multidão” os previne.
No mesmo dia, “fariseus e herodianos” tentam confundi-Lo com uma pergunta sobre o pagamento de impostos ao Império Romano, e Jesus se desvencilha da armadilha pregando não confrontação com Roma e a dessecularização de Seus ensinamentos. ”
“Dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Saduceus tentam confundi-Lo com uma pergunta sobre casamento na vida pós-mortal. Jesus estabelece que “após a ressurreição” não haverá casamentos.
“Vocês estão enganados! Pois não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus! Quando os mortos ressuscitam, não se casam nem são dados em casamento, mas são como os anjos nos céus.”
Um “dos mestres da lei” tenta, novamente, confundi-Lo com uma pergunta sobre qual mandamento de Deus seria o mais importante, e Jesus retruca com tamanha eficácia (“Ame o … seu Deus, de todo o seu coração… O segundo é este: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’”) que ninguém mais ousou tentar confundí-lo.
Ainda no Templo, no dia seguinte a toda confusão e violência do dia anterior, Jesus segue ensinando em paz e sem maiores retaliações a uma “grande multidão” que “o ouvia com prazer”. Jesus sugere que o esperado Messias (têrmo hebreu para Cristo, ou “ungido” e “coroado”) não deveria ser “filho de Davi”, repudia os “mestres da lei” que são sustentados pelo povo, e glorifica os pobres dedicados a fé.
Ao sair do Templo, e no caminho de volta à Betânia, Jesus oferece o que acadêmicos denominam de “pequeno apocalipse“, quando Ele prevê a destruição do Templo de Jerusalém, perfeitamente descrevendo os eventos da Primeira Guerra Judaico-Romana (66-70 EC):
“guerras e rumores de guerras… Nação se levantará contra nação… terremotos em vários lugares e também fomes… irmão trairá seu próprio irmão, entregando-o à morte, e o mesmo fará o pai a seu filho. Filhos se rebelarão contra seus pais e os matarão… ‘o sacrilégio terrível’ no lugar onde não deve estar… os que estiverem na Judéia fujam para os montes. Quem estiver no telhado de sua casa não desça nem entre em casa para tirar dela coisa alguma... Se, então, alguém lhes disser: ‘Vejam, aqui está o Cristo!’ ou: ‘Vejam, ali está ele!’, não acreditem. Pois aparecerão falsos cristos e falsos profetas que realizarão sinais e maravilhas para, se possível, enganar os eleitos.”
Jesus então promete a redenção vindo dos céus logo após os desastrosos eventos da destruição de Jerusalém:
“Então se verá o Filho do homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. E ele enviará os seus anjos e reunirá os seus eleitos dos quatro ventos, dos confins da terra até os confins do céu… Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, senão somente o Pai. Fiquem atentos! Vigiem! Vocês não sabem quando virá esse tempo. É como um homem que sai de viagem. Ele deixa sua casa, encarrega de tarefas cada um dos seus servos e ordena ao porteiro que vigie. Portanto, vigiem, porque vocês não sabem quando o dono da casa voltará: se à tarde, à meia-noite, ao cantar do galo ou ao amanhecer. Se ele vier de repente, que não os encontre dormindo! O que lhes digo, digo a todos: Vigiem!”
No dia seguinte, Jesus estava “reclinado à mesa” do leproso Simão em Betânia quando uma mulher desconhecida o ungiu com óleo “muito caro”, e quando os presentes protestaram o desperdício, Jesus a defende, explicando a unção como preparatória à Sua morte e velório. Enquanto isso, os “chefes dos sacerdotes e os mestres da lei” procuravam uma desculpa para “flagrar Jesus em algum erro e matá-lo” mas não durante a Páscoa que se aproximava “para que não haja tumulto entre o povo”. Subitamente, sem quaisquer motivações específicas ou claras, Judas Iscariotes decide dirigir-se “aos chefes dos sacerdotes a fim de lhes entregar Jesus”.
No “primeiro dia da Páscoa”, então 14 de Nisan [1], “quando se costumava sacrificar o cordeiro pascal”, Jesus acerta com Seus discípulos para a tradicional ceia pascal chamada seder. Ele envia dois discípulos para Jerusalém para conseguir uma sala por acaso, e “reclinados à mesa” naquela noite para um jantar de seder, Jesus anuncia que um deles presentes O trairá. Então, Jesus toma do pão sem fermento, típico (e obrigatório) para seders e anuncia “Tomem; isto é o meu corpo”. Logo após, Jesus toma do vinho típico para seders e anuncia “Isto é o meu sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos. Eu lhes afirmo que não beberei outra vez do fruto da videira, até aquele dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus”.
Jesus novamente anuncia que todos O abandonarão, e quando Pedro se recusa a crer que ele poderia abandoná-Lo, Jesus afirma que antes que “duas vezes cante o galo, três vezes você me negará”.
Terminado o jantar, Jesus decide ir a Getsêmani, no pé do Monte das Oliveiras, e se separa dos discípulos para “orar”. Contudo, porque Ele se sentia “aflito e angustiado” e “profundamente triste, numa tristeza mortal”, pede para Pedro, Tiago, e João acompanharem-No sem os demais. Separando-se destes, Jesus se joga no chão e reza:
“Pai, tudo te é possível. Afasta de mim este cálice; contudo, não seja o que eu quero, mas sim o que tu queres”.
Jesus retorna para checar com Seus três discípulos, porém os encontra dormindo. Após lhes dar uma bronca por dormirem ao invés de estarem rezando por Ele como lhes havia pedido, Jesus retorna ao lugar de reclusão para oferecer a mesma prece. Retornando para checar com os três, os flagra dormindo novamente, e tudo se repete ainda mais duas vezes, até que Jesus se resigna e anuncia a chegada iminente de Seu “traidor”.
Logo Judas se aproxima do grupo, acompanhado de uma “multidão armada de espadas e varas, enviada pelos chefes dos sacerdotes, mestres da lei e líderes religiosos”. Judas se aproxima de Jesus, saudando-o carinhosamente como “Rabino!” seguido de um beijo, como havia combinado previamente de sinal, e imediatamente Jesus é capturado. Um dos amigos de Jesus saca uma espada e decepa a orelha do “escravo do sumo sacerdote”, enquanto Jesus oferece palavras de repúdio à Sua prisão na surdina da noite. Rapidamente, todos os amigos e seguidores de Jesus fogem, inclusive um rapaz que larga sua túnica e foge pelado para evitar captura.
Preso, Jesus é levado “ao sumo sacerdote” onde estavam “todos os chefes dos sacerdotes, os líderes religiosos e os mestres da lei” e “todo o Sinédrio”. Enquanto as testemunhas convocadas ofereciam nada coerente ou condenável, Jesus responde diretamente à pergunta do Sumo Sacerdote:
– Você é o Cristo, o Filho do Deus Bendito?
– Sou. E vereis o Filho do homem assentado à direita do Poderoso vindo com as nuvens do céu.
Considerando essa declaração como blasfêmia, condenam Jesus à morte. Vendado, Jesus sofre cuspes, tapas, e murros.
Enquanto isso, Pedro tentava acompanhar o julgamento de longe, no pátio palacial, e reconhecido, foi questionado quanto à sua associação com o prisioneiro. Pedro nega tal associação em três ocasiões distintas, e ao negar pela terceira vez, ouve um galo cantando pela segunda vez, e põe-se a chorar.
Ao raiar do dia seguinte, Jesus é arrastado a Pilatos, [2] que o questiona imediatamente:
– Você é o rei dos judeus?
– Tu o dizes.
Pilatos se impressiona com a calma e o silêncio de Jesus durante o resto do processo, e porque “era costume soltar um prisioneiro que o povo pedisse” devido ao festival religioso. Uma “multidão” pressiona Pilatos para soltar Barrabás, um assassino preso por participar em uma rebelião contra os Romanos. Pilatos tenta interceder a favor de Jesus, “sabendo que fora por inveja que os chefes dos sacerdotes lhe haviam entregado Jesus”, mas “os chefes dos sacerdotes” incita a multidão a exigir que soltem Barrabás, e a exigir que crucifiquem Jesus. Pilatos tenta novamente, mas eles insistem na pena de morte, e ele aquiesce para “agradar” a multidão. [3]
Soldados romanos levam Jesus para açoitá-lo e aproveitam para zombar d’Ele com uma coroa de espinhos e um manto de púrpura como escárnio ao título de “rei dos judeus”. [4]
Após ser açoitado e zombado, os soldados romanos arrastam Jesus (agora em Suas próprias roupas) até Gólgota, obrigando um transeunte chamado Simão, de Cirene, a carregar a cruz destinada a Jesus. Ofereceram-No “vinho misturado com mirra”, mas Ele o recusou. Removeram Suas roupas e jogaram sortes para dividir os espólios entre eles. E, às nove horas da manhã, no dia do calendário hebraico 15 de Nisan, uma sexta-feira, crucificaram a Jesus.
A acusação afixada na cruz para a pena capital foi “Rei dos Judeus”, e o autor de Marcos cita uma passagem de Isaías para explicar a presença de dois ladrões crucificados juntos com Jesus, ladeando-O. [5] Insultos e zombarias de transeuntes e dos opositores religiosos preenchiam o ar, inclusive vindo dos dois ladrões crucificados.
Subitamente, toda a Palestina foi encoberta em “trevas” por três horas, do meio-dia às três da tarde, quando Jesus “bradou em alta voz: … Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” [6] Alguns se confudem, achando que ‘Eloi’ seria “Elias” e que Jesus estaria chamando “Elias” para resgatá-Lo. [7] Uma pessoa presente oferece vinagre para Jesus beber, enquanto outros insistem em zombá-lo sobre Elias, mas Jesus solta “um alto brado” e morre. A cena tão comove o centurião presente que ele exclama: “Realmente este homem era o Filho de Deus!”
O “véu do santuário” rasga-se em dois, de ponta à ponta.
Presentes, dos amigos e seguidores de Jesus, estão à distância, apenas Maria Madalena, Salomé, Maria mãe de Tiago e José, e outras mulheres não mencionadas por nome.
José de Arimatéia, “membro de destaque do Sinédrio” pediu a Pilatos posse do corpo de Jesus, que prontamente solicita confirmação do óbito de Jesus. Obtida autorização para sepultá-Lo, José velou o corpo com um “lençol de linho… e o colocou num sepulcro cavado na rocha. Depois, fez rolar uma pedra sobre a entrada do sepulcro.” [8]
Presentes ao sepultamento estavam apenas Maria Madalena e Maria mãe de José.
Após um dia e meio, na manhã do Domingo, Maria Madalena, Salomé, e Maria mãe de Tiago “compraram especiarias aromáticas para ungir o corpo de Jesus”. Chegando no sepulcro, após discutir entre si como elas poderiam abri-lo para ungir o corpo, descobriram-no aberto e, para seu choque e terror, avistaram um “jovem vestido de roupas brancas assentado à direita” dele. O jovem imediatamente tentou acalmá-las:
“Não tenham medo. Vocês estão procurando Jesus, o Nazareno, que foi crucificado. Ele ressuscitou! Não está aqui. Vejam o lugar onde o haviam posto. Vão e digam aos discípulos d’Ele e a Pedro: Ele está indo adiante de vocês para a Galiléia. Lá vocês o verão, como Ele lhes disse.”
Assustadas, as três mulheres correram dali e nunca contaram nada a ninguém, “porque estavam amedrontadas”. [9]
De acordo com o autor do Evangelho de Mateus
Para o autor de Mateus, a narrativa do Evangelho de Marcos, especialmente a narrativa da Paixão (do latim passionem, significando “sofrimento”), é tão importante que o autor de Mateus copia o texto de Marcos palavra por palavra. Inclusive, aproximadamente 56% do texto do Evangelho de Mateus é literalmente copiado, palavra por palavra, de 94% do texto do Evangelho de Marcos. [10]
Narrativa
Jesus se aproxima a Jerusalém vindo do Leste e assentando em Betânia, envia dois discípulos para tomarem um jumento e um potro emprestados, e Ele adentra a cidade montado em ambos. [11] Dentro da cidade, “uma grande multidão” estende suas roupas pelo caminho e espalham ramos para saudá-Lo com homenagens messiânicas, e “toda a cidade” pergunta sobre Ele, ouvindo a resposta: “Este é Jesus, o profeta de Nazaré da Galiléia”.
Jesus imediatamente visita o Templo, e põe-se a causar comoção, “expuls[ando] todos os que ali estavam” atacando-os com violência. Lá, Jesus cura cegos e mancos, enquanto os “chefes dos sacerdotes e os mestres da lei” se ofendem por referirem-se a Jesus como “Filho de Davi”.
Na manhã seguinte, Jesus retorna a Jerusalém de haver pernoitado em Betânia. No caminho, com fome, Jesus amaldiçoa uma figueira simplesmente por não ter frutos, e ela imediatamente morre. Espantados, os discípulos questionam a natureza do milagre, e Jesus lhes promete o mesmo poder.
Ao chegar ao Templo, Jesus foi abordado pelos “chefes dos sacerdotes e os líderes religiosos do povo” sobre Sua “autoridade”, e Jesus usa a popularidade João, o Imersor, para evadir a pergunta. Aproveitando a oportunidade, Jesus reconta uma parábola sobre dois filhos e proclama que “coletores de impostos e prostitutas” serão bem-vindos no “Reino de Deus” antes que eles, e outra parábola que obviamente prevê mortes violentas para esses “chefes dos sacerdotes e fariseus”, e eles discutem táticas para prendê-Lo, mas medo das “multidões” os previne “pois elas o consideravam profeta”.
Continando com a sessão no Templo, Jesus conta a parábola do banquete de casamento, cunhando o aforismo “muitos são chamados, mas poucos são escolhidos”. Ainda no mesmo dia, “fariseus e herodianos” tentam confundi-Lo com uma pergunta sobre o pagamento de impostos ao Império Romano, e Jesus se desvencilha da armadilha pregando não confrontação com Roma e a dessecularização de Seus ensinamentos. ”
“Dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Saduceus tentam confundi-Lo com uma pergunta sobre casamento na vida pós-mortal. Jesus estabelece que “após a ressurreição” não haverá casamentos.
“Vocês estão enganados porque não conhecem as Escrituras nem o poder de Deus! Na ressurreição, as pessoas não se casam nem são dadas em casamento; mas são como os anjos no céu.“
Um fariseu “perito na lei” tenta, novamente, confundi-Lo com uma pergunta sobre qual mandamento de Deus seria o mais importante, e Jesus retruca com um resumo dos mandamentos hebraicos: “Ame o … seu Deus, de todo o seu coração… O segundo é este: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’”.
Ainda no Templo, no dia seguinte a toda confusão e violência do dia anterior, Jesus sugere que o esperado Messias (têrmo hebreu para Cristo, ou “ungido” e “coroado”) não deveria ser “filho de Davi”. Retrucando Jesus com tamanha eficácia a ponto de deixá-los todos calados, ninguém mais ousou tentar confundí-lo. Aproveitando o silêncio, Jesus se lança numa longa invectiva contra os “mestres da lei e os fariseus” por “ata[r] fardos pesados … sobre os ombros dos homens” sem a disposição de assumi-los pra si mesmos:
“Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles lhes dizem. Mas não façam o que eles fazem, pois não praticam o que pregam… Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês dão o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas têm negligenciado os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês devem praticar estas coisas, sem omitir aquelas. Guias cegos! Vocês coam um mosquito e engolem um camelo.”
Ao sair do Templo, e no caminho de volta à Betânia, Jesus oferece o que acadêmicos denominam de “pequeno apocalipse“, quando Ele prevê a destruição do Templo de Jerusalém, perfeitamente descrevendo os eventos da Primeira Guerra Judaico-Romana (66-70 EC):
“…muitos virão em meu nome, dizendo: ‘Eu sou o Cristo!’ e enganarão a muitos. Vocês ouvirão falar de guerras e rumores de guerras, mas não tenham medo… Nação se levantará contra nação, e reino contra reino. Haverá fomes e terremotos em vários lugares… muitos ficarão escandalizados, trairão e odiarão uns aos outros, e numerosos falsos profetas surgirão e enganarão a muitos… quando vocês virem ‘o sacrilégio terrível’, do qual falou o profeta Daniel, no Lugar Santo… então, os que estiverem na Judéia fujam para os montes. Quem estiver no telhado de sua casa não desça para tirar dela coisa alguma… Se, então, alguém lhes disser: ‘Vejam, aqui está o Cristo!’ ou: ‘Ali está ele!’, não acreditem. Pois aparecerão falsos cristos e falsos profetas que realizarão grandes sinais e maravilhas para, se possível, enganar até os eleitos.”
Jesus então promete a redenção vindo dos céus logo após os desastrosos eventos da destruição de Jerusalém:
“Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem, e todas as nações da terra se lamentarão e verão o Filho do homem vindo nas nuvens do céu com poder e grande glória. E ele enviará os seus anjos com grande som de trombeta, e estes reunirão os seus eleitos dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus.”
Contudo, Jesus despende grande esforço para insistir em vigilância para que, mesmo depois de todos esses sinais, Seus seguidores não desistam de se preparar para o grande advento, ainda que demore mais que o esperado:
“Aprendam a lição da figueira: quando seus ramos se renovam e suas folhas começam a brotar, vocês sabem que o verão está próximo.”
“Assim também, quando virem todas estas coisas, saibam que ele está próximo, às portas.”
“Eu lhes asseguro que não passará esta geração até que todas estas coisas aconteçam.”
“Os céus e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão.”
“Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o Pai.”
“Como foi nos dias de Noé, assim também será na vinda do Filho do homem. Pois nos dias anteriores ao Dilúvio, o povo vivia comendo e bebendo, casando-se e dando-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca; e eles nada perceberam, até que veio o Dilúvio e os levou a todos. Assim acontecerá na vinda do Filho do homem.”
“Dois homens estarão no campo: um será levado e o outro deixado. Duas mulheres estarão trabalhando num moinho: uma será levada e a outra deixada. Portanto, vigiem, porque vocês não sabem em que dia virá o seu Senhor.”
“Mas entendam isto: se o dono da casa soubesse a que hora da noite o ladrão viria, ele ficaria de guarda e não deixaria que a sua casa fosse arrombada. Assim, vocês também precisam estar preparados, porque o Filho do homem virá numa hora em que vocês menos esperam.”
“Quem é, pois, o servo fiel e sensato, a quem seu senhor encarrega dos de sua casa para lhes dar alimento no tempo devido? Feliz o servo que seu senhor encontrar fazendo assim quando voltar. Garanto-lhes que ele o encarregará de todos os seus bens. Mas suponham que esse servo seja mau e diga a si mesmo: ‘Meu senhor está demorando’, e então comece a bater em seus conservos e a comer e a beber com os beberrões. O senhor daquele servo virá num dia em que ele não o espera e numa hora que não sabe. Ele o punirá severamente e lhe dará lugar com os hipócritas, onde haverá choro e ranger de dentes.”
Ainda não satisfeito de haver deixado explícito que a “vinda” do “Filho do Homem” poderia demorar muito além dos sinais previstos, e que Seus seguidores deveriam se preparar mesmo que os sinais tivessem vindo e a “vinda” ainda não tivesse ocorrido, Jesus ainda relata duas parábolas para martelar esse ponto: A parábola das dez virgens e parábola dos talentos. Após concluir essas parábolas, Jesus arremata com o final apocalíptico esperado, mesmo que tardio:
“Quando o Filho do homem vier em sua glória, com todos os anjos, assentar-se-á em seu trono na glória celestial. Todas as nações serão reunidas diante dele, e ele separará umas das outras como o pastor separa as ovelhas dos bodes. E colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda. “Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham, benditos de meu Pai! … Então ele dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos… E estes irão para o castigo eterno, mas os justos para a vida eterna.”
Terminado o Seu dia de discursos, Jesus anuncia a Sua morte eminente aos Seus discípulos: “Como vocês sabem, estamos a dois dias da Páscoa, e o Filho do homem será entregue para ser crucificado”. Enquanto isso, “os chefes dos sacerdotes e os líderes religiosos do povo” se reuniram no palácio do sumo sacerdote, “cujo nome era Caifás”, e planejaram prender Jesus às escondidas para e matá-lo”, mas “[n]ão durante a festa, para que não haja tumulto entre o povo”.
Retornando a Betânia, Jesus estava “reclinado à mesa” do leproso Simão em Betânia quando uma mulher desconhecida o ungiu com “perfume muito caro”, e quando os discípulos protestaram o desperdício, Jesus a defende, explicando a unção como preparatória à Sua morte e velório. Enquanto isso, os “chefes dos sacerdotes e os mestres da lei” procuravam uma desculpa para “flagrar Jesus em algum erro e matá-lo” mas não durante a Páscoa que se aproximava “para que não haja tumulto entre o povo”. Subitamente, sem quaisquer motivações específicas ou claras, Judas Iscariotes decide dirigir-se “aos chefes dos sacerdotes” pedindo um preço para “entregar” Jesus, recebendo a proposta de “trinta moedas de prata”. [12]
No “primeiro dia da Páscoa”, então 14 de Nisan [13], Jesus acerta com Seus discípulos para a tradicional ceia pascal chamada seder. Ele envia dois discípulos para Jerusalém para conseguir uma sala por acaso, e “reclinados à mesa” naquela noite para um jantar de seder, Jesus anuncia que um deles presentes O trairá, demonstrando indireta porém claramente que falava de Judas. Então, Jesus toma do pão sem fermento, típico (e obrigatório) para seders e anuncia “Tomem; isto é o meu corpo”. Logo após, Jesus toma do vinho típico para seders e anuncia “Isto é o meu sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos. Eu lhes afirmo que não beberei outra vez do fruto da videira, até aquele dia em que beberei o vinho novo com vocês no Reino do meu Pai”.
Jesus, a caminho do Monte das Oliveiras, novamente anuncia que todos O abandonarão, e quando Pedro se recusa a crer que ele poderia abandoná-Lo, Jesus afirma que antes que “cante o galo, três vezes você me negará”.
Chegando no Monte, Jesus decide ir a Getsêmani, e se separa dos discípulos para “orar”. Contudo, porque Ele “começou a entristecer-se e a angustiar-se” e sentir-se “profundamente triste, numa tristeza mortal”, pede para Pedro e os “dois filhos de Zebedeu” acompanharem-No sem os demais. Separando-se destes, Jesus se joga no chão e reza:
““Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres.”
Jesus retorna para checar com Seus três discípulos, porém os encontra dormindo. Após lhes dar uma bronca por dormirem ao invés de estarem rezando por Ele como lhes havia pedido, Jesus retorna ao lugar de reclusão para oferecer a mesma prece. Retornando para checar com os três, os flagra dormindo novamente, e tudo se repete ainda mais duas vezes, até que Jesus se resigna e anuncia a chegada iminente de Seu “traidor”.
Logo Judas se aproxima do grupo, acompanhado de uma “grande multidão armada de espadas e varas, enviada pelos chefes dos sacerdotes, mestres da lei e líderes religiosos do povo”. Judas se aproxima de Jesus, saudando-o carinhosamente com “Saudações, Rabino!” seguido de um beijo, como havia combinado previamente de sinal. Jesus provoca Judas com “Amigo, faça logo o que veio fazer” e imediatamente é capturado. Um dos amigos de Jesus saca uma espada e decepa a orelha do “escravo do sumo sacerdote”, enquanto Jesus oferece palavras de repúdio à Sua prisão na surdina da noite:
“Guarde a espada! Pois todos os que empunham a espada, pela espada morrerão. Você acha que eu não posso pedir a meu Pai, e ele não colocaria imediatamente à minha disposição mais de doze legiões de anjos? Como então se cumpririam as Escrituras que dizem que as coisas deveriam acontecer desta forma?”
Rapidamente, todos os amigos e seguidores de Jesus fogem.
Preso, Jesus é levado “a Caifás, o sumo sacerdote” onde estavam “os mestres da lei e os líderes religiosos” e “todo o Sinédrio”. Enquanto as testemunhas convocadas ofereciam mentiras mas com nada coerente ou condenável, Jesus responde diretamente à pergunta do Sumo Sacerdote:
– Exijo que você jure pelo Deus vivo: se você é o Cristo, o Filho de Deus, diga-nos.
– Tu mesmo o disseste. Mas eu digo a todos vós: Chegará o dia em que vereis o Filho do homem assentado à direita do Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu.
Considerando essa declaração como blasfêmia, condenam Jesus à morte. Vendado, Jesus sofre cuspes, tapas, e murros.
Enquanto isso, Pedro tentava acompanhar o julgamento de longe, no pátio palacial, e reconhecido, foi questionado quanto à sua associação com o prisioneiro. Pedro nega tal associação em três ocasiões distintas, e ao negar pela terceira vez, ouve um galo cantando, e põe-se a chorar “amargamente”.
Ao raiar do dia seguinte, “todos os chefes dos sacerdotes e líderes religiosos do povo” novamente decidiram “condenar Jesus à morte”. Percebendo que Jesus fora condenado, Judas é “tomado por remorso” e devolve-lhes as 30 moedas de prata. Não encontrando conforto entre eles, Judas “jogou o dinheiro dentro do templo” e comete suicídio enforcando-se. Eles, contudo, coletam as moedas e comprar “o campo do oleiro” para enterrar estrangeiros. [14]
Amarrado, Jesus é arrastado a “Pilatos, o governador”,[15] que o questiona imediatamente:
– Você é o rei dos judeus?
– Tu o dizes.
Pilatos se impressiona com a calma e o silêncio de Jesus durante o resto do processo, e porque “era costume soltar um prisioneiro que o povo pedisse” devido ao festival religioso. Uma “multidão” pressiona Pilatos para soltar Barrabás, um assassino preso por participar em uma rebelião contra os Romanos. Pilatos tenta interceder a favor de Jesus, especialmente após ouvir que sua esposa havia sonhado com Jesus e que Ele era “inocente”, e supondo que era “por inveja” que o haviam entregado. Contudo, “os chefes dos sacerdotes e os líderes religiosos” incitam a multidão a exigir que soltem Barrabás, e a exigir que crucifiquem Jesus. Pilatos tenta novamente, mas eles insistem na pena de morte, e ele aquiesce literalmente lavando suas mãos: [16]
– Estou inocente do sangue deste homem; a responsabilidade é de vocês.
– Que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos!
Soldados romanos levam Jesus para açoitá-lo e aproveitam para zombar d’Ele com uma coroa de espinhos e um manto de púrpura como escárnio ao título de “Rei dos Judeus”. [17]
Após ser açoitado e zombado, os soldados romanos arrastam Jesus (agora em Suas próprias roupas) até Gólgota, obrigando um transeunte chamado Simão, de Cirene, a carregar a cruz destinada a Jesus. Ofereceram-No “vinho misturado com mirra”, mas Ele o recusou. Removeram Suas roupas e jogaram sortes para dividir os espólios entre eles. E, na manhã do dia do calendário hebraico 15 de Nisan, uma sexta-feira, crucificaram a Jesus.
A acusação afixada na cruz para a pena capital foi “Este é Jesus, o Rei dos Judeus”. Insultos e zombarias de transeuntes e dos opositores religiosos preenchiam o ar, inclusive vindo dos dois ladrões crucificados.
Subitamente, toda a Palestina foi encoberta em “trevas” por três horas, do meio-dia às três da tarde, quando Jesus “bradou em alta voz: … Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” [18] Alguns se confudem, achando que ‘Eloi’ seria “Elias” e que Jesus estaria chamando “Elias” para resgatá-Lo. [19] Uma pessoa presente oferece vinagre para Jesus beber, enquanto outros insistem em zombá-lo sobre Elias, mas Jesus solta “um alto brado” e morre. A cena tão comove o centurião presente que ele exclama: “Verdadeiramente este era o Filho de Deus!”
O “véu do santuário” rasga-se em dois, de ponta à ponta. Ocorre um terremoto na Judéia, e os mortos são ressussitados e visitam seus familiares em Jerusalém:
“Os sepulcros se abriram, e os corpos de muitos santos que tinham morrido foram ressuscitados. E, saindo dos sepulcros, depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos.”
Presentes, dos amigos e seguidores de Jesus, estão à distância, apenas Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e José, e a “mãe dos filhos de Zebedeu”.
José de Arimatéia, “um homem rico… que se tornara discípulo de Jesus” pediu a Pilatos posse do corpo de Jesus. Obtida autorização para sepultá-Lo prontamente, José velou o corpo com um “lençol de linho… e o colocou num sepulcro novo, que ele havia mandado cavar na rocha”. Depois, fez rolar uma “grande pedra sobre a entrada do sepulcro.” [20]
Presentes ao sepultamento naquela sexta-feira estavam apenas Maria Madalena e a “outra Maria”.
No dia seguinte, que já era “sábado”, os “chefes dos sacerdotes e os fariseus dirigiram-se a Pilatos” pedindo uma guarda armada para evitar roubo do corpo por discípulos querendo fingir que Jesus havia ressuscitado, e Pilatos ordena “um destacamento” para montar guarda. [15][19][20]
Após um dia e meio, na manhã do Domingo, Maria Madalena, e “a outra Maria” vão ao sepulcro, quando ocorre um “terremoto” e um “anjo do Senhor desceu dos céus” rolando a pedra, abrindo o sepulcro, e assustando os guardas romanos ao ponto de desmaio. Sentado na pedra quando as mulheres chegam no sepulcro, o anjo prontamente as acalma:
“Não tenham medo! Sei que vocês estão procurando Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui; ressuscitou, como tinha dito. Venham ver o lugar onde ele jazia. Vão depressa e digam aos discípulos dele: Ele ressuscitou dentre os mortos e está indo adiante de vocês para a Galiléia. Lá vocês o verão. Notem que eu já os avisei.”
Assustadas e alegres, as mulheres correram dali para avisar os discípulos, quando subitamente dão de cara com Jesus, abraçando-Lhe os pés e adorando-O. Jesus, por Sua parte, sente-se compelido a repetir as ordens dadas pelo anjo:
“Salve! Não tenham medo. Vão dizer a meus irmãos que se dirijam para a Galiléia; lá eles me verão.”
Os líderes judeus recebem notícias dos eventos do guardas, e lhes oferecem dinheiro e prometem proteção contra Pilatos desde que eles mentissem, dizendo que os discípulos haviam roubado o corpo durante a madrugada, e “esta versão se divulgou entre os judeus até o dia de hoje”. [21]
Os onze discípulos foram para a Galiléia, onde encontraram Jesus e, ao ver-Lo, adoraram-No, com a ressalva “mas alguns duvidaram”. Então, Jesus aproximou-se deles e disse:
“Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos.”
De acordo com o autor do Evangelho de Lucas?
Para o autor de Lucas, a narrativa do Evangelho de Marcos, especialmente a narrativa da Paixão (do latim passionem, significando “sofrimento”), é tão importante que o autor de Lucas copia o texto de Marcos palavra por palavra. Inclusive, aproximadamente 42% do texto do Evangelho de Lucas é literalmente copiado, palavra por palavra, de 79% do texto do Evangelho de Marcos. [22]
Narrativa
Jesus se aproxima a Jerusalém vindo do Leste e chegando em Betânia, envia dois discípulos para um “povoado” roubar um jumento, e Ele se aproxima de Jerusalém montado no jumento. Próximo a cidade, ainda no pé do Monte das Oliveiras, “a multidão” estende suas roupas pelo caminho e espalham ramos para saudá-Lo com homenagens messiânicas, e os “fariseus” presentes se queixam das recepção, ouvindo a resposta de Jesus: “[S]e eles se calarem, as pedras clamarão.” Ao olhar para a cidade de Jerusalém, Jesus antevê o final da Primeira Guerra Judaico-Romana: “Não deixarão pedra sobre pedra, porque você não reconheceu a oportunidade que Deus lhe concedeu.”
Jesus imediatamente visita o Templo, e põe-se a causar comoção, “expuls[ando] os que estavam vendendo”, e segue ensinando lá enquanto os “chefes dos sacerdotes, os mestres da lei, e os líderes do povo” procuravam matá-Lo, mas “não conseguiam encontrar uma forma de fazê-lo, porque todo o povo estava fascinado pelas suas palavras”.
“Certo dia”, Jesus foi abordado pelos “chefes dos sacerdotes, e os mestres da lei, e os líderes religiosos do povo” sobre Sua “autoridade”, e Jesus usa a popularidade João, o Imersor, para evadir a pergunta. Aproveitando a oportunidade, Jesus reconta uma parábola sobre lavradores que espancam os escravos do proprietário da lavoura e matam seu filho, obviamente prevendo mortes violentas para esses “mestres da lei e os chefes dos sacerdotes”, e eles discutem táticas para prendê-Lo, mas medo do “povo” os previne.
Enviaram, inclusive, “espiões” para enganar Jesus com uma pergunta sobre o pagamento de impostos ao Império Romano, e Jesus se desvencilha da armadilha pregando não confrontação com Roma e a dessecularização de Seus ensinamentos. ”
“Dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Saduceus tentam confundi-Lo com uma pergunta sobre casamento na vida pós-mortal. Jesus estabelece que “após a ressurreição” não haverá casamentos:
“…os que forem considerados dignos de tomar parte na era que há de vir e na ressurreição dos mortos não se casarão nem serão dados em casamento, e não podem mais morrer, pois são como os anjos. São filhos de Deus, visto que são filhos da ressurreição..“
Jesus, então, sugere que o esperado Messias (têrmo hebreu para Cristo, ou “ungido” e “coroado”) não deveria ser “filho de Davi”. E ainda critica “os mestres da lei” pelo tratamento diferenciado que esperam:
“Eles fazem questão de andar com roupas especiais, e gostam muito de receber saudações nas praças e de ocupar os lugares mais importantes nas sinagogas e os lugares de honra nos banquetes. 47 Eles devoram as casas das viúvas, e, para disfarçar, fazem longas orações. Esses homens serão punidos com maior rigor!”
Ainda no Templo, Jesus observa pessoas ricas “colocando suas contribuições nas caixas de ofertas”, enquanto uma viúva pobre coloca sua oferenda humilde, e aproveita para elogiar a contribuição do pobre sobre a do rico:
“Todos esses deram do que lhes sobrava; mas ela, da sua pobreza, deu tudo o que possuía para viver.”
Ao ouvir seus discípulos elogiando a beleza e riqueza do Templo, Jesus oferece o que acadêmicos denominam de “pequeno apocalipse“, quando Ele prevê a destruição do Templo de Jerusalém, perfeitamente descrevendo os eventos da Primeira Guerra Judaico-Romana (66-70 EC), e tomando um especial cuidado para não lhes dar a impressão do “fim iminente” após os sinais, mas próximo para “essa geração”:
“Cuidado para não serem enganados. Pois muitos virão em meu nome, dizendo: ‘Sou eu!’ e ‘O tempo está próximo’. Não os sigam. Quando ouvirem falar de guerras e rebeliões, não tenham medo. É necessário que primeiro aconteçam essas coisas, mas o fim não virá imediatamente. Nação se levantará contra nação, e reino contra reino. Haverá grandes terremotos, fomes e pestes em vários lugares, e acontecimentos terríveis e grandes sinais provenientes do céu. Mas antes de tudo isso, prenderão e perseguirão vocês… Vocês serão traídos até por pais, irmãos, parentes e amigos, e eles entregarão alguns de vocês à morte. Todos odiarão vocês por causa do meu nome. Contudo, nenhum fio de cabelo da cabeça de vocês se perderá. É perseverando que vocês obterão a vida.
Quando virem Jerusalém rodeada de exércitos, vocês saberão que a sua devastação está próxima. Então os que estiverem na Judéia fujam para os montes, os que estiverem na cidade saiam, e os que estiverem no campo não entrem na cidade. Pois esses são os dias da vingança, em cumprimento de tudo o que foi escrito… Haverá grande aflição na terra e ira contra este povo. Cairão pela espada e serão levados como prisioneiros para todas as nações. Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos deles se cumpram… Então se verá o Filho do homem vindo numa nuvem com poder e grande glória. Quando começarem a acontecer estas coisas, levantem-se e ergam a cabeça, porque estará próxima a redenção de vocês… quando virem estas coisas acontecendo, saibam que o Reino de Deus está próximo. Eu lhes asseguro que não passará esta geração até que todas essas coisas aconteçam. Os céus e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão.” (ênfase nossa)
Com a Páscoa se aproximando, e os “chefes dos sacerdotes e os mestres da lei” não conseguindo matar Jesus por “medo do povo”, “Satanás entrou em Judas”, que dirigiu-se a eles lhes oferecendo “entregar Jesus quando a multidão não estivesse presente”. Gratos pela ajuda, eles “lhe prometeram dinheiro”.
“Estava se aproximando a festa dos pães sem fermento, chamada Páscoa, e os chefes dos sacerdotes e os mestres da lei estavam procurando um meio de matar Jesus, mas tinham medo do povo. Então Satanás entrou em Judas, chamado Iscariotes, um dos Doze. Judas dirigiu-se aos chefes dos sacerdotes e aos oficiais da guarda do templo e tratou com eles como lhes poderia entregar Jesus. A proposta muito os alegrou, e lhe prometeram dinheiro. Ele consentiu e ficou esperando uma oportunidade para lhes entregar Jesus quando a multidão não estivesse presente.”
No “primeiro dia da Páscoa”, então 14 de Nisan [23], Jesus acerta com Seus discípulos para a tradicional ceia pascal chamada seder. Ele envia Pedro e João para Jerusalém para conseguir uma sala por acaso, e “reclinados à mesa” naquela noite para um jantar de seder, Jesus anuncia Sua morte iminente. Então, Jesus toma do pão sem fermento, típico (e obrigatório) para seders e anuncia ““Isto é o meu corpo dado em favor de vocês; façam isto em memória de mim”. Logo após, Jesus toma do vinho típico para seders e anuncia “Este cálice é a nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vocês”. E, imediatamente, anuncia que um deles presentes O trairá. Após discutirem entre si quem o trairia, os discípulos também discutem quem era considerado “o maior” entre eles, e Jesus explica que todos são iguais e “eu lhes designo um Reino, assim como meu Pai o designou a mim, para que vocês possam comer e beber à minha mesa no meu Reino e sentar-se em tronos, julgando as doze tribos de Israel”. Ao final da ceia, Jesus explica para Pedro que “Satanás pediu” para “peneirar” os discípulos e que eles deveriam se fortalecer uns aos outros, e quando Pedro retruca com demonstrações de fé e coragem, Jesus lhe antecipa que ele O negará três vezes antes que o galo cante. E, para encerrar essa discussão, Jesus ordena que se preparem com bolsas e sacos de viagem, além de armarem com “espadas” para auto-defesa.
Jesus, “como de costume”, retirou-se ao Monte das Oliveiras, e se separa dos discípulos para “orar” após pedi-lhes que orem, também. Ajoelhando-se em isolamento, Jesus reza:
“Pai, se queres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua”
Um “anjo do céu” aparece para Lhe confortar, mas angustiado, Ele ora ainda mais intensamente, até que o Seu suor “era como gotas de sangue que caíam no chão”.
Jesus retorna para checar com Seus três discípulos, porém os encontra dormindo. Após lhes dar uma bronca por dormirem ao invés de estarem rezando como lhes havia pedido, Jesus é surpreendido por uma “multidão conduzida por Judas”, que incluia “chefes dos sacerdotes… oficiais da guarda do templo e… líderes religiosos”. Judas se aproxima do grupo, saudando-O carinhosamente com um beijo. Jesus se ofende, retrucando: “Judas, com um beijo você está traindo o Filho do homem?” Alguns dos amigos de Jesus Lhe perguntam se devem se defender, e um deles saca uma espada e decepa a orelha do “escravo do sumo sacerdote”. Jesus grita “Basta!” e cura a orelha do ferido, enquanto repreende a multidão:
“Estou eu chefiando alguma rebelião, para que vocês tenham vindo com espadas e varas? Todos os dias eu estive com vocês no templo e vocês não levantaram a mão contra mim. Mas esta é a hora de vocês — quando as trevas reinam.”
Preso, Jesus é levado “a casa do sumo sacerdote”. Pedro O segue, tentando acompanhar o julgamento de longe, no pátio palacial, e reconhecido, foi questionado quanto à sua associação com o prisioneiro. Pedro nega tal associação em três ocasiões distintas, e ao negar pela terceira vez, ouve um galo cantando, e põe-se a chorar “amargamente”. Enquanto isso, Jesus é vendado, e sofre zombarias, insultos, e agressão física.
Ao raiar do dia seguinte, no dia do calendário hebraico 15 de Nisan, uma sexta-feira, “os chefes dos sacerdotes e mestres da lei” reunem-se pela primeira vez no Sinédrio para julgá-Lo:
– Se você é o Cristo, diga-nos.
– Se eu vos disser, não crereis em mim e, se eu vos perguntar, não me respondereis. Mas de agora em diante o Filho do homem estará assentado à direita do Deus todo-poderoso.
– Então, você é o Filho de Deus?
– Vós estais dizendo que eu sou.
Considerando essa declaração blasfemosa, arrastam-No até Pilatos, acusando-No de incitar insurreição contra Roma e auto-entitulando-se “Messias” (i.e., Cristo) e “Rei”. Pilatos vai direto ao ponto em sua interrogação:
– Você é o rei dos judeus?
– Tu o dizes.
Pilatos nega-se a condenar Jesus, mas ao insistirem, mencionam o fato de Jesus haver pregado insurreição na Galiléia. Pilatos, encontrando uma desculpa para livrar-se do problema, envia Jesus para Herodes, aproveitando-se do fato que a Galiléia era jurisdição dele e que ele estava em Jerusalém para a Páscoa. [24]
Herodes se animou para interrogar Jesus, esperando ver um “milagre”, porém Jesus permaneceu em absoluto silêncio durante toda interrogação. Aproveitaram-se para zombar e ridicularizar d’Ele, mas retornaram-No para Pilatos. “Herodes e Pilatos, que até ali eram inimigos, naquele dia tornaram-se amigos”. Pilatos, convicto da inocência de Jesus, anuncia que o castigará e o soltará, considerando que “era obrigado a soltar-lhes um preso durante a festa”. [25]
“Eles” pressionam Pilatos para soltar Barrabás, um assassino preso por incitar insurreição contra os Romanos. Pilatos tenta interceder a favor de Jesus, e por três vezes seguidas a multidão exige que soltem Barrabás, e que crucifiquem Jesus. A “gritaria prevaleceu” e Pilatos decide “fazer a vontade deles”. Liberta o homem preso por “insurreição e assassinato” e condena Jesus à execução.
Enquanto os soldados romanos arrastam Jesus, “agarraram” um transeunte chamado Simão, de Cirene, a carregar a cruz destinada a Jesus. Muitos O seguiam, e várias mulheres choram por Ele, ao que Jesus lhes conforta com uma alusão apocalíptica iminente:
“Filhas de Jerusalém, não chorem por mim; chorem por vocês mesmas e por seus filhos! Pois chegará a hora em que vocês dirão: ‘Felizes as estéreis, os ventres que nunca geraram e os seios que nunca amamentaram!’”
Chegando no lugar “chamado A Caveira”, eles crucificaram dois criminosos, e entre eles, Jesus sob o título “Este é o Rei dos Judeus. [26] Enquanto os soldados dividiam Suas roupas entre si “tirando sortes”, Jesus clama:
“Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo.”
Ofereceram-No “vinagre” para zombá-Lo, e até um dos criminosos decide zombar d’Ele também, porém este é prontamente repreendido pelo segundo criminoso. Após defendê-Lo, volta-se para Jesus:
– Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino.
– Eu lhe garanto: Hoje você estará comigo no paraíso.
Subitamente, toda a Palestina foi encoberta em “trevas” por três horas, do meio-dia às três da tarde, quando o “véu do santuário rasgou-se ao meio” e Jesus “bradou em alta voz: ‘Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito'”, e morre. [27] A cena tão comove o centurião presente que ele exclama: “Certamente este homem era justo!” Todo “o povo que se havia juntado para presenciar” a execução afastou-se “bate[ndo] no peito”, inclusive “todos os que o conheciam, inclusive as mulheres que o haviam seguido desde a Galiléia”.
José de Arimatéia, “membro do Conselho, homem bom e justo, que não tinha consentido na decisão e no procedimento dos outros” pediu a Pilatos posse do corpo de Jesus. Obtida autorização para sepultá-Lo prontamente, José velou o corpo com um “num lençol de linho e o colocou num sepulcro cavado na rocha, no qual ninguém ainda fora colocado”. Depois, fez rolar uma “grande pedra sobre a entrada do sepulcro.” [28]
As “mulheres que haviam acompanhado Jesus desde a Galiléia” seguiram a procisão, e viram o sepulcro, e foram para casa preparar perfumes e especiarias aromáticas para embalmá-Lo.
Após um dia e meio, na manhã do Domingo, “Maria Madalena, Joana e Maria mãe de Tiago” e outras “mulheres” vão ao sepulcro e “[e]ncontraram removida a pedra do sepulcro.. [e] quando entraram, não encontraram o corpo”. Subitamente, “dois homens com roupas que brilhavam como a luz do sol colocaram-se ao lado delas”:
“Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que vive? Ele não está aqui! Ressuscitou! Lembrem-se do que ele lhes disse, quando ainda estava com vocês na Galiléia: ‘É necessário que o Filho do homem seja entregue nas mãos de homens pecadores, seja crucificado e ressuscite no terceiro dia’.”
Imediatamente elas retornam aos “Onze” para lhes contar o que houve, e eles não as creem. Pedro corre ao sepulcro e confere a ausência do corpo, para seu enorme espanto.
Ainda no Domingo, Cleopas e outro seguidor de Jesus viajavam para “Emaús, a onze quilômetros de Jerusalém” e Jesus aproximou-se deles e engajou-os em conversação, mas eles não O reconheceram. Cleopas surpreende-se quando Jesus lhes pergunta do que falavam:
– Você é o único visitante em Jerusalém que não sabe das coisas que ali aconteceram nestes dias?
– Que coisas?
– O que aconteceu com Jesus de Nazaré. Ele era um profeta, poderoso em palavras e em obras diante de Deus e de todo o povo.
Jesus “explicou-lhes o que constava a respeito dele em todas as Escrituras” e, chegando em Emaús, foram jantar juntos. Ao partir o pão, dando graças, eles O “reconheceram”, e Ele “desapareceu da vista deles”. Perguntaram-se um ao outro:
“Não estava queimando o nosso coração, enquanto ele nos falava no caminho e nos expunha as Escrituras?”
Retornaram correndo a Jerusalém para recontar aos “Onze” o que lhes havia ocorrido, quando “o próprio Jesus” apresentou-se subitamente:
“Paz seja com vocês!”
Todos se assustaram e amendotraram, achando que se tratava de “um espírito”. Jesus lhes acalma, mostrando as mãos e os pés, pedindo-lhes que O toquem: “…um espírito não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho”. Então Jesus lhes pediu um “pedaço de peixe assado, e ele o comeu na presença deles”, explicando-lhes: [29]
“Está escrito que o Cristo haveria de sofrer e ressuscitar dos mortos no terceiro dia, e que em seu nome seria pregado o arrependimento para perdão de pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vocês são testemunhas destas coisas. Eu lhes envio a promessa de meu Pai; mas fiquem na cidade até serem revestidos do poder do alto.”
Tendo-os levado até as proximidades de Betânia, Jesus ergueu as mãos e os abençoou, e subitamente foi elevado ao céu. Eles O adoraram e voltaram para Jerusalém com grande alegria, retornando constantemente ao Templo para louvar a Deus.
De acordo com o autor do Evangelho de João?
Para o autor do Evangelho de João, a semana da Páscoa é ainda mais relevante que para os demais evangelistas. Os eventos são narrados em maior detalhe, especialmente as conversas, diálogos, e discursos, que assumem uma centralidade que obscura os eventos em si. A narrativa pascal ocupa quase metade de todo o Evangelho. [30]
Narrativa
Seis dias antes da Páscoa, Jesus chega a Betânia, onde janta com o ressuscitado Lázaro enquanto “Marta servia”. Enquanto almoçava, “Maria” unge-O com “um perfume caro”, enxugando Seus pés “com os seus cabelos”. Judas Iscariotes imediatemente se opõe ao desperdício, já que esse dinheiro poderia ser doado aos pobres. Contudo, Judas não se queixa por um senso de caridade e sim porque ele roubava da “bolsa de dinheiro”. Enquanto Jesus defende a excepcionalidade de Seu caso naquele momento, “uma grande multidão de judeus” rodeiam a casa para ver Jesus e Lázaro, a , ao descobrir que Jesus estava ali, veio, não apenas por causa de Jesus, mas também para ver Lázaro, “a quem ele ressuscitara dos mortos”. Por isso, os “chefes dos sacerdotes” começaram a planejar Sua morte, pois “muitos estavam se afastando dos judeus e crendo em Jesus”. [31]
No dia seguinte, uma “grande multidão” sai de encontro a Jesus chegando a Jerusalém carregando “ramos de palmeiras” e saudando-O como o “Rei de Israel”. Jesus havia “consegui[do] um jumentinho” para cumprir o que “está escrito”. [32] Enquanto Jesus previa Sua morte e Seu sentido para uns “gregos”, surge “uma voz dos céus” como um trovão:
“Eu já o glorifiquei e o glorificarei novamente”.
Jesus explica mais sobre Sua morte e ressurreição iminente, expandindo ainda:
“Por mais um pouco de tempo a luz estará entre vocês. Andem enquanto vocês têm a luz, para que as trevas não os surpreendam, pois aquele que anda nas trevas não sabe para onde está indo. Creiam na luz enquanto vocês a têm, para que se tornem filhos da luz”.
O narrador interrompe a narrativa para explicar que o “profeta Isaías” havia visto Jesus e profetizado sobre a recepção que Ele receberia. [33]
“Por esta razão eles não podiam crer, porque, como disse Isaías… Isaías disse isso porque viu a glória de Jesus e falou sobre ele.”
Ainda assim, “muitos líderes dos judeus creram”, porém não “confessavam a sua fé com medo de serem expulsos da sinagoga”. [34] Por isso, subitamente, Jesus disse:
“Quem crê em mim, não crê apenas em mim, mas naquele que me enviou. Quem me vê, vê aquele que me enviou. Eu vim ao mundo como luz, para que todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas. Se alguém ouve as minhas palavras, e não lhes obedece, eu não o julgo. Pois não vim para julgar o mundo, mas para salvá-lo. Há um juiz para quem me rejeita e não aceita as minhas palavras; a própria palavra que proferi o condenará no último dia. Pois não falei por mim mesmo, mas o Pai que me enviou me ordenou o que dizer e o que falar. Sei que o seu mandamento é a vida eterna. Portanto, o que eu digo é exatamente o que o Pai me mandou dizer.”
Após alguns dias, um “pouco antes da festa da Páscoa”, Jesus estava jantando com seus Seus amigos a quem “ama[va]”, quando se vestiu com uma toalha e pôs-se a lavar os seus pés, explicando-lhes:
“… se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros. Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz. Digo-lhes verdadeiramente que nenhum escravo é maior do que o seu senhor, como também nenhum mensageiro é maior do que aquele que o enviou. Agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem.”
Terminado esse evento do jantar, Jesus anuncia que será traído, e ainda deixa explícito que seria por Judas, mas ninguém exceto os dois entendem, e Judas deixa o jantar. Aparentemente aliviado depois que Judas saiu, Jesus disse:
“Agora o Filho do homem é glorificado, e Deus é glorificado nele. Se Deus é glorificado nele, Deus também glorificará o Filho nele mesmo, e o glorificará em breve. Meus filhinhos, vou estar com vocês apenas mais um pouco. Vocês procurarão por mim e, como eu disse aos judeus, agora lhes digo: Para onde eu vou, vocês não podem ir. Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros.”
Pedro pergunta aonde Jesus iria e se não poderia segui-Lo, posto que daria sua vida por Ele, ao que Jesus retruca que “antes que o galo cante, você me negará três vezes!”
Sentindo um clima negativo e triste no ar após conversa sobre traição de Judas, negação de Pedro, e a partida d’Ele, Jesus conforta Seus discípulos com um longo discurso sobre o futuro, a vida pós-mortal, a natureza de Deus, a promessa do Espírito Santo, a importância deles como discípulos, e sua relação com os que não seguem a Jesus:
“Não se perturbe o coração de vocês. Creiam em Deus; creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitos aposentos; se não fosse assim, eu lhes teria dito. Vou preparar-lhes lugar…”
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim. Se vocês realmente me conhecessem, conheceriamtambém o meu Pai. Já agora vocês o conhecem e o têm visto… Quem me vê, vê o Pai. Você não crê que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu lhes digo não são apenas minhas. Ao contrário, o Pai, que vive em mim, está realizando a sua obra. Creiam em mim quando digo que estou no Pai e que o Pai está em mim…”
“E eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para sempre, o Espírito da verdade. O mundo não pode recebê-lo, porque não o vê nem o conhece. Mas vocês o conhecem, pois ele vive com vocês e estará em vocês.”
“Se o mundo os odeia, tenham em mente que antes me odiou. Se vocês pertencessem ao mundo, ele os amaria como se fossem dele. Todavia, vocês não são do mundo, mas eu os escolhi, tirando-os do mundo; por isso o mundo os odeia.”
Além disso, Jesus discute o futuro atrito nas relações entre os Judeus que seguem a Jesus e os demais, explicando-se porque nunca havia avisado antes sobre essas rusgas:
“Vocês serão expulsos das sinagogas; de fato, virá o tempo quando quem os matar pensará que está prestando culto a Deus. Farão essas coisas porque não conheceram nem o Pai, nem a mim. Estou lhes dizendo isto para que, quando chegar a hora, lembrem-se de que eu os avisei. Não lhes disse isso no princípio, porque eu estava com vocês.”
Ainda assim, a conversa retorna vez após vez à tristeza e ao pesar da separação entre os discípulos e Jesus.
“Digo-lhes que certamente vocês chorarão e se lamentarão, mas o mundo se alegrará. Vocês se entristecerão, mas a tristeza de vocês se transformará em alegria. A mulher que está dando à luz sente dores, porque chegou a sua hora; mas, quando o bebê nasce, ela esquece a angústia, por causa da alegria de ter vindo ao mundo. Assim acontece com vocês: agora é hora de tristeza para vocês, mas eu os verei outra vez, e vocês se alegrarão, e ninguém lhes tirará essa alegria… Eu lhes asseguro que meu Pai lhes dará tudo o que pedirem em meu nome.”
Jesus, então, reza com seus discípulos:
“Pai, chegou a hora. Glorifica o teu Filho, para que o teu Filho te glorifique. Pois lhe deste autoridade sobre toda a humanidade, para que conceda a vida eterna a todos os que lhe deste. Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste… Eu revelei teu nome àqueles que do mundo me deste. Eles eram teus; tu os deste a mim, e eles têm obedecido à tua palavra… Eu rogo por eles. Não estou rogando pelo mundo, mas por aqueles que me deste, pois são teus… Agora vou para ti, mas digo estas coisas enquanto ainda estou no mundo, para que eles tenham a plenitude da minha alegria… Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.”
Terminado de rezar, Jesus saiu com os seus discípulos até um “olival” do outro lado do “vale do Cedrom”, onde Jesus costumava se reunir com Seus discípulos. Então, Judas foi para o olival, levando um “destacamento de soldados e alguns guardas enviados pelos chefes dos sacerdotes e fariseus”. Antes que chegassem neles, porém, Jesus sai ao seu encontro:
– A quem vocês estão procurando?
– A Jesus de Nazaré.
– Sou eu.
E “eles recuaram e caíram por terra”. Novamente, Jesus lhes perguntou:
– A quem procuram?
– A Jesus de Nazaré.
– Já lhes disse que sou eu. Se vocês estão me procurando, deixem ir embora estes homens.
“Isso aconteceu para que se cumprissem as palavras que ele dissera: ‘Não perdi nenhum dos que me deste'”. [35]
Pedro imediatamente saca uma espada e decepa a orelha de “Malco”, escravo do sumo sacerdote. Jesus, porém, repreendeu a Pedro:
“Guarde a espada! Acaso não haverei de beber o cálice que o Pai me deu?”
Os “soldados com o seu comandante e os guardas dos judeus” prenderam Jesus e e o levaram primeiramente a Anás, sogro de Caifás, o sumo sacerdote “naquele ano”. [36]
Pedro e “outro discípulo” seguiram Jesus, e enquanto este “entrou com Jesus no pátio da casa do sumo sacerdote” por ser “conhecido”, Pedro teve que “ficar esperando do lado de fora”. Reconhecido por “uma moça”, Pedro nega conhecer Jesus.
Enquanto isso, o “sumo sacerdote interrogou Jesus acerca dos seus discípulos e dos seus ensinamentos”, ao que Ele retruca: “Nada disse em segredo. Por que me interrogas? Pergunta aos que me ouviram. Certamente eles sabem o que eu disse.” Um guarda esbofeteia Jesus pela resposta e Jesus apenas responde serenamente: “Se eu disse algo de mal, denuncie o mal. Mas se falei a verdade, por que me bateu?”
Anás decide, então, enviar Jesus, a Caifás, o sumo sacerdote. Enquanto isso, Pedro nega conhecer Jesus mais duas vezes, e “no mesmo instante um galo cantou”.
Em seguida, “os judeus” levaram Jesus da casa de Caifás “para o Pretório”. Raiava o sol da manhã da sexta-feira “na semana da Pásco” e, para “evitar contaminação cerimonial”, não entraram no Pretório “os judeus” pois queriam “participar da Páscoa”. [37] Pilatos exige que eles julguem a Jesus de acordo com as leis judaicas, mas “eles” se desculpam ao insistir que eles não tinham autoridade para a pena capital. [38]
Nisso, Pilatos interroga Jesus:
– Você é o rei dos judeus?
– Essa pergunta é tua, ou outros te falaram a meu respeito?
– Acaso sou judeu? Foram o seu povo e os chefes dos sacerdotes que entregaram você a mim. Que é que você fez?
– O meu Reino não é deste mundo. Se fosse, os meus servos lutariam para impedir que os judeus me prendessem. Mas agora o meu Reino não é daqui.
– Então, você é rei!
– Tu dizes que sou rei. De fato, por esta razão nasci e para isto vim ao mundo: para testemunhar da verdade. Todos os que são da verdade me ouvem.
– Que é a verdade? [39]
Pilatos anuncia a inocência de Jesus, porém cita “o costume de … libertar um prisioneiro por ocasião da Páscoa”. Ele pergunta se deveria libertar o “Rei dos Judeus”, mas “eles” pedem Barrabás, que “era um bandido”. [40] Pilatos responde mandando “açoitar Jesus”, e “os soldados” O zombam com “uma coroa de espinhos” e “uma capa de púrpura” enquanto O torturam. Novamente, Pilatos aborda “os judeus” para proclamar Sua inocência, apresentando-O à multidão para tomem pena d’Ele:
– Eis o homem!
– Crucifica-o! Crucifica-o!
– Levem-no vocês e crucifiquem-no. Quanto a mim, não encontro base para acusá-lo.
Quando “os judeus” insistiram que Ele deveria morrer por se declarar “Filho de Deus”, Pilatos “ficou ainda mais amedrontado” e retornou para interrogá-Lo novamente. [41]
– De onde você vem?
<Silêncio>
– Você se nega a falar comigo? Não sabe que eu tenho autoridade para libertá-lo e para crucificá-lo?
– Não terias nenhuma autoridade sobre mim, se esta não te fosse dada de cima. Por isso, aquele que me entregou a ti é culpado de um pecado maior.
Pilatos “procurou libertar Jesus”, mas “os judeus” retrucaram com uma ameaça: “Se deixares esse homem livre, não és amigo de César. Quem se diz rei opõe-se a César”. Finalmente, ao meio-dia, Pilatos tentando novamente convencer a multidão, ouve ecos da ameaça prévia (“Não temos rei, senão César”) e ordena que seja crucificado.
Levando a “Sua própria cruz”, Jesus é levado por soldados até “o lugar chamado Caveira”, onde é crucificado entre “dois outros, um de cada lado de Jesus” e sob a “inscrição: Jesus Nazareno, Rei dos Judeus” em aramaico, latim e grego. [42] Muitos “dos judeus” leram a placa e os “chefes dos sacerdotes dos judeus” protestaram a Pilatos, que os ignora. Enquanto isso, os soldados dividiram “as roupas dele… em quatro partes” e sortearam a “túnica” restante “para que se cumprisse a Escritura”. [43]
Maria mãe de Jesus, Maria irmã dela e esposa de Clopas, e Maria Madalena permaneciam próximas à cruz, quando Jesus chamou “o discípulo a quem ele amava”, pedindo-lhe para que cuidasse de sua mãe.
Algum tempo depois, “sabendo então que tudo estava concluído”, Jesus queixou-se de sede e lhe ofereceram uma “esponja na ponta de um caniço de hissopo” encharcada em vinagre, e bebendo, disse: “Está consumado!” Abaixou a cabeça e morreu.
Como era véspera de “um sábado especialmente sagrado” ostencivamente por ser também a primeira noite de Páscoa, “os judeus” pediram a Pilatos que agilizassem a execução e retirassem os corpos. Os soldados, então, quebraram as pernas dos homens crucificados com Jesus, mas não a do já morto Jesus. Contudo, para certificar-se, um dos soldados “perfurou o lado de Jesus com uma lança” de onde “saiu sangue e água”.
“Aquele que o viu, disso deu testemunho, e o seu testemunho é verdadeiro. Ele sabe que está dizendo a verdade, e dela testemunha para que vocês também creiam. Estas coisas aconteceram para que se cumprisse a Escritura: “Nenhum dos seus ossos será quebrado”, e, como diz a Escritura noutro lugar: “Olharão para aquele que traspassaram”.” [44]
José de Arimatéia, discípulo de Jesus “secretamente” por medo “dos judeus”, aborda Pilatos para lhe pedir o corpo de Jesus. [45] Recebendo permissão de Pilatos, ele e Nicodemos com “trinta e quatro quilos de uma mistura de mirra e aloés”, O envolveram em “faixas de linho, com as especiarias, de acordo com os costumes judaicos de sepultamento”. Eles aproveitaram um sepulcro no jardim próximo à “Caveira”, pois “ficava perto” e o Sábado pascal se aproximava.
No Domingo cedo, antes de amanhecer, Maria Madalena chegou ao sepulcro e viu que a pedra ocluindo o sepulcro havia sido removida. Correu, então, ao encontro de Pedro e “do outro discípulo, aquele a quem Jesus amava” para lhes contar que haviam movido o corpo. Eles correram imediatamente para lá para checar o relato dela. Havendo checado, voltaram para casa, mas ela permaneceu “à entrada do sepulcro, chorando”. Enquanto chorava, curvou-se para olhar dentro do sepulcro e viu “dois anjos vestidos de branco, sentados onde estivera o corpo de Jesus, um à cabeceira e o outro aos pés”.
– Mulher, por que você está chorando?
– Levaram embora o meu Senhor e não sei onde o puseram.
Nisso ela se voltou e viu Jesus ali, em pé, mas não o reconheceu, achando que fora o jardineiro.
– Mulher, por que está chorando? Quem você está procurando?
– Se o senhor o levou embora, diga-me onde o colocou, e eu o levarei.
– Maria!
Subitamente Maria O reconhece e exclama “Rabôni!” (“Mestre” em aramaico).
Jesus disse:
“Não me toque, pois ainda não voltei para o Pai. Vá, porém, a meus irmãos e diga-lhes: Estou voltando para meu Pai e Pai de vocês, para meu Deus e Deus de vocês”.
E Maria Madalena correu para anunciar aos discípulos que havia visto “o Senhor” e relatar todo o ocorrido.
Ainda no mesmo dia, no final da tarde, estando os discípulos reunidos a portas trancadas “por medo dos judeus”, Jesus materializou-se “no meio deles” saudando-os: “Paz seja com vocês!” Imediatamente, e sem rodeios, mostrou-lhes “as mãos e o lado” e os discípulos alegraram-se. Jesus, então, “soprou sobre eles” dizendo: “Recebam o Espírito Santo. Se perdoarem os pecados de alguém, estarão perdoados; se não os perdoarem, não estarão perdoados”.
Contudo, Tomé “chamado Dídimo, um dos Doze” não estava com os discípulos quando Jesus apareceu. e não creu no relato dos demais:
“Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei.”
Uma semana mais tarde, os discípulos estavam novamente reunidos, e desta vez Tomé com eles. Novamente, Jesus materializou-se no quarto “apesar de estarem trancadas as portas” e repetiu: “Paz seja com vocês!” E aproveitou para dirigir-se a Tomé:
“Coloque o seu dedo aqui; veja as minhas mãos. Estenda a mão e coloque-a no meu lado. Pare de duvidar e creia.”
Aproveitando a ocasião, Jesus adiciona:
“Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram.” [46]
Jesus realizou mais milagres para eles “que não estão registrados” no Evangelho de João, mas o que foi escrito serve “para que vocês creiam que Jesus é o Cristo”. [47]
Alguns dias depois, Jesus aparece novamente aos Seus discípulos à margem do mar de Tiberíades, enquanto pescavam sem sucesso. Jesus, na praia e não reconhecido à distância, grita orientações a eles, que imediatamente pescaram “cento e cinqüenta e três grandes peixes” e “embora houvesse tantos peixes, a rede não se rompeu”. Então Jesus lhes convidou para comerem juntos, mas aparentemente Ele ainda não era plenamente reconhecível, apenas sentiam que era Ele:
Nenhum dos discípulos tinha coragem de lhe perguntar: “Quem és tu?” Sabiam que era o Senhor.
Depois de comerem, Jesus perguntou a Simão Pedro três vezes seguidas: “Simão, filho de João, você me ama mais do que estes?” Embora magoado pela insistência das perguntas repetidas, Pedro manteve claro sua resposta em afirmativa, e nas três vezes, Jesus lhe comissionou: “Pastoreie as minhas ovelhas”.
Em seguida, Jesus profetiza o eventual assassinato e martírio de Pedro. Curioso, Pedro pergunta do “discípulo a quem Jesus amava”, ao que Jesus lhe respondeu: “Se eu quiser que ele permaneça vivo até que eu volte, o que lhe importa?”
“Foi por isso que se espalhou entre os irmãos o rumor de que aquele discípulo não iria morrer. Mas Jesus não disse que ele não iria morrer; apenas disse: “Se eu quiser que ele permaneça vivo até que eu volte, o que lhe importa?” Este é o discípulo que dá testemunho dessas coisas e que as registrou. Sabemos que o seu testemunho é verdadeiro.” [48][49]
NOTAS
[1] O autor de Marcos erra grosseiramente no cálculo das datas da Festa Pascal. O dia Judaico inicia-se ao pôr-do-sol, ao contrário do costume ocidental observado por Romanos e Gregos de iniciar o dia ao nascer-do-sol. Assim, o “primeiro dia da Páscoa” Judaica começa após o pôr-do sol de 14 de Nisan, quando começa 15 de Nisan. Ou seja, o primeiro dia é 15 de Nisan, e inicia se na noite do 14 de Nisan. O cordeiro pascal é sacrificado durante o dia 14 de Nisan, antes do “primeiro dia da Páscoa”.
[2] Curiosamente, o autor de Marcos nunca introduz Pilatos ou explica quem deveria ser.
[3] Estranhamente, nunca houve tal tradição, e não há nenhum sinal arqueológico ou evidência histórica de que tal tradição existisse. O registro histórico é claro sobre Pôncio Pilatos como um governador violento e inclemente, que jamais permitiria um insurgente como Barrabás permanecer preso, que dirá comutado. Rebeldes eram executados sem quaisquer hesitações, sendo a manutenção da paz e da ordem o seu mandato principal. Ademais, Pilatos odiava os Judeus e não cedia a suas demandas, preferindo confrontações violentas com o uso excessivo das legiões. Não há registros dele haver “cedido” a “demandas” de “multidões”, ou de tentar “agradar” ninguém. Inclusive, Pilatos foi removido pelo Imperador justamente por causa de sua intransigência e violência contra os Judeus.
[4] O título oficial do Messias, ou Cristo, é exatamente “Rei dos Judeus”.
[5] O autor de Marcos não estava ciente que essa passagem havia sido escrita por deutero-Isaías, ou seja, por algum autor fingindo ser Isaías, e se referia a nação de Israel, e não ao Messias, descrito na terceira pessoa do ponto de vista dos Gentios.
[6] Não há nenhum registro arqueológico ou histórico, seja judeu, romano, grego, egípcio, ou de qualquer outra cultura ou civilização, que cite ou justifique 3 horas de trevas na Palestina.
[7] O retorno de Elias é uma tradição judaica comum para a Páscoa. Ceias de seder costumeiramente incluem um assento vazio para Elias. A frase é literalmente, palavra por palavra, apropriada pelo autor de Marcos de uma passagem em Salmos. Aqui o autor de Marcos teria Jesus gritando em hebraico (citando escrituras na agonia da morte e do desespero), quando ele havia determinado no Gêtsemani que Jesus falava aramaico (citando-O em aramaico chamando Deus de Abba!).
[8] Nunca, nunca, nunca condenados mortos em crucificações eram permitidos sepultamentos. Os corpos deveriam apodrecer nas cruzes ao ar livre. Inculcar terror e medo nos habitantes locais era justamente o propósito de crucificações, especialmente de rebeldes ou potenciais usurpadores do poder e autoridade de Roma.
[9] Nos manuscritos mais antigos, e de acordo com os escritos mais antigos que citam o Evangelho de Marcos, o texto termina aqui. Em manuscritos mais recentes, há a inclusão do versículo reproduzido abaixo, e nos manuscritos ainda mais recentes há a inclusão dos versículos 9 a 20 que gracejam a maioria das Bíblias publicadas hoje em dia.
“Em seguida, elas rapidamente relataram todas estas instruções para aqueles em torno de Pedro. Após isso, o próprio Jesus também enviou através deles de leste a oeste a sagrada e imperecível proclamação da salvação eterna. Amén.”
[10] Em realidade, o fato inconteste é a relação literária entre ambos Evangelhos, e entre estes e o Evangelho de Lucas. Quem copiou quem e como esses autores conheciam e copiaram e alteraram uns os textos dos outros é uma área de pesquisa acadêmica conhecida como “O Problema Sinótico”. O consenso acadêmico abraço o conceito de “prioridade marcana” ou “prioridade de Marcos”, o que significa que acredita-se haver amplas evidências sugerindo que Marcos foi o primeiro texto a ser composto e que tanto Mateus como Lucas copiaram dele.
[11] O autor de Mateus remove Zacarias 9:9 de seu contexto sobre o retorno de Israel para utilizá-lo como uma profecia a respeito de Jesus. Ademais, ele interpreta errado o paralelismo literário comum para poesias hebraicas e presume que o texto de Zacarias fazia alusão a dois animais distintos, enquanto este menciona apenas um animal, porém de formas diferentes e paralelas (uma menção seguida da outra). Assim, ele demonstra sua falta de familiaridade com as escrituras e os costumes hebraicos, além da óbvia incompetência na língua hebraica devido a demonstrável dependência da tradução Septuaginta para o grego.
[12] A palavra grega utilizada (arguria) simplesmente significa “moedas de prata” e é impossível determinar se tratava-se de shekels, drachmas, tetradrachmas, ou quaisquer outras moedas. A introdução das “trinta moedas de pratas” é uma óbvia alusão a Zacarias, que o autor de Mateus já havia cooptado (fora de contexto e equivocadamente) como “profecia” dos animais de montaria. Novamente, ele deturpa o contexto do original hebraico, que narra Zacarias se revoltando pelo parco pagamento de seus labores com trinta moedas de prata ao atirá-las aos “oleiros no Templo”, para imaginar uma profecia de Judas atirando as moedas no Templo, que são usadas para comprar um campo de oleiros. Ao citar a “profecia”, ele se equivoca novamente, atribuindo-a a Jeremias, ao invés de Zacarias.
[13] O autor de Marcos erra grosseiramente no cálculo das datas da Festa Pascal. O dia Judaico inicia-se ao pôr-do-sol, ao contrário do costume ocidental observado por Romanos e Gregos de iniciar o dia ao nascer-do-sol. Assim, o “primeiro dia da Páscoa” Judaica começa após o pôr-do-sol de 14 de Nisan, quando começa 15 de Nisan. Ou seja, o primeiro dia é 15 de Nisan, e inicia-se na noite do 14 de Nisan. O cordeiro pascal é sacrificado durante o dia 14 de Nisan, antes do “primeiro dia da Páscoa”. O autor de Mateus mantém o erro na sua transcrição.
[14] Enquanto o autor de Marcos nunca introduz Pilatos ou explica quem deveria ser, o autor de Mateus o identifica claramente. É notável, também, que em Marcos nunca se identifica o “sumo sacerdote”, enquanto em Mateus ele é identificado especificamente.
[15] Estranhamente, nunca houve tal tradição e não há nenhum sinal ou evidência de que tal tradição existisse. O registro histórico é claro sobre Pôncio Pilatos como um governador violento e inclemente, que jamais permitiria um insurgente como Barrabás permanecer preso, que dirá comutado. Rebeldes eram executados sem quaisquer hesitações, sendo a manutenção da paz e da ordem o seu mandato principal. Ademais, Pilatos odiava os Judeus e não cedia a suas demandas, preferindo confrontações violentas com o uso excessivo das legiões. Não há registros dele haver “cedido” a “demandas” de “multidões”, ou de tentar “agradar” ninguém. Inclusive, Pilatos foi removido pelo Imperador justamente por causa de sua intransigência e violência contra os Judeus.
[16] O título oficial do Messias, ou Cristo, é exatamente “Rei dos Judeus”.
[17] Não há nenhum registro judeu, romano, grego, egípcio, ou em qualquer outra cultura ou civilização, que cite ou justifique 3 horas de trevas na Palestina.
[18] O retorno de Elias é uma tradição judaica comum para a Páscoa. Ceias de seder costumeiramente incluem um assento vazio para Elias. A frase é literalmente, palavra por palavra, apropriada pelo autor de Marcos de uma passagem em Salmos. Aqui o autor de Marcos teria Jesus gritando em hebraico (citando escrituras na agonia da morte e do desespero), quando ele havia determinado no Gêtsemani que Jesus falava aramaico (citando-O em aramaico chamando Deus de Abba!).
[19] Nunca, nunca, nunca condenados mortos em crucificações eram permitidos sepultamentos. Os corpos deveriam apodrecer nas cruzes ao ar livre. Inculcar terror e medo nos habitantes locais era justamente o propósito de crucificações, especialmente de rebeldes ou potenciais usurpadores do poder e autoridade de Roma.
[20] Além de ilustrar o Sinédrio encontrando-se à noite, o que jamais ocorreria e nunca foi registrado nos anais históricos, o autor de Mateus narra os “líderes religiosos” visitando um Gentio em pleno Sábado. Evento que, de acordo com o registro histórico, parece inteiramente anacrônico e improvável.
[21] Nunca, nunca, nunca soldados romanos abandonariam seus postos, pois as represálias para deserção era inflexível e não negociávelmente capital. A maioria dos acadêmicos estima a produção do Evangelho de Mateus nos anos 80 EC, o que significa que 50 anos depois o senso comum era que o corpo de Jesus havia sido roubado, e o autor de Mateus aborda essa versão diretamente.
[22] Em realidade, o fato inconteste é a relação literária entre ambos Evangelhos, e entre estes e o Evangelho de Mateus. Quem copiou quem e como esses autores conheciam e copiaram e alteraram uns os textos dos outros é uma área de pesquisa acadêmica conhecida como “O Problema Sinótico”. O consenso acadêmico abraço o conceito de “prioridade marcana” ou “prioridade de Marcos”, o que significa que acredita-se haver amplas evidências sugerindo que Marcos foi o primeiro texto a ser composto e que tanto Mateus como Lucas copiaram dele. Ademais, existe uma corrente convincente e crescente argumentando e demonstrando que Lucas conhecia e copiou Mateus, considerando que aproximadamente um quarto do Evangelho de Mateus aparece quase palavra por palavra para formar um quarto do Evangelho de Lucas.
[23] O autor de Marcos erra grosseiramente no cálculo das datas da Festa Pascal. O dia Judaico inicia-se ao pôr-do-sol, ao contrário do costume ocidental observado por Romanos e Gregos de iniciar o dia ao nascer-do-sol. Assim, o “primeiro dia da Páscoa” Judaica começa após o pôr-do-sol de 14 de Nisan, quando começa 15 de Nisan. Ou seja, o primeiro dia é 15 de Nisan, e inicia-se na noite do 14 de Nisan. O cordeiro pascal é sacrificado durante o dia 14 de Nisan, antes do “primeiro dia da Páscoa”. O autor de Lucas mantém o erro na sua transcrição.
[24] Assim como o autor de Marcos, o autor de Lucas nunca introduz Pilatos ou explica quem deveria ser, enquanto o autor de Mateus o identifica claramente. É notável, também, que em Marcos e em Lucas nunca se identifica o “sumo sacerdote”, enquanto em Mateus ele é identificado especificamente.
[25] Estranhamente, nunca houve tal tradição e não há nenhum sinal ou evidência de que tal tradição existisse. O registro histórico é claro sobre Pôncio Pilatos como um governador violento e inclemente, que jamais permitiria um insurgente como Barrabás permanecer preso, que dirá comutado. Rebeldes eram executados sem quaisquer hesitações, sendo a manutenção da paz e da ordem o seu mandato principal. Ademais, Pilatos odiava os Judeus e não cedia a suas demandas, preferindo confrontações violentas com o uso excessivo das legiões. Não há registros dele haver “cedido” a “demandas” de “multidões”, ou de tentar “agradar” ninguém. Inclusive, Pilatos foi removido pelo Imperador justamente por causa de sua intransigência e violência contra os Judeus.
[26] O título oficial do Messias, ou Cristo, é exatamente “Rei dos Judeus”.
[27] Não há nenhum registro judeu, romano, grego, egípcio, ou em qualquer outra cultura ou civilização, que cite ou justifique 3 horas de trevas na Palestina.
[28] Nunca, nunca, nunca condenados mortos em crucificações eram permitidos sepultamentos. Os corpos deveriam apodrecer nas cruzes ao ar livre. Inculcar terror e medo nos habitantes locais era justamente o propósito de crucificações, especialmente de rebeldes ou potenciais usurpadores do poder e autoridade de Roma.
[29] Em nenhum lugar das escrituras hebraicas ou das tradições proféticas ou religiosas estava “escrito que o Cristo haveria de sofrer e ressuscitar dos mortos”. Os escritos sobre o Cristo, ou o Messias, criavam a expectativa de um líder político e/ou militar que traria independência ou glória para o povo hebreu.
[30] É fato inconteste a relação literária entre os Evangelhos de Marcos, Lucas, e Mateus. Quem copiou quem e como esses autores conheciam e copiaram e alteraram uns os textos dos outros é uma área de pesquisa acadêmica conhecida como “O Problema Sinótico”. O consenso acadêmico abraço o conceito de “prioridade marcana” ou “prioridade de Marcos”, o que significa que acredita-se haver amplas evidências sugerindo que Marcos foi o primeiro texto a ser composto e que tanto Mateus como Lucas copiaram dele. Ademais, existe uma corrente convincente e crescente argumentando e demonstrando que Lucas conhecia e copiou Mateus, considerando que aproximadamente um quarto do Evangelho de Mateus aparece quase palavra por palavra para formar um quarto do Evangelho de Lucas. Com relação à produção literária do Evangelho de João, há duas correntes principais acadêmicas. Uma delas, outrora popular porém em franca obsolência nos últimos 50 anos, postula que João é uma produção independente, vinculada ao Cristianismo Gnóstico, que também produziria o Evangelho de Tomé e os Dizeres de Jesus. A outra, que vem ganhando progressivamente mais reconhecimento e angariando melhores evidências textuais, postula que João era inteiramente familiarizado com os demais Evangelhos, especialmente Marcos, e ainda com as Epístolas de Clementino e Valentino, ou ao menos suas comunidades.
[31] É interessante notar que o autor de João se refere aos inimigos de Jesus como “os Judeus”, ou descreve uma clara distinção entre “os Judeus” e “os que creem em Jesus”, enquanto os demais evangelistas fazem a clara distinção de acusar os “líderes religiosos”. Durante a maior parte do século I, como vemos nas Epístolas de Paulo, os Cristãos eram “os Judeus”, mesmo os que eram Gentios conversos (chamados de προσήλυτος ou proselytos), frequentando livremente as Sinagogas e vivendo nas comunidades judaicas. A relação era tão promíscua que, quando discussões entre os seguidores de Jesus e os demais Judeus em Roma evoluíram para “confusões” em 41 EC, o Imperador Cláudio expulsou “os Judeus” da cidade, demonstrando que, ao menos para as autoridades Romanas, não havia distinção entre os dois grupos. Historiadores calculam a produção do Evangelho de João para o começo do século II, após o rompimento oficial e a expulsão dos Cristãos das sinagogas no final dos anos 90 EC, o que se reflete na descrição das relações entre Jesus e “os Judeus” na narrativa de João.
[32] O autor de Marcos não estava ciente que essa passagem havia sido escrita por deutero-Isaías e se referia a nação de Israel, e não ao Messias, descrito ali na terceira pessoa do ponto de vista dos Gentios. O autor de João “compra” o erro como “profecia”, provavelmente de Marcos.
[33] Novamente, nenhuma dessas passagens discorria sobre o Messias, ou Cristo, mas falava de Israel, na época de Isaías (ou deutero-Isaías, na primeira citação).
[34] Novamente, Cristãos não seriam “expulsos das sinagogas” por mais 60 anos.
[35] Em nenhum outro documento há essas palavras registradas. O significado delas vem sido debatido há quase 2 mil anos, considerando que Ele havia “perdido” Judas, no sentido espiritual, e a tradição dita que muitos dos discípulos foram assassinados, no sentido físico.
[36] Anás é um dos Judeus mais conhecidos e influentes do século I. Além de ter servido como Sumo Sacerdote ele mesmo, usou de sua influência para garantir 5 filhos seus como Sumos Sacerdotes e ainda seu genro Caifás. Ademais, manteve fortes laços com a elite governante Romana, desde quando fora empossado como Sumo Sacerdote em 6 EC à época do censo de Quirino, quando Roma assume controle direto da Judéia. Falecido em 40 EC, sua influência perdurou mais duas décadas, até quando seu filho Anás o Jovem, que também serviu como Sumo Sacerdote, foi assassinado pelos insurgentes que incitavam a revolta que levou à Primeira Guerra Judaico-Romana.
[37] Diferentemente dos costumes ocidentais Greco-Romanos, o calendário judaico considerava o dia iniciado ao pôr-do-sol, e não ao nascer-do-sol. Aparentemente, o autor de João não sabia disso. Além disso, João estabelece a morte de Jesus numa sexta-feira véspera da Páscoa (14 de Nisan), enquanto Marcos, Mateus, e Lucas a situam numa sexta-feira de Páscoa (15 de Nisan).
[38] Lei Romana não proibia a pena capital nas províncias, e Flávio Josefo menciona execuções legais durante o século I. Aparentemente, o autor de João não sabia disso. Curiosamente, esse trecho foi encontrado num pequeno fragmento de papíro de 9X6 cm, que foi datado paleograficamente (i.e., por estudo da caligrafia) para entre 150 e 200 EC, o que o torna o mais antigo trecho documentário do Novo Testamento e de toda literatura Cristã. Estudos radiométricos não foram realizos devido ao minúsculo tamanho do fragmento.
[39] Pilatos, enquanto Governador e Prefeito, era por lei e mandato obrigado a controlar quaisquer sinais de insurreição. Todos os muitos candidatos a “Rei” ou “Messias” (i.e., Cristo) na Palestina durante o século I eram sumariamente executados sem quaisquer amenidades ou interrogações ou investigações. Pilatos, notório por ser violento, inclemente, e intolerante, é retratado pelo autor de João interrogando e discutindo filosofia com um prisoneiro acusado de insurreição e se auto-entitular Rei.
[40] Estranhamente, nunca houve tal tradição e não há nenhum sinal ou evidência de que tal tradição existisse. O registro histórico é claro sobre Pôncio Pilatos como um governador violento e inclemente, que jamais permitiria um insurgente como Barrabás permanecer preso, que dirá comutado. Rebeldes eram executados sem quaisquer hesitações, sendo a manutenção da paz e da ordem o seu mandato principal. Ademais, Pilatos odiava os Judeus e não cedia a suas demandas, preferindo confrontações violentas com o uso excessivo das legiões. Não há registros dele haver “cedido” a “demandas” de “multidões”, ou de tentar “agradar” ninguém. Inclusive, Pilatos foi removido pelo Imperador justamente por causa de sua intransigência e violência contra os Judeus.
[41] Declarar-se “Filho de Deus” não era uma ofensa à lei judaica, mas aparentemente o autor de João não sabia disso. Contudo, declarar-se Rei dos Judeus, sim, era uma ofensa capital à lei romana!
[42] O título oficial do Messias, ou Cristo, é exatamente “Rei dos Judeus”.
[43] Salmo 22 era um favorito na literatura Cristã dos primeiros dois séculos, embora seja utilizado inteiramente fora de contexto. Vários trechos foram utilizados e citados por autores Cristãos, tanto nos textos que foram canonizados como nos que não foram, sempre descontextualizados além de qualquer reconhecimento. O salmo não discute o Messias, mas sim o sofrimento de Israel em exílio e cativeiro.
[44] Essa passagem é absolutamente a chave para toda narrativa de Paixão em João. Aqui o autor de João deixa claro que não é testemunha ocular dos acontecimentos (“aquele que viu, disso deu testemunho”), que não confia nos testemunhos de Marcos, Mateus, ou Lucas (pois altera eventos e detalhes específicos importantes), e explica exatamente porque ele altera a data da morte de Jesus de 15 de Nisan para 14 de Nisan. João não está citando uma “profecia” a cerca do Messias, mas regras judaicas a cerca do sacrifício pascal que é servido no Seder. Enquanto para Marcos, Mateus, e Lucas a “Santa Ceia” é um Seder para o Pessach judaico, para João é um jantar qualquer, pois o Seder verdadeiro é aquele depois da morte de Jesus, pois Ele é o último cordeiro do último sacrifício. João mostra que ele crê válido alterar “fatos” para narrar uma estória teologicamente alinhada com suas crenças.
[45] Nunca, nunca, nunca condenados mortos em crucificações eram permitidos sepultamentos. Os corpos deveriam apodrecer nas cruzes ao ar livre. Inculcar terror e medo nos habitantes locais era justamente o propósito de crucificações, especialmente de rebeldes, insurgentes, ou potenciais usurpadores do poder e autoridade de Roma.
[46] Obviamente, o autor de João, dirigindo-se a uma audiência quase um século removida dos eventos narrados, e sem quaisquer pretensões de acesso a testemunhas oculares, aborda uma provável crítica constante em sua comunidade. Quantos não teriam questionado a ausência de evidência? “Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei.” Esse evangelista inclui uma resposta, que nenhum dos outros evangelistas mencionaram, a esses céticos: “Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram”.
[47] Novamente, o autor de João em sua honestidade e franqueza, deixa claro que não está escrevendo um biografia para relatar fatos e eventos, mas uma propaganda missionária, para que o leitor “creia”.
[48] A inclusão da conversa sobre o “destino” do “discípulo que Jesus amava” é uma óbvia manobra para corrigir essa crença popular comum na comunidade do autor de João. Como os Cristãos da primeira metade do século I eram apocalípticos e esperavam o “fim dos tempos” ou a “vinda do Filho do Homem” em suas próprias vidas, provavelmente acreditavam que Ele viria ainda na vida deste discípulo. Como João estava sendo escrito quase um século após os eventos narrados, essa crença já começava a parecer ridícula (correções assim encontram-se, em menor proporção, nos Evangelhos de Mateus e Lucas e, em maior ênfase, nas epístolas posteriores, como a de Pedro e as Pastorais pseudo-paulinas). Sendo assim, a inclusão de uma cláusula condicional “se eu quiser… o que lhe importa” corrige definitivamente o “rumor”.
[49] A anonimidade do “discípulo que Jesus amava” é motivo de discussão e debate há pelo menos 900 anos. Antigamente, especulava-se que João não se citava diretamente por modéstia, ou ainda que servia de segurança para si (ou para Lázaro ou Maria Madalena, outros candidatos populares). Essas opiniões são fortemente rejeitas pela comunidade acadêmica atual, considerando as evidências que apontam para um autor em longe distanciado dos eventos narrados em tempo e espaço, sem acesso a testemunhas oculares, e dependente de relatos anteriores (i.e., Evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas, e talvez de Tomé), além da tardia data de composição (ca. 100-120 EC), que tornaria quaisquer questões de segurança vazias. A visão considerada como mais racional e lógica, tendo em vista todos os fatores e evidências em questão, sugere que esse anonimato serve uma função literária como “representante do leitor”, um personagem através de quem leitores se inserem na narrativa, seja por falar ou agir como os leitores falariam ou agiriam, seja por proporcionar explicações, seja por oferecer um espaço em branco onde os leitores podem individualmente se projetar. Exemplos clássicos dessa técnica são o Dr John Watson em ‘Sherlock Holmes’, ou as “companheiras” no ‘Doctor Who’, ou os Hobbits em ‘Senhor dos Anéis’.
[50] Artigo originalmente publicado em 4 partes (aqui, aqui, aqui, e aqui).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Coogan, Michael (ed.), ‘The New Oxford Annotated Bible with Apocrypha: New Revised Standard Version‘, 4a ed.
Ehrman, Bart, ‘The New Testament: A Historical Introduction to the Early Christian Writings‘, 5a ed.
Levine, Amy-Jill (ed.), ‘The Jewish Annotated New Testament‘, 1a ed.
Metzger, Bruce, ‘The Oxford Companion to the Bible‘, 1993