Psicóloga Mórmon Responde

A psicóloga mórmon Kristy Money reage e responde ao ensaio recém publicado pela Igreja SUD sobre o tema  de mulheres e o sacerdócio.

Estou animada que minha igreja acaba de lançar seu material tão esperado e controverso sobre mulheres e o sacerdócio. Por muito tempo, as mulheres mórmons têm sussurrado sobre o fato que nossas antepassadas gozaram de uma reivindicação institucional mais forte sobre o sacerdócio do que temos hoje. No entanto, como uma mórmon feminista e multi-geracional estou desapontada que esses ensaios sobre a história das mulheres mórmons – nossa história – incluem, junto com os fatos, uma interpretação autoritária daqueles eventos que confinam ainda mais as mulheres ao seu lugar. Eu gostaria que o material contivesse menos manipulação, menos apelos diretos a autoridade para manter o status quo, para que as mulheres mórmons pudessem julgar mais livremente nossa própria história por nós mesmas.

Eu nunca vou me esquecer da primeira vez que li ´Mulheres e Autoridade´, o livro que levou a mórmon feminista Maxine Hanks à excomunhão em 1993 – especialmente como Zina Young (esposa plural de Joseph Smith e Brigham Young) e muitas outras administravam os mesmos rituais que eu só vi homens administrando toda a minha vida. Quando o li, grávida do meu segundo filho, eu coloquei o livro na minha barriga, olhei janela afora em estado de choque, e chorei. Esse choque dissipou-se enquanto eu, animadamente, visualizava como seria se hoje recuperássemos essa autoridade que nos foi revogada, ao invés de nos apegar aos costumes atuais de ordenanças da igreja administradas apenas por homens.

Brigham Young Imposição Mãos Femininas

“Eu quero uma esposa que possa cuidar de minhas crianças enquanto eu estiver ausente — que pode orar — impor as mãos, ungir com óleo e confundir o inimigo” — Brigham Young, Conferência Geral em Nauvoo, 1844

Ler sobre minhas antepassadas despertou meu interesse em pedir a meus líderes do sacerdócio se eu poderia simplesmente segurar meu bebê recém-nascido e participar na sua cerimônia de nomeação e bênção – cuja negação devastadora lançou-me a meu ativismo. Eu usei o meu próprio corpo para demonstrar o nosso desejo de igualdade, porque eu amo o mormonismo e o meu povo. Eu queria um futuro mais equânime para as minhas irmãs e filhas.

Agora, graças a detalhes que a própria Igreja Mórmon tem publicado, podemos discutir a nossa história de forma mais aberta. Este é definitivamente um passo a frente e um ato que eu comemoro. Dito isso, como uma psicóloga especializada em saúde mental de mulheres Mórmons, eu seria negligente se não reconhecesse como esses novos ensaios enquadram a história das mulheres Mórmons dentro de conclusões claramente desenhadas e destinadas a compelir obediência, apelando à autoridade para reforçar o status quo patriarcal. Eu não acredito que este seja um padrão saudável para divulgar informações, em especial para os membros do sexo feminino, que são ensinadas desde cedo a aceitar o sexismo benevolente, ser obediente, e submeter-se aos ensinamentos da Igreja sobre os papéis tradicionais de gênero, às vezes às custas de sua própria voz interior.

O fundador Mórmon Joseph Smith disse que a Sociedade de Socorro (e não apenas no templo, mas aberta ao público) seria “um reino de sacerdotes”, e repetidamente usou a palavra “ordenadas” para descrever a autoridade que ele deu às mulheres (muitas da quais eram suas esposas plurais). Essas mulheres usaram a mesma palavra para reivindicar sua autoridade, quando os líderes mais patriarcais ameaçaram-na após a morte de Smith. É a mesma linguagem que usamos hoje para descrever meninos e homens que recebem o sacerdócio: Agora um rito de passagem para todos os homens de 12 anos e acima. Mas a Igreja afirma no ensaio que “ordenada” deve ter significado algo menor ou diferente, simplesmente porque as mulheres são as destinatárias. Por uma questão de consciência, não posso aceitar este argumento. Além disso, admitir que mulheres costumavam dar bênçãos de cura (por imposição de mãos e unção), mas não o fazemos agora porque isso é algo que só os homens devem fazer (e citando o manual da Igreja barrando esta prática) é um apelo à autoridade com o qual eu não me sinto confortável, posto que as mulheres em nossa história costumavam fazer o que o manual diz que não podemos fazer hoje.

Os líderes da Igreja têm todo o direito de apresentar os seus próprios materiais como lhes aprouver. No entanto, acredito que as pessoas como eu, que questionam a interpretação agora oficial disponibilizada neste ensaio, têm a obrigação moral de escutar a sua consciência e não se sentir obrigada a submeter-se à autoridade. Isto é particularmente relevante para os pais e professores Mórmons, que estão ajudando a moldar as mentes da juventude da Igreja em relação a estas questões. Tenho discutido isso em outro lugar com relação ao ensaio sobre poligamia e manual do seminário, onde eu estou vendo um padrão semelhantemente pesado em impor obediência para satisfazer dilemas morais. O pensamento crítico é fundamental para o desenvolvimento moral adulto, e precisamos ensinar a nova geração (particularmente nossas moças) a confiar em sua bússola interna.

Nossas mulheres jovens aprendem que o patriarcado é a vontade de Deus para elas. Apoiamos totalmente nossa liderança centralizada masculina como profetas, e bispos todos homens como juízes em Israel que têm o direito de julgar o nosso valor pessoal, ao longo de nosso processo pessoal de auto-avaliação, e aconselhar-nos. Todos os meninos, pais, e maridos são ensinados que Deus quer que presidam no lar. Enquanto as mulheres lideram as organizações de mulheres e de crianças da Igreja, em todas essas posições são supervisionadas por uma autoridade masculina com poder de veto sobre todas as suas decisões. Assim, de acordo com a nova redação, as mulheres exercem a autoridade do sacerdócio (mas não de ofício ou ordenação) quando elas seguem o conselho do seu líder do sacerdócio e/ou servem sob ele.

Em nossa adoração semanal da Igreja, as meninas e as mulheres recebem a mesma mensagem. Todos os domingos, observamos todos os homens enquanto conduzem reuniões de adoração e meninos abençoando e distribuindo a Ceia do Senhor. A mensagem acumulada por trás dessas experiências do dia-a-dia é que os homens administram a Igreja, e devemos confiar neles mais do que em nossa própria intuição sobre igualdade. Vemos este reforço hegemônico no ensaio recém-lançado, culminando quando o ensaio citou o manual da Igreja (que contradiz a nossa própria história).

Enquanto eu não concordo com a interpretação oficial fornecida pela Igreja, minha intenção aqui não é convencer a ninguém da minha visão dos acontecimentos históricos, mas sim dar espaço para outras mulheres e Mórmons em transição de fé ou despertar de fé para que possam igualmente ter perguntas. Cabe a cada leitura individual disto seguir sua própria bússola moral. Se você concorda com a interpretação da Igreja, isso é ótimo. Se você encontrar sua voz interior que leva você a uma conclusão diferente, isso deve estar bem, também. Infelizmente, isso nem sempre é o caso, como as mulheres que questionam publicamente as narrativas oficiais da Igreja e suas práticas, muitas vezes, vivenciam ostracismo e punição.

Gostaria de exortar todos a ler todas as fontes originais no rodapé da página publicada pela Igreja, a estudar e meditar sobre todo o material e tirar suas próprias conclusões individuais sobre mulheres, autoridade e igualdade. E não perca a esperança: cada congregante que compartilha sua verdade autêntica com o outro é – eu acredito – a chave para saúde mental Mórmon (Mórmons ativos, Mórmons em transição, ou pós-mórmons). Por mais assustador que isso possa parecer, colocando o seu próprio eu pra fora faz toda a diferença. É hora de falar: Ouça a sua voz interior e siga-a.

 


A Dra. Kristy Money é Ph.D. em psicologia pela BYU, especializada em saúde mental em mulheres mórmon e aconselhamento e acompanhamento de indivíduos e casais em crises ou transições de fé.

Leia outro artigo por Kristy Money aqui,  aqui, e aqui.

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2 comentários sobre “Psicóloga Mórmon Responde

  1. Concordo com a psicóloga quando diz que é preciso ensinar as moças a confiarem na sua bússola interna. Todavia, sou pessimista ao crer seja possível fazer isso nas classes da igreja. Eu optei por pedir a desobrigação do meu chamado nas moças, por me conflituar com a doutrina e a minha bússola interior. Acho impossível permanecer na atividade quando a bússola interna percebe “fraturas, mentiras, meias verdades, manipulação à obediência cega, ao não pensar, simplesmente obedecer, a não questionar quaisquer que sejam as circunstâncias”, seria hipocrisia da minha parte ensinar algo, quando minha bússola interna indica que não é assim.
    Será que alguém conseguiu?

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