As Religiões de Prince

“Nosso irmão, Prince Rogers Nelson, adormeceu na morte na última quinta”. Foi dessa forma breve que o falecimento do cantor Prince foi anunciado no Salão do Reino das Testemunhas de Jeová, na cidade de Minnetonka, Minnesota, no domingo passado. Despedida condizente para a memória de alguém tão reservado em sua vida pessoal e descrito como “excepcionalmente tímido” por um de seus correligionários.

Prince Testemunha de Jeová

Prince em ação (Imagem: Ethan Miller, Getty)

Criado como Adventista do Sétimo Dia, Prince começou a estudar com as Testemunhas de Jeová em 2001 e foi batizado dois anos depois. Ele preferia não chamar o processo de conversão, mas de “compreensão”: “[f]oi mais como Morfeu no [filme] Matrix”, afirmou.

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Tal como o mormonismo, as duas religiões da vida de Prince surgiram em solo americano com expectativas milenaristas. Contemporâneo do profeta Joseph Smith, William Miller havia decifrado a Segunda Vinda de Cristo para o ano de 1844. Curiosamente, o mórmon Benjamin F. Johnson escreveu em seu diário que a profecia de Miller não se cumprira exatamente, mas que um evento grandioso havia de fato ocorrido com a organização do teocrático Conselho dos 50.

A partir do movimento millerista, surgiram os adventistas. Acredita-se que as ideias de Miller também influenciaram um grupo de estudantes bíblicos que publicavam o periódico The Watchtower (Torre de Vigia), dos quais fazia parte Charles Taze Russel, reclamado pelas Testemunhas de Jeová como seu fundador.

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Como os demais membros de sua organização, Prince também saía pelas ruas em esforços de proselitismo:

um jornal em sua cidade noticiou como um casal havia atendido a porta para ver Prince oferecendo uma cópia da Torre de Vigia. Embora fossem judeus ortodoxos, e fosse Yom Kippur, eram também fãs de Prince. Eles o receberam em sua casa onde (…) ele partilhou a palavra de Jeová por 20 minutos antes de irem para a próxima casa. [1]

*

Com a morte de Prince aos 57 anos, fui surpreendido por minha tristeza e nostalgia. Num mundo com tantas ameaças à liberdade e à dignidade humanas, não há assuntos e pessoas mais dignos da nossa atenção? Às vezes é muito bom encarar nossas próprias irracionalidade e fragilidade.

Tenho secretamente me arrependido do certo desdém com que já observei reações de outros a mortes de artistas famosos. Definitivamente, são reais como sofrimento. E, imagino, têm mais relação com nossas próprias memórias e experiências do que com os mortos em si:

nós não choramos porque os conhecíamos, choramos porque eles nos ajudaram a conhecer a nós mesmo. [2]

Em 1982, eu tinha oito anos e adorava Concertos para a juventude. Prince & The Revolution lançavam a música 1999. O vídeo rodava seguido no programa de música da TV Guaíba. Queria ter uma guitarra como a dele, só não estava tão certo da roupa.

Com 16, após meses com a televisão estragada, o aparelho seguinte não poderia ter trazido coisa melhor: a MTV. Lá também estava Prince com suas músicas complexas, festivas, obscenas. Ainda eram os dias da fita cassete e em uma coletâneas incluí Kiss. Já que não teria uma guitarra, quem sabe eu poderia ser um bom DJ?

Em 1993, ano em que ingressei na universidade, Prince trocava seu nome por um símbolo impronunciável. Nada poderia soar mais espiritual:

“Eu queria ir para um novo patamar em minha vida e uma das maneiras que fiz isso foi mudar meu nome, para me divorciar do passado”, explicou.

*

Especulações sobre uma possível recusa de tratamento médico por motivos religiosos ou uma possível overdose, bem como tentativas de entender o contraste entre sua arte e suas posições sobre  questões morais e sociais, fazem-nos lembrar da impossibilidade de rotinizar um indíviduo por suas crenças e filiações.

*

Na sua congregação em Minnetonka, o irmão Nelson vestia roupas sóbrias e era apenas mais uma das vozes cantando os hinos e discutindo a Bíblia.

Muitos mórmons dão grande valor à fama, a talentos exepcionais e ao sucesso financeiro, três quesitos em que Prince atenderia em excesso. Por isso, o silêncio das Testemunhas de Jeová sobre o mais famoso dentre os seus bem que poderia despertar nossa inveja santa.


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8 comentários sobre “As Religiões de Prince

  1. Mais discreto que isso, difícil. Ainda mais para uma cultura que parece ter sua fé fortalecia por provas visuais e amplamente difundidas (até mesmo na mídia paga) de sucesso, fama ou riqueza de seus membros.

    Bem, isso cisão não é exclusivo do mormonismo, mas bem que poderíamos (até mesmo ser oficialmente não incentivados a) nos portarmos dessa maneira.

      • Pois é, na igreja SUD, me senti menos, menos mesmo, depressivamente. Todos falavam muito de si (na ala que eu frequentava, que era na zona central) seus êxitos, seus estudos. Nas TJ era todo mundo igual, tu batia papo e jogava bola com um delegado de polícia, com um médico, e as pessoas davam a vida pelo cara, não importando a profissão, ou, o status.
        Agora estou numa ala boa, bem espiritual, pessoas simples, ótimo.

  2. Olha, não existe religião mais igual -em matéria de organização- aos mórmons do que as TJ. Várias vezes me senti no Salão do Reino em uma capela mórmom. Os elders e as sisters, são idênticos aos pioneiros regulares, que são missionários em sua própria cidade (eu fui auxiliar, que não recebe designação da congênere, é autorizado internamente pelos líderes e pode ser por um mês ou tempo indeterminado).
    Cânticos, estrutura, liderança, e hoje em dia, até conferência geral ao vivo, direto de Nova Iorque. Incrível, só vendo para crer, os livros então…. o problema é que as TJ são menos organizados e como não pagam dízimos, as vezes, os lideres tem que fazer uma vaquinha pra alguma coisa até básica.
    Os TJ se orgulham de Michael Jackson, mesmo com as suas esquisitices, mesmo ele sendo desassociado, orgulham-se até demais, no caso do Prince, ele nunca quis se mostrar, é da personalidade dele.

      • Se canta três vezes, no início, no meio, e no final. São duas reuniões em um mesmo salão divididas pelo cântico, ou hino. Discurso público, e estudo de A Sentinela. A música é em som de piano, mas, pra não ter o problema de músicos faltarem, é com um CD, sem voz, e as pessoas acompanham. Não há regente, todos cantam em pé. Nos congressos é bonito, é um monte de gente cantando ao som de orquestra (em CD ou fita) lembra muito hinos americanos de filmes. Enfim, é tudo muito americano, mas simples, sem extravagância.

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