A cantora britânica Amy Winehouse acaba de falecer e não são poucos os comentários que vemos e ouvimos sobre como ela “cavou a própria sepultura”. Com certeza, é necessário num momento como este relembrar os danos que o alcoolismo e o vício em drogas causam ao indivíduo e a todos à sua volta. Um problema surge, no entanto, quando nos falta aquele entendimento que só a compaixão pode nos dar e esquecemos que o álcool e as drogas geralmente não são o início em si da autodestruição, mas o meio.
Em seu belo artigo Compaixão para os que não merecem, Kent Larsen escreveu sobre o perigo espiritual a que nos sujeitamos a ter uma compaixão seletiva:
nos casos em que a pessoa sofredora causou o seu próprio problema, ou compartilha alguma parte da responsabilidade pelo que lhe aconteceu, muitas vezes a resposta não é nada compassiva, e muitas pessoas até lançam críticas viciosas por causa dos pecados alegados daqueles que sofrem. Segundo essa lógica parece que, a fim de sentir compaixão por alguém, nós devemos acreditar que eles são inocentes.
Nessa atitude, há o pressuposto de que nós somos inocentes ou, pelo menos, menos culpados do que os outros. Afinal, nós não somos um mal exemplo para ninguém (ao menos fora das paredes do nosso lar!), enquanto pessoas como a Amy Winehouse acabam sendo a publicidade viva dos maus hábitos que têm em âmbito mundial.
O título que o Kent deu ao seu artigo é em si irônico, uma vez que não caberia a nós selecionar quem é digno ou não da nossa compaixão. Do Livro de Mórmon, nos ecoa a pergunta Pois eis que não somos todos mendigos?
Na semana passada, estava escutando a música Hey hey, my my, de Neil Young, um dos meus cantores favoritos. Estava num dia triste. Levei então um susto ao escutar um trecho da música que Kurt Cobain havia escrito em seu bilhete de suicídio. Me assustei ao pensar que eu poderia ter sentido o que ele sentiu e feito o que ele fez. Me choquei ao pensar que somos sobreviventes que tiveram a força (proteção?) de seguir adiante vivendo, quando alguns não têm a mesma sorte.
Ler o texto me fez lembrar que outro dia estava assintindo “Sete Vidas” (Seven Pounds) – um ótimo filme sobre culpa e redenção pessoal. O filme conta a história de um homem (brilhantemente interpretado por Will Smith) que causa a morte de sete pessoas num acidente automobilístico. Devorado pela culpa ele arquiteta um plano suicida, junto com um amigo médico, para que seus orgãos sejam transplantados para sete pessoas “merecedoras” – ou, segundo o próprio personagem, “alguém que é bom mesmo quando ninguém está olhando”.
Isso me fez pensar sobre o fato de que estamos sempre procurando quem seja “merecedor” – seja de respeito, bondade, misericódia, socorro. Não fazemos nada gratuitamente. Poucos de não estariam dispostos que “não estivessem dispostos a ajudar a si mesmos” – e assim escusamos nossa mesquinhez com discursos sociológicos-espirituais-moralizantes sobre justiça.
Acredito que muitos de nós passariam ao largo, sem qualquer remorso, do judeu ferido da parábola do Bom Samaritano (lembrando que o Salvador nunca o chamou assim, mas para nós tal atitude parece tão excêntrica e desmedida – enfim, tão além daquilo que estaríamos dispostos a fazer normalmente, que o chamamos “bom”). Para quem não conhece o contexto histórico da passagem, naquela época judeus eram inimigos declarados dos samaritanos – a quem tratavam como cidadãos de segunda classe e hereges. Seria cômodo e conveniente àquele samaritano ignorar o infeliz, mas ele agiu com uma gentileza que nos surpreende até hoje.
Atitudes de misercórdia seletiva são muito comuns na Igreja, infelizmente. Em geral, somos indulgentes com nossos erros e fraquezas, mas nos tornarmos juízes implacáveis quando se trata de apontar as falhas dos outros – e nesse sentido, somos bem mais severos do que pessoas que não são membros da Igreja. Tudo na Igreja SUD gira em torno da noção de merecimento. Esqueçemo-nos totalmente da noção de graça pregada pelo Salvador: “E se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? Também os pecadores amam aos que os amam. E se fizerdes bem aos que vos fazem bem, que recompensa tereis? Também os pecadores fazem o mesmo. E se emprestardes àqueles de quem esperais tornar a receber, que recompensa tereis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para tornarem a receber outro tanto. Amai, pois, a vossos inimigos, e fazei bem, e emprestai, sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.” (Lucas 6:32 – 36)
O que podemos dizer sobre Amy Winehouse é que perdemos uma das melhores artistas do século XXI – uma pessoa que tinha problemas e contradições pessoais. Alguém que pode até ter “cavado a própria cova” mas que, assim como todos, queria ser aceita, amada, compreendida. Acho que muito dessa prevalecente noção de misercórdia seletiva está baseada na visão de um Deus que aceita condicionalmente que pode ser retirada de uma leitura descuida das Escrituras (e da interpretação dada pelos líderes) ou mesmo de uma severidade pessoal fruto de relacionamentos frustantes (principalmente com os pais), sem trocas afetivas, conturbados, opressivos e emocionalmente distantes.
-“Deus não faz acepção de pessoas. E todos que buscam acharão e todos que batem a porta se abri-rá”. Acreidto que “Yeshoua” se sacrificou por todos os filhos de “Deus” e que deu a oportunidade a todos de se arrependerem ou não.
Se a teoria de “compaixão seleta” fosse a real vontade de “Deus” imagino que “Yeshoua” agiria de forma totalmente diferente do que agiu.
Cabe a nós desenvolver o amor pelo próximo “como a si mesmo” e a “Deus” acima de todas as coisas e de tudo.
Quantos princípios destrutivos vivem dentro de nós? Quanto mal fazemos à nossa alma todos os dias sem acreditar que isso é algo importante ou tem relevância para nossa “exaltação”?
O mundo se maravilha com grandes “icones” e “celebridades”; para mim são apenas mais um nome, mais uma face… mais uma história que conhecemos. E quantas histórias não conhecemos?
Quantas “WhiteHouses” morrem todo dia a nossa volta?
Concordo, Heber. Talvez esta seja a pergunta mais importante de todas: quantas histórias semelhantes estão acontecendo hoje à nossa volta e seguimos indiferentes, sem ação?