A Igreja SUD adotou há alguns anos uma bandeira ativista defendendo “liberdade religiosa”.

Bruce “o chefe” Springsteen (Foto: Mario Anzuoni/Reuters)
O que isso tem a ver com Bruce Springsteen, violação da Constituição Norte-americana, campanhas políticas por parte da Igreja, e a defesa de práticas discriminatórias é o que a Professora Assistente de Direito Constitucional e Pena Capital na Universidade Estadual da Geórgia, Lauren Sudeall Lucas, explica em excelente, porém sucinto, artigo:
O “chefe” está boicotando a Carolina do Norte.
Bruce Springsteen cancelou um show planejado para o 10 de abril em Greensboro para mostrar solidariedade com aqueles que protestam a passagem d[o projeto-de-lei] HB2, que proíbe os governos locais de proteger indivíduos LGBT contra discriminação.
Bryan Adams está se recusando a tocar no Mississippi. Adams está protestando a lei de liberdade religiosa recentemente aprovada no Estado, que permite que pessoas demitam funcionários ou neguem serviços por causa de sua oposição religiosa ao casamento do mesmo sexo, sexo extraconjugal ou indivíduos trangênero.
O foco anti-LGBT compartilhado por estas duas leis também embasa leis de liberdade religiosa que foram propostas recentemente legislaturas estaduais país afora, incluindo Geórgia e Indiana.
Estes projetos-de-lei foram recebidos com hostilidade por parte dos líderes empresariais, como Marc Benioff da Salesforce.com e Tim Cook, da Apple, e os gigantes de entretenimento como a Disney e Viacom. Mesmo a Coca-Cola e a Pepsi concordam que tais leis são discriminatórias. Embora esta efusão de oposição provavelmente contribuiu para o veto da lei na Geórgia pelo governador Nathan Deal, outros governadores permanecem inflexíveis.
Preocupações de negócios à parte, a questão levantada por esta onda de legislação recente é: Onde é que acaba a liberdade religiosa e onde começa a liberdade das pessoas afetadas pela liberdade religiosa?
Em um artigo jurídico iminente, eu sugiro que a compreensão da identidade religiosa como uma questão pessoal – tanto quanto fazemos com raça e identidade de gênero – pode permitir-nos manter o respeito pela importância da identidade religiosa e também limitar o alcance das leis de liberdade religiosa.
A chave é distinguir entre as medidas tomadas para proteger a própria identidade e aqueles que projetam uma identidade para os outros. Esta distinção não é nova. Ela tem raízes na Constituição, especificamente na Primeira Emenda.
Entendendo a Primeira Emenda Constitucional
Nos Estados Unidos, os líderes políticos têm, muitas vezes, visto a liberdade religiosa como mais merecedora de proteção do que outras crenças ou formas de identidade. Isso é nitidamente claro no caso dos projetos-de-lei de liberdade religiosa que toleram a discriminação contra a comunidade LGBT em nome da religião.
Isto não deve ser nenhuma surpresa, dada a decisão de destacar a religião para proteção na Primeira Emenda da Constituição. A Primeira Emenda protege o livre exercício da religião de intrusão do governo e impede o governo de destacar qualquer uma religião para tratamento especial.
A Primeira Emenda diz:
“O Congresso não passará nenhuma lei com respeito ao estabelecimento de religião, ou proibindo o seu livre exercício.”
A primeira parte dessa afirmação é conhecida como a Cláusula de Estabelecimento e a segunda metade é chamado a Cláusula de Livre Exercício.
É a tensão entre estas duas cláusulas que pode ser a chave para impor limites necessários sobre a liberdade religiosa.
Embora essas leis de liberdade religiosa invocam o direito ao livre exercício, especialistas legais recentemente argumentaram que a lei de liberdade religiosa do Mississippi pode realmente violar a cláusula do estabelecimento por destacar um conjunto de crenças religiosas para tratamento especial por parte do governo.
Deve ser permitido, eu diria, para um indivíduo ou uma organização baseada na fé buscar uma isenção pessoal de uma lei que, caso contrário, ameaçaria sua identidade religiosa. Não deve, contudo, ser admissível para o mesmo indivíduo ou grupo projetar essa identidade em outros, escrevendo suas crenças religiosas na própria lei.
Juíz Kennedy, uma peça-chave
Em outras áreas concernentes à identidade, o Supremo Tribunal Federal – e o Juíz Kennedy em particular – tem sido um feroz defensor da identidade individual. No entanto, o tribunal também reconheceu os limites do exercício da própria identidade quando afeta outros ou a capacidade do governo de estabelecer um equilíbrio social mais amplo.
Tomemos, por exemplo, a opinião do Juiz Kennedy em Obergefell v. Hodges de 2015, que proibiu os Estados de proibir o casamento homossexual. O Juíz Kennedy enfatizou que a Constituição protege certas escolhas pessoais, incluindo aqueles que definem a própria identidade e as crenças. Ele também reconheceu a importância de proteger as crenças religiosas, mas explicou que quando “oposição pessoal sincera torna-se lei promulgada e políticas públicas” que “rebaixam e estigmatizam” a outros, uma linha crítica foi cruzada.
Este tema pode ser rastreado através da jurisprudência do tribunal com relação à Primeira Emenda. Em muitos casos, o tribunal confirmou a capacidade do indivíduo de ser isento de uma lei que o proíbe de exercer suas crenças religiosas em um nível pessoal.
Por exemplo, em Thomas v. Painel de Revisão, o tribunal decidiu que o estado de Indiana indevidamente negou subsídio de desemprego a um indivíduo que renunciou por motivos religiosos. Thomas era uma Testemunha de Jeová que argumentou que trabalhar para uma fábrica de produção de armas violava suas crenças religiosas.
E em Wisconsin v. Yoder, o tribunal considerou que forçar os filhos de pais Amish a frequentar uma escola pública seria violar o seu direito ao livre exercício da religião.
Além de buscar uma isenção
No entanto, onde os indivíduos procuram trazer a lei para conformidade com as suas crenças religiosas ou para alterar a forma como a lei se aplica a outros, o tribunal os tem rechaçado.
Por exemplo, em Estados Unidos v. Lee, o tribunal considerou que, enquanto os trabalhadores autônomos poderiam ser isentos de impostos de previdência social e de contribuições de fundo de garantia por razões religiosas, o empregador não poderia buscar essa isenção em nome de seus empregados. Nesse caso, o empregador Amish reivindicou que sua religião o proibia de participação em programas de apoio do governo. Escrevendo pelo tribunal, o Presidente do Supremo Juíz Burger explicou que quando os membros de uma fé escolhem entrar em atividade comercial, os limites que elas impõem no seu próprio comportamento não podem ser sobrepostos sobre as leis que regem outros envolvidos na mesma atividade.
Em outros casos, o tribunal decidiu que um Adventista do Sétimo Dia não pode ter o seu seguro desemprego recusado por causa de sua falta de vontade de trabalhar no sábado, mas ao mesmo tempo os empregadores não podem ser obrigados a honrar o santo dia que qualquer funcionário guarde.
A identidade religiosa nem sempre é exercida pelo indivíduo – é muitas vezes exercida por grupos, incluindo igrejas e organizações religiosas. Nesse sentido, o tribunal pode ser visto como protegendo a identidade institucional, além da identidade pessoal.
O tribunal reconheceu em Hosanna-Tabor v. EEOC que a Igreja Luterana poderia ser dispensada de certas leis trabalhistas quando se tratava de escolher seus ministros religiosos. Providenciando tal isenção reconhece-se que o Estado deve deferir para a igreja a nomeação de indivíduos determinantes para manter a sua própria identidade religiosa. No entanto, uma lei como a da Geórgia, que teria permitido organizações baseadas na fé a demitir qualquer funcionário, independentemente do seu papel na formação de fé ou na missão do grupo religioso, parece ir além da preservação da identidade institucional.
Esses casos sugerem que, embora a identidade religiosa e o exercício da religião devem ser livres nos EUA, não é um direito ilimitado. Embora a lei deva proteger a capacidade de viver de acordo com suas próprias crenças religiosas, quando essas crenças se tornam a lei que governa a todos, e restringem os direitos dos outros como resultado, elas deverão ser excluídas da proteção conferida pela Primeira Emenda.
Lauren Sudeall Lucas é Professora Assistente de Direito Constitucional e Pena Capital na Universidade Estadual da Geórgia
Artigo original publicado aqui. Reproduzido com permissão.