Celebramos recentemente o Natal.
Natal vem da palavra latim natus, que significa “nascimento” ou “nascer” ou mesmo “gerar”, e é comumente utilizado para se referir ao “dia do nascimento” de alguém. Costumeiramente, no mundo de línguas românicas, Natal tornou-se um termo para descrever a celebração do nascimento de Jesus. Assim, no Brasil, como nos demais países românicos e cristãos, no Natal (usualmente no dia 25 de dezembro) comemora-se o nascimento de Jesus há mais de 2 mil anos atrás.

A Adoração dos Pastores, por Gerard van Honthorst (1590–1656), em 25 de dezembro de 1622
Ao contrário do que a maioria dos cristãos imagina, os quatro relatos canonizados da vida de Jesus no Novo Testamento (i.e., os Evangelhos atribuídos a Marcos, Mateus, Lucas e João) não narram os mesmos eventos, não se complementam, e não são mutualmente inclusivos. Todas as quatro narrativas são individuais e independentes, narrando relatos como o seu autor acreditava ou imaginava ou ouvira ter ocorrido (nenhum desses autores fora testemunha ocular — na realidade, todos os evangelhos são anônimos, e atribuições autorais surgiram décadas após suas composições).¹
Portanto, honraremos os autores que nos legaram esses quatro relatos distintos respeitando suas independências editoriais, estudando-os como eles haviam desejado: Individual e independentemente.
Dito isso, como ocorreu o “primeiro natal”, ou o nascimento de Jesus, de acordo com cada um dos 4 autores de cada Evangelho canônico?
O Evangelho de Marcos
Como ocorreu o nascimento de Jesus de acordo com o autor do Evangelho de Marcos?
Para o autor de Marcos, a narrativa do nascimento de Jesus era completamente irrelevante. Seu relato começa diretamente com João, o imersor (popularmente conhecido como “Batista”)² pregando no deserto e imergindo no Rio Jordão, e Jesus vindo de Nazaré na Galiléia até a Judéia para ser imergido por João.
Narrativa
[Nada]
O Evangelho de Mateus
Como ocorreu o nascimento de Jesus de acordo com o autor do Evangelho de Mateus?
Para o autor de Mateus, a narrativa do nascimento de Jesus era completamente central à sua mensagem, em contraste com o óbvio desinteresse do autor de Marcos. Essa diferença de valores é ainda mais relevante quando se considera que o autor de Mateus copia o texto de Marcos palavra por palavra, sendo que aproximadamente 56% do texto do Evangelho de Mateus é literalmente copiado, palavra por palavra, de 94% do texto do Evangelho de Marcos, e ainda assim o autor de Mateus ignora o completo desprezo do auto de Marcos pela narrativa natalina, gastando muito espaço e tempo supostamente relatando toda a genealogia de Jesus entre Abraão, Davi, e Jesus, antes mesmo de adentrar a narrativa do nascimento de Jesus.
Após estabelecer tal genealogia, o autor de Mateus deixa explícito que o nascimento de Jesus foi um ato milagroso, considerando que sua mãe engravidou d’Ele enquanto virgem. Para certificar sua audiência, o autor determina que não apenas Sua mãe, Maria, era virgem, mas ela sequer era casada ainda. Notadamente relevante também era o excelente caráter de Seu padrasto, José, a quem o autor se esforça consideravelmente para caracterizar como homem justo e piedoso.
O autor estabelece que José e Maria eram originalmente de Belém, especialmente considerando que José era descendente do Rei Davi, e consequentemente, Jesus seria o herdeiro legal do trono de Davi. Jesus teria nascido entre os anos 6 e 4 AEC³, e magos do Oriente teriam provocado a ira do rei-cliente de Roma, Rei Herodes, a ordenar a chacina de todas as crianças com menos de 2 anos de idade na região de Belém. Milagrosamente, José é avisado através de sonhos, para fugir de Belém para evitar a chacina, e após uma temporada no Egito, e não retornar para casa em Belém, mas para alocar-se para o norte, em Nazaré da Galiléia.
Em resumo, o autor de Mateus reconta que Maria e José, originalmente da cidade de Belém, e ambos descendentes do Rei Davi, eram noivos quando a virgem Maria descobriu que estava grávida, e um anjo lhe escolheu o nome de Jesus para a criança. Maria dá a luz a Jesus entre 6 e 4 AEC, e José é avisado por sonho para fugir para o Egito para evitar uma chacina de crianças, e depois para não retornar para casa, mas sim emigrar para Nazaré na Galiléia.
Narrativa
Foi assim o nascimento de Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, mas, antes que se unissem, achou-se grávida pelo Espírito Santo. Por ser José, seu marido, um homem justo, e não querendo expô-la à desonra pública, pretendia anular o casamento secretamente.
Mas, depois de ter pensado nisso, apareceu-lhe um anjo do Senhor em sonho e disse: “José, filho de Davi, não tema receber Maria como sua esposa, pois o que nela foi gerado procede do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e você deverá dar-lhe o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados”.
Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor dissera pelo profeta: “A virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e lhe chamarão Emanuel”, que significa “Deus conosco”.
Ao acordar, José fez o que o anjo do Senhor lhe tinha ordenado e recebeu Maria como sua esposa. Mas não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho. E ele lhe pôs o nome de Jesus.
Depois que Jesus nasceu em Belém da Judéia, nos dias do rei Herodes, magos vindos do oriente chegaram a Jerusalém e perguntaram: “Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo”.
Quando o rei Herodes ouviu isso, ficou perturbado, e com ele toda Jerusalém. Tendo reunido todos os chefes dos sacerdotes do povo e os mestres da lei, perguntou-lhes onde deveria nascer o Cristo. E eles responderam: “Em Belém da Judéia; pois assim escreveu o profeta: “‘Mas tu, Belém, da terra de Judá, de forma alguma és a menor entre as principais cidades de Judá; pois de ti virá o líder que, como pastor, conduzirá Israel, o meu povo’”.
Então Herodes chamou os magos secretamente e informou-se com eles a respeito do tempo exato em que a estrela tinha aparecido. Enviou-os a Belém e disse: “Vão informar-se com exatidão sobre o menino. Logo que o encontrarem, avisem-me, para que eu também vá adorá-lo”.
Depois de ouvirem o rei, eles seguiram o seu caminho, e a estrela que tinham visto no oriente foi adiante deles, até que finalmente parou sobre o lugar onde estava o menino. Quando tornaram a ver a estrela, encheram-se de júbilo. Ao entrarem na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram. Então abriram os seus tesouros e lhe deram presentes: ouro, incenso e mirra. E, tendo sido advertidos em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram a sua terra por outro caminho.
Depois que partiram, um anjo do Senhor apareceu a José em sonho e lhe disse: “Levante-se, tome o menino e sua mãe, e fuja para o Egito. Fique lá até que eu lhe diga, pois Herodes vai procurar o menino para matá-lo”.
Então ele se levantou, tomou o menino e sua mãe durante a noite, e partiu para o Egito, onde ficou até a morte de Herodes. E assim se cumpriu o que o Senhor tinha dito pelo profeta: “Do Egito chamei o meu filho”.
Quando Herodes percebeu que havia sido enganado pelos magos, ficou furioso e ordenou que matassem todos os meninos de dois anos para baixo, em Belém e nas proximidades, de acordo com a informação que havia obtido dos magos.
Então se cumpriu o que fora dito pelo profeta Jeremias: “Ouviu-se uma voz em Ramá, choro e grande lamentação; é Raquel que chora por seus filhos e recusa ser consolada, porque já não existem”.
Depois que Herodes morreu, um anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito, e disse: “Levante-se, tome o menino e sua mãe, e vá para a terra de Israel, pois estão mortos os que procuravam tirar a vida do menino”. Ele se levantou, tomou o menino e sua mãe, e foi para a terra de Israel. Mas, ao ouvir que Arquelau estava reinando na Judéia em lugar de seu pai Herodes, teve medo de ir para lá. Tendo sido avisado em sonho, retirou-se para a região da Galiléia e foi viver numa cidade chamada Nazaré. Assim cumpriu-se o que fora dito pelos profetas: “Ele será chamado Nazareno”.
O Evangelho de Lucas
Como ocorreu o nascimento de Jesus de acordo com o autor do Evangelho de Lucas?
Para o autor de Lucas, a narrativa do nascimento de Jesus também era completamente central à sua mensagem, em contraste com o óbvio desinteresse do autor de Marcos, e semelhantemente ao autor de Mateus. Essa diferença de valores é ainda mais relevante quando se considera que o autor de Lucas copia o texto de Marcos palavra por palavra, sendo que aproximadamente 42% do texto do Evangelho de Lucas é literalmente copiado, palavra por palavra, de 79% do texto do Evangelho de Marcos.
O autor de Lucas também deixa, como o autor de Marcos, explícito que o nascimento de Jesus foi um ato milagroso, considerando que sua mãe engravidou d’Ele enquanto virgem. Ademais, o autor narra a milagrosa concepção da parenta de Maria, Isabel, com aquele que se chamaria João, conhecido como o Imersor.
O autor estabelece que José e Maria eram originalmente de Nazaré, na Galiléia, mas considerando que José era descendente do Rei Davi, e consequentemente, Jesus seria o herdeiro legal do trono de Davi. Jesus teria nascido entre os anos 6 e 7 EC¹¹, em Belém da Judéia. Para justificar essa mudança temporária da Galiléia à Judéia, o autor cria um censo por todo Império Romano¹² que teria forçado-os a ser recenseado lá, e Jesus nasce longe de Sua cidade familiar. Ao invés de magos do Oriente, Jesus é visitado por pastores da região, que são avisados por anjos. Ao invés de conflitos com o rei-cliente de Roma, Rei Herodes, ou chacina de todas as crianças com menos de 2 anos de idade na região de Belém, ou fuga e uma temporada no Egito, eles visitam Jerusalém e o Templo após 8 dias do Seu nascimento, onde são recebidos com profecias e adoração, e pacificamente retornam para a Galiléia.
Em resumo, o autor de Lucas reconta que Maria e José, originalmente da cidade de Nazaré, descendentes do Rei Davi, eram noivos quando a virgem Maria descobriu que estava grávida, e um anjo lhe escolheu o nome de Jesus para a criança. Eles se casam, mas precisam ir até Belém para preencher um censo inexistente, onde Maria dá a luz a Jesus entre 6 e 7 EC. Após 8 dias, ele viajam ao Templo de Jerusalém, onde são recebidos com adoração e profecias, e logo retornam em paz para o seu lar em Nazaré na Galiléia.
Narrativa
No tempo de Herodes, rei da Judéia, havia um sacerdote chamado Zacarias, que pertencia ao grupo sacerdotal de Abias; Isabel, sua mulher, também era descendente de Arão. Ambos eram justos aos olhos de Deus, obedecendo de modo irrepreensível a todos os mandamentos e preceitos do Senhor. Mas eles não tinham filhos, porque Isabel era estéril; e ambos eram de idade avançada.
Certa vez, estando de serviço o seu grupo, Zacarias estava servindo como sacerdote diante de Deus. Ele foi escolhido por sorteio, de acordo com o costume do sacerdócio, para entrar no santuário do Senhor e oferecer incenso. Chegando a hora de oferecer incenso, o povo todo estava orando do lado de fora.
Então um anjo do Senhor apareceu a Zacarias, à direita do altar do incenso. Quando Zacarias o viu, perturbou-se e foi dominado pelo medo. Mas o anjo lhe disse: “Não tenha medo, Zacarias; sua oração foi ouvida. Isabel, sua mulher, lhe dará um filho, e você lhe dará o nome de João. Ele será motivo de prazer e de alegria para você, e muitos se alegrarão por causa do nascimento dele, pois será grande aos olhos do Senhor. Ele nunca tomará vinho nem bebida fermentada, e será cheio do Espírito Santo desde antes do seu nascimento[b]. Fará retornar muitos dentre o povo de Israel ao Senhor, o seu Deus. E irá adiante do Senhor, no espírito e no poder de Elias, para fazer voltar o coração dos pais a seus filhos e os desobedientes à sabedoria dos justos, para deixar um povo preparado para o Senhor”.
Zacarias perguntou ao anjo: “Como posso ter certeza disso? Sou velho, e minha mulher é de idade avançada”.
O anjo respondeu: “Sou Gabriel, o que está sempre na presença de Deus. Fui enviado para lhe transmitir estas boas novas. Agora você ficará mudo. Não poderá falar até o dia em que isso acontecer, porque não acreditou em minhas palavras, que se cumprirão no tempo oportuno”.
Enquanto isso, o povo esperava por Zacarias, estranhando sua demora no santuário. Quando saiu, não conseguia falar nada; o povo percebeu então que ele tivera uma visão no santuário. Zacarias fazia sinais para eles, mas permanecia mudo.
Quando se completou seu período de serviço, ele voltou para casa. Depois disso, Isabel, sua mulher, engravidou e durante cinco meses não saiu de casa. E ela dizia: “Isto é obra do Senhor! Agora ele olhou para mim favoravelmente, para desfazer a minha humilhação perante o povo”.
No sexto mês Deus enviou o anjo Gabriel a Nazaré, cidade da Galiléia, a uma virgem prometida em casamento a certo homem chamado José, descendente de Davi. O nome da virgem era Maria. O anjo, aproximando-se dela, disse: “Alegre-se, agraciada! O Senhor está com você!”
Maria ficou perturbada com essas palavras, pensando no que poderia significar esta saudação. Mas o anjo lhe disse:
“Não tenha medo, Maria; você foi agraciada por Deus! Você ficará grávida e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, e ele reinará para sempre sobre o povo de Jacó; seu Reino jamais terá fim”.
Perguntou Maria ao anjo: “Como acontecerá isso, se sou virgem?”
O anjo respondeu: “O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a cobrirá com a sua sombra. Assim, aquele que há de nascer será chamado Santo, Filho de Deus. Também Isabel, sua parenta, terá um filho na velhice; aquela que diziam ser estéril já está em seu sexto mês de gestação. Pois nada é impossível para Deus”.
Respondeu Maria: “Sou serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a tua palavra”. Então o anjo a deixou.
Naqueles dias, Maria preparou-se e foi depressa para uma cidade da região montanhosa da Judéia, onde entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o bebê agitou-se em seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Em alta voz exclamou:
“Bendita é você entre as mulheres, e bendito é o filho que você dará à luz! Mas por que sou tão agraciada, ao ponto de me visitar a mãe do meu Senhor? Logo que a sua saudação chegou aos meus ouvidos, o bebê que está em meu ventre agitou-se de alegria. Feliz é aquela que creu que se cumprirá aquilo que o Senhor lhe disse!”
Então disse Maria:
“Minha alma engrandece ao Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, pois atentou para a humildade da sua serva. De agora em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada, pois o Poderoso fez grandes coisas em meu favor; santo é o seu nome. A sua misericórdia estende-se aos que o temem, de geração em geração. Ele realizou poderosos feitos com seu braço; dispersou os que são soberbos no mais íntimo do coração. Derrubou governantes dos seus tronos, mas exaltou os humildes. Encheu de coisas boas os famintos, mas despediu de mãos vazias os ricos. Ajudou a seu servo Israel, lembrando-se da sua misericórdia para com Abraão e seus descendentes para sempre, como dissera aos nossos antepassados”.
Maria ficou com Isabel cerca de três meses e depois voltou para casa.
Ao se completar o tempo de Isabel dar à luz, ela teve um filho. Seus vizinhos e parentes ouviram falar da grande misericórdia que o Senhor lhe havia demonstrado e se alegraram com ela. No oitavo dia foram circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome do pai, Zacarias; mas sua mãe tomou a palavra e disse: “Não! Ele será chamado João”.
Disseram-lhe: “Você não tem nenhum parente com esse nome”.
Então fizeram sinais ao pai do menino, para saber como queria que a criança se chamasse. Ele pediu uma tabuinha e, para admiração de todos, escreveu: “O nome dele é João”. Imediatamente sua boca se abriu, sua língua se soltou e ele começou a falar, louvando a Deus. Todos os vizinhos ficaram cheios de temor, e por toda a região montanhosa da Judéia se falava sobre essas coisas. Todos os que ouviam falar disso se perguntavam: “O que vai ser este menino?” Pois a mão do Senhor estava com ele.
Seu pai, Zacarias, foi cheio do Espírito Santo e profetizou:
“Louvado seja o Senhor, o Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo. Ele promoveu poderosa salvação para nós, na linhagem do seu servo Davi, (como falara pelos seus santos profetas, na antigüidade), salvando-nos dos nossos inimigos e da mão de todos os que nos odeiam, para mostrar sua misericórdia aos nossos antepassados e lembrar sua santa aliança, o juramento que fez ao nosso pai Abraão: resgatar-nos da mão dos nossos inimigos
para o servirmos sem medo, em santidade e justiça, diante dele
todos os nossos dias. E você, menino, será chamado profeta do Altíssimo, pois irá adiante do Senhor, para lhe preparar o caminho, para dar ao seu povo o conhecimento da salvação, mediante o perdão dos seus pecados, por causa das ternas misericórdias de nosso Deus, pelas quais do alto nos visitará o sol nascente, para brilhar sobre aqueles que estão vivendo nas trevas e na sombra da morte, e guiar nossos pés no caminho da paz”.E o menino crescia e se fortalecia em espírito; e viveu no deserto, até aparecer publicamente a Israel.
Naqueles dias César Augusto publicou um decreto ordenando o recenseamento de todo o império romano. Este foi o primeiro recenseamento feito quando Quirino era governador da Síria. E todos iam para a sua cidade natal, a fim de alistar-se.
Assim, José também foi da cidade de Nazaré da Galiléia para a Judéia, para Belém, cidade de Davi, porque pertencia à casa e à linhagem de Davi. Ele foi a fim de alistar-se, com Maria, que lhe estava prometida em casamento e esperava um filho.
Enquanto estavam lá, chegou o tempo de nascer o bebê, e ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.
Havia pastores que estavam nos campos próximos e durante a noite tomavam conta dos seus rebanhos. E aconteceu que um anjo do Senhor apareceu-lhes e a glória do Senhor resplandeceu ao redor deles; e ficaram aterrorizados. Mas o anjo lhes disse: “Não tenham medo. Estou lhes trazendo boas novas de grande alegria, que são para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor. Isto lhes servirá de sinal: encontrarão o bebê envolto em panos e deitado numa manjedoura”.
De repente, uma grande multidão do exército celestial apareceu com o anjo, louvando a Deus e dizendo: “Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens aos quais ele concede o seu favor”.
Quando os anjos os deixaram e foram para os céus, os pastores disseram uns aos outros: “Vamos a Belém, e vejamos isso que aconteceu, e que o Senhor nos deu a conhecer”.
Então correram para lá e encontraram Maria e José, e o bebê deitado na manjedoura. Depois de o verem, contaram a todos o que lhes fora dito a respeito daquele menino, e todos os que ouviram o que os pastores diziam ficaram admirados. Maria, porém, guardava todas essas coisas e sobre elas refletia em seu coração. Os pastores voltaram glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido, como lhes fora dito.
Completando-se os oito dias para a circuncisão do menino, foi-lhe posto o nome de Jesus, o qual lhe tinha sido dado pelo anjo antes de ele nascer. Completando-se o tempo da purificação deles, de acordo com a Lei de Moisés, José e Maria o levaram a Jerusalém para apresentá-lo ao Senhor (como está escrito na Lei do Senhor: “Todo primogênito do sexo masculino será consagrado ao Senhor”) e para oferecer um sacrifício, de acordo com o que diz a Lei do Senhor: “duas rolinhas ou dois pombinhos”.
Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão, que era justo e piedoso, e que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava sobre ele. Fora-lhe revelado pelo Espírito Santo que ele não morreria antes de ver o Cristo do Senhor. Movido pelo Espírito, ele foi ao templo. Quando os pais trouxeram o menino Jesus para lhe fazerem o que requeria o costume da Lei, Simeão o tomou nos braços e louvou a Deus, dizendo: “Ó Soberano, como prometeste,
agora podes despedir em paz o teu servo. Pois os meus olhos já viram a tua salvação, que preparaste à vista de todos os povos: luz para revelação aos gentios e para a glória de Israel, teu povo”.O pai e a mãe do menino estavam admirados com o que fora dito a respeito dele. E Simeão os abençoou e disse a Maria, mãe de Jesus: “Este menino está destinado a causar a queda e o soerguimento de muitos em Israel, e a ser um sinal de contradição, de modo que o pensamento de muitos corações será revelado. Quanto a você, uma espada atravessará a sua alma”.
Estava ali a profetisa Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era muito idosa; tinha vivido com seu marido sete anos depois de se casar e então permanecera viúva até a idade de oitenta e quatro anos. Nunca deixava o templo: adorava a Deus jejuando e orando dia e noite. Tendo chegado ali naquele exato momento, deu graças a Deus e falava a respeito do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém.
Depois de terem feito tudo o que era exigido pela Lei do Senhor, voltaram para a sua própria cidade, Nazaré, na Galiléia. O menino crescia e se fortalecia, enchendo-se de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele.
O Evangelho de João
Como ocorreu o nascimento de Jesus de acordo com o autor do Evangelho de João?
Para o autor de João, a narrativa do nascimento de Jesus era completamente irrelevante. Seu relato começa mencionando a existência divina de Jesus antes de Seu nascimento, e daí diretamente para João em Betânia (nunca chamado de João o imersor) pregando no deserto a eminência, existência, divindade, e supremacia de Jesus.
Narrativa
[Nada]
O “Evangelho” de Paulo
O Apóstolo Paulo de Tarso é universalmente aceito como a primeira fonte documentária do cristianismo e a primeira pessoa a escrever sobre Jesus. Embora não existam evidências que Paulo tenha escrito uma narrativa evangélica como os autores de Marcos, Mateus, Lucas, e João, ele deixou comentários sobre o nascimento de Jesus nas cartas que escreveu a seus conversos.
Paulo não mencionou nascimento virginal ou conceição imaculada, não mencionou Belém ou Nazaré, ou quaisquer contextos históricos. Para Paulo, os pontos relevantes do primeiro natal eram que Jesus teria “nascido de mulher” como judeu “debaixo da Lei” e ainda “descendente de Davi”, e ademais que Ele era “semelhante aos homens”.
“Narrativa”
… Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da Lei…
… sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens…
Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, o qual foi prometido por ele de antemão por meio dos seus profetas nas Escrituras Sagradas, acerca de seu Filho, que, como homem, era descendente de Davi, e que mediante o Espírito de santidade foi declarado Filho de Deus com poder, pela sua ressurreição dentre os mortos: Jesus Cristo, nosso Senhor.
Resumo
A testemunha histórica mais próxima, cronologicamente, ao nascimento de Jesus, Paulo, não atribuiu ao “primeiro natal” qualquer importância, recusando-se a discorrer sobre os seus detalhes milagrosos como visões, profecias, anjos, e concepção virginal. Pelo contrário, a única preocupação de Paulo é justamente demonstrar que o nascimento de Jesus fora comum e ordinário, como de qualquer outro ser humano.
Das quatro narrativas posteriores, popularmente aceitas como biográficas e canônicas, duas (i.e., Evangelho de Marcos e Evangelho de João) completamente ignoram os eventos em torno do “primeiro natal”, demonstrando ilustrar considera-los irrelevantes para a estória central de Jesus e Sua missão.
Dos dois que consideram os eventos do “primeiro natal” como relevantes (i.e., Evangelho de Mateus e Evangelho de Lucas), ambos relatam circunstâncias milagrosas como visões, anjos, e concepção virginal, porém discordam nas datas (por entre 10 e 14 anos de diferença), nas circunstâncias (para um, eles são originalmente de Belém e o parto é domiciliar, para outro eles são de Nazaré mas viajam à Belém e o parto é acidental e em um estábulo qualquer).
Portanto, quando se fala em “primeiro natal”, deveria-se falar em “primeiros natais”, e nenhum estudo da história do cristianismo pode evitar considerar e ponderar como e porque tais “primeiros natais” são tão distintos, e como isso representava as crenças dos cristãos dos primeiros séculos da Era Comum.
Notas
[1] É fato inconteste a relação literária entre os Evangelhos de Marcos, Lucas, e Mateus. Quem copiou quem e como esses autores conheciam e copiaram e alteraram uns os textos dos outros é uma área de pesquisa acadêmica conhecida como “O Problema Sinótico”. O consenso acadêmico abraço o conceito de “prioridade marcana” ou “prioridade de Marcos”, o que significa que acredita-se haver amplas evidências sugerindo que Marcos foi o primeiro texto a ser composto e que tanto Mateus como Lucas copiaram dele. Ademais, existe uma corrente convincente e crescente argumentando e demonstrando que Lucas conhecia e copiou Mateus, considerando que aproximadamente um quarto do Evangelho de Mateus aparece quase palavra por palavra para formar um quarto do Evangelho de Lucas. Com relação à produção literária do Evangelho de João, há duas correntes principais acadêmicas. Uma delas, outrora popular porém em franca obsolência nos últimos 50 anos, postula que João é uma produção independente, vinculada ao Cristianismo Gnóstico, que também produziria o Evangelho de Tomé e os Dizeres de Jesus. A outra, que vem ganhando progressivamente mais reconhecimento e angariando melhores evidências textuais, postula que João era inteiramente familiarizado com os demais Evangelhos, especialmente Marcos, e ainda com as Epístolas de Clementino e Valentino, ou ao menos suas comunidades.
[2] “Batista” não é um termo existente antes do cristianismo se apropriar dele. Essa transliteração vem da verbo original em grego βαπτίζω “baptizó“, que significa imergir. Quando João é citado nos textos do Novo Testamento como Ἰωάννης ὁ βαπτιστὴς “Ioannes ho Batistes” ele está sendo chamado, literalmente, como “João, o imersor”, ou “João, aquele que imerge”.
[3] Herodes, o Grande, faleceu em 4 AEC, o que necessariamente dataria o nascimento de Jesus, de acordo com a narrativa do Evangelho de Mateus, entre 6 e 4 AEC.
[11] Publius Sulpicius Quirinius, conhecido na história como Quirino, foi nomeado governador da Síria, e portanto sobre a província da Judéia, apenas em 6 EC, permanecendo até 12 EC, o que necessariamente dataria o nascimento de Jesus, de acordo com a narrativa do Evangelho de Lucas, após 6 EC. Ademais, Quirino ordenou um censo da Judéia em 6 EC.
[12] O censo da Judéia que ocorreu sob Quirino não envolveu a Galiléia, e não há nenhuma evidência de nenhum censo que abrangesse todo o Império Romano sob Augusto. Tampouco há qualquer evidência para a absurda e ilógica prática de realizar censos exigindo viagens aos lares “ancestrais”, o que diretamente contradiz todas as centenas de evidências de censos praticados pelos romanos, especialmente sob o Imperador Augusto.
Referências Bibliográficas
Coogan, Michael (ed.), ‘The New Oxford Annotated Bible with Apocrypha: New Revised Standard Version‘, 4a ed.
Ehrman, Bart, ‘The New Testament: A Historical Introduction to the Early Christian Writings‘, 5a ed.
Goodacre, Mark, ‘The Case Against Q: Studies in Markan Priority and the Synoptic Problem‘, 1a ed.
Levine, Amy-Jill (ed.), ‘The Jewish Annotated New Testament‘, 1a ed.
Metzger, Bruce, ‘The Oxford Companion to the Bible‘, 1993
Interessante essa aparente não concordância dos evangelhos somados a ausência de fatos históricos comprovados, como o caso do tal censo de César Augusto. Mas interessante também é como o autor de Lucas é detalhista em nomes e fatos relacionados ao nascimento de Jesus. De qualquer maneira eu fico no “quem viver verá”, pois até um tempo atrás também o nome de Pôncio Pilatos era ignonarado pela história, e diziam que isso era uma prova da inverccidade dos relatos evangélicos. No entanto, descobertas arqueológicas recentes revelaram que houve um governador romano chamado Pôncio Pilatos, num período relacionado com a história de Jesus. Como eu disse, quem viver verá. Ainda podemos nos surpreender.
Exatamente zero historiadores, nos últimos 2 mil anos, achava que “o nome de Pôncio Pilatos era ignorado pela história”, mencionado e documentado por historiadores romanos (Tácito) e judeus (Filo de Alexandria e Flávio Joséfo) da época.
Exatamente nenhum historiador argumentava que a inclusão do “nome de Pôncio Pilatos” era “uma prova da inveracidade dos relatos evangélicos”. O que demonstra claramente isso para historiadores é a invenção de que Pilatos libertaria um terrorista para aplacar os ânimos judeus, quando historiadores sabem que Pilato gostava de provocar os ânimos judeus e era absolutamente violento e inflexível com eles.
Se você está se referindo à inscrição da chamada “Pedra de Pilatos”, encontrada em 1961, a única questão que ela resolveu foi se Pilatos era estilizado formalmente como Prefeito ou Procurador. Governadores romanos antes eram prefeitos, e depois de 44 EC eram procuradores, e o título de Pilatos era incerto até a descoberta dessa inscrição, especialmente considerando que o historiador romano Tácito (56-120 EC) o citava como procurador.
Exatamente zero historiadores creem que o “tal censo de César Augusto” seja possível de ter ocorrido sem nenhuma evidência documentária ou arqueológica. Tratar-se-ia de um censo envolvendo todo o vasto Império Romano, com centenas de milhares de pessoas viajando para seus “lares ancestrais”, porém sem deixar nenhum rastro qualquer. Pilatos, um insignificante prefeito de uma insignificante, pobre, e periférica província na periferia, cujo mandato não durou mais que uma década e num período sem quaisquer eventos significantes para o Império, é citado por vários historiadores e é até documentado por um achado arqueológico. Quem acha que centenas de milhares de pessoas viajando pelo maior e mais organizado e literário império da Antiguidade não resultaria em nenhum rastro documentário, literário, ou arqueológico?
Sr Bencke
Acredito que o senhor desconhece o que vem a ser o Problema Sinótico e a Hipótese Documentária.
O “corpo governante” das testemunhas de jeová certamente não permite esse tipo de estudos para suas ovelhas.
Desde que me tornei Testemunha de Jeová, nunca fui desestimulado ou proibido recorrer a outras fontes de pesquisa que não fosse a fornecida pela organização. Isso nunca aconteceu comigo nem por parte dos anciãos e nem por parte do CG como uma diretriz para os membros. De qualquer forma, obrigado senhor Quintino pelas dicas do Problema Sinótico e a Hipótese Documentaria.
Vou correr atrás.
Abraço!
“essa aparente não concordância dos evangelhos”
Sr. Bencke,
O sr afirma que as discordâncias entre os evangelhos são apenas aparentes. Eu fiquei curioso agora por vê-lo solucionar essas “aparentes” discordâncias.
Só não vale fazer o que seus inspirados teólogos ortodoxos fizeram para solucionar as duas versões contraditórias da morte de Judas Iscariotes. Seus “eruditos” mestres afirmam que a cordinha em que Judas se enforcou se rompeu e ele caiu num precipício… Claro que isso não está no texto, mas ninguém precisa ser purista nessa hora, né?