Quais Membros Inativos Valem a Pena Recuperar?

O bom pastor abandona 99 ovelhas seguras para sair à procura daquela uma ovelha perdida, ensinou Jesus de acordo com um trecho do Novo Testamento.

ovelha

Uma membro da Igreja que recentemente afastou-se oferece pungente e inteligente introspeção sobre como seus líderes e correligionários de sua Ala reagiram à sua decisão de não participar das atividades da Igreja, oferecendo importante consideração sobre quais membros inativos a Igreja costuma buscar para resgatar de volta ao rebanho.

Eis seu texto, anônimo por sua solicitação expressa.

∼¤∼

Toda história tem começo, meio, e fim, e a minha, como a de tantos outros, não é lá muito diferente. Mas a única parte que realmente interessa neste texto é o fim.

Eu saí da Igreja SUD, como tantos outros, por descrença, por falta de paciência, e por cansaço de mais do mesmo. A única real diferença foi que, na época, a liderança decidiu que eu e minha família serviríamos de exemplo, no pior sentido da palavra.

Nossa saída foi um show de horrores e aqui faço uma pausa para situá-los sobre a minha condição social na época: mulher, 27 anos de idade, mãe de duas crianças pequenas, uma delas com frequentes crises de asma, morando de aluguel, casada, sobrevivendo trabalhando em subemprego,  e meu marido idem.

Nossos salários somados não chegavam a R$1.300,00, e ainda pagávamos R$350,00 de aluguel, R$300,00 de creche, com o restante dividido para pagamentos de contas, medicamentos. E é claro que, além da conta nunca fechar, o dízimo nunca era pago.

Portanto, é fácil de se perceber que não éramos particularmente amados pelo bispo e seus auxiliares. Nós frequentávamos uma ala que, dia a dia, via seu número de membros ativos decair, e eles precisavam de algo que provasse que, fora da igreja, não haveria nada além de dor e sofrimento, e foi aqui neste momento que saímos. Não foi de uma vez, ou combinado, mas começamos a não ir.

Um dia fomos chamados para uma conversa “amigável” com o bispado. Eu acho, hoje, que não deveríamos ter ido, mas há, em todo fim de ciclo, um medo internalizado de que aquela decisão poderia ser a errada, e sinceramente penso que internamente eu esperava, lembrando o contexto social em que vivíamos, palavras de incentivo, de amizade. Porém, como diria minha filha, “só que não”.

Criminosos tem um tratamento mais digno, eu posso lhes garantir. O bispo nos chamou para garantir que, se saíssemos, sairíamos de lá sentindo-nos pior do que a bactéria que vivia no cocô do cavalo de Napoleão.

A conversa já começou com questionamentos sobre o pagamento de dízimos e se pretendíamos pagar os dízimos atrasados. Prontamente, eu expliquei que nosso filho estava doente, ao que nos foi retrucado:

— O reino dos céus é para quem faz sacrifícios, irmã!

Após 40 minutos, a última frase/ameaça, e a mais importante, foi dita pelo bispo:

— Eu sei que vocês querem sair, mas saibam que vocês vão voltar, e será pela dor, e eu estarei aqui.

Eu sai de lá tão arrasada que não conseguia falar. Meu marido tentava me consolar, mas foram 10 anos da minha vida que de repente, puff, acabou…

Não, eu não acordei no dia seguinte disposta a vencer e a provar que eles estavam errados. Na verdade, eu estava aterrorizada pela possibilidade de eles estarem certos. E se o espírito tivesse realmente lhes sussurrado algo? E se eu perdesse o meu emprego? Meu cérebro me consumia em dúvidas e medos tão reais que, mero um mês depois, eu havia perdido 10 kg (eu meço 1,71m e cheguei a pesar 49kg). No primeiro mês, meu filho adoeceu, ficou internado por um mês inteiro, quase morreu, quase foi entubado, entrou desacordado no hospital. Minha mãe, que ainda frequentava, disse que havia pedido ao bispo uma oração, ao que ele prontamente respondeu:

— Eu avisei a eles.

No segundo mês, o aluguel aumentou, e o meu cérebro me dizia o tempo todo:

— Eles estavam certos, volta, você tá errada, vocês vão perder tudo.

No terceiro mês, minha mãe brigou com a gente por causa da Igreja. O bispo a aconselhou a se afastar de mim e do meu marido, e que se fosse possível, ela deveria pensar em pedir a guarda dos meus filhos, pois não éramos boas pessoas.

Nós saímos em julho, eu e meu marido nos inscrevemos no ENEM daquele ano, e pensamos em desistir, mas estava tudo tão ruim que pensamos: WTF, vamos lá marcamos uns X, e se colar, colou! Em novembro fizemos a prova, três meses após toda a confusão com o bispo. Assim que saímos do local de prova, minha avó me ligou, oferecendo a casa na qual uma das minhas tias morava, mas que estava vazia para morarmos. Fora a primeira vez que, em três meses, eu recebia uma boa noticia. No mesmo mês, meu marido trocou de emprego, começou a dar aulas em uma escola de línguas. Não era um mega-salário, mas já era bem melhor que o anterior.

Em janeiro saiu a nota do ENEM, e aqui eu posso garantir nossa vida realmente mudou: meu marido fez 690 pontos, e eu 800. Eu atualizava a página do MEC, por achar que a nota estava errada, muito errada. E ambos já sabíamos o que faríamos com essas notas. meu marido entrou para a UFMG, para cursar Letras. E eu fui para a PUC, com bolsa integral, para cursar Direito.

Saltemos adiante cinco anos para chegar ao ponto do texto: nós não voltamos, nem por amor, nem pela dor, mas nosso valor no mercado de ações SUD parece ter subido. Voltamos a ser convidados para noites familiares, festas, batismos. Eu acho que eu rejeito ao menos uma solicitação de amizade de membros no Facebook por dia. Meu marido trabalha hoje no setor internacional de uma grande empresa, e eu na maior universidade particular do estado. Nossos salários triplicaram nos últimos anos, estamos acima da média brasileira, e nos últimos cinco anos não ficamos desempregados nem um dia.

Nos tornamos o exemplo inverso do que inicialmente seríamos, ou o nosso bispo queria que fôssemos. E a minha pergunta é: existe um escore de quais membros inativos valem a pena e o esforço para trazer de volta?

Sempre vejo nos comentários no site Vozes Mórmons ou na página do Facebook da ABEM pessoas comentando que nunca foram procuradas, ou receberam ligações. O que as difere entre si?

Uma das minhas hipóteses é que a Igreja está decrescendo rápido, muito rápido, e precisa reverter esse quadro. A maioria dos lideres não possui empatia com o grosso dos congregantes: brasileiros, de baixa renda, negros ou pardos, de baixa escolaridade. Ou seja, como fazer com que o discurso de prosperidade cole se quem discursa sempre teve tudo? Quem já ouviu o pastor Silas Malafaia falando sobre andar de metrô ou ônibus cheios no Rio de Janeiro, com riqueza de detalhes, sabe como, para o fiel, isso cria um laço evidente. Se ele foi abençoado assim, pensa o fiel, eu certamente também serei.

A impressão que temos hoje é que a Igreja Mórmon está atrás de quem consiga também passar adiante esse discurso, e por isso a caça a membros que já chegaram perto da desgraça e que financeira (em especial) e socialmente ascenderam. O que é mais atraente? O preto pobre que caiu, mas com fé e perseverança voltou ao lar, que manteve os convênios e ascendeu? Ou quem sempre teve e manteve o status quo?

Eu não me tornei uma cética, acredito em Deus, porém não mais em religiões. Sempre me perguntam se eu realmente não voltaria, e minha resposta sempre é: se não há amor, não há dor que me obrigue.

Nós acreditamos que Deus nos amparou, e aquela famosa citação “Guardai-vos dos falsos profetas. Eles vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores.” passou-nos a fazer mais sentido. A Igreja quer novos falsos profetas, quer oradores que vendam seu discurso de fé e prosperidade.

Meu nome, o de meu marido, o de nossa cidade, deixemos de lado, porque é nossa história. Essa última parte, eu só conto para mostrar que há vida fora da igreja, que o mundo não acaba, que Deus não irá condená-los ao fogo eterno, que a vida continua, e quase sempre para melhor.


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30 comentários sobre “Quais Membros Inativos Valem a Pena Recuperar?

    • Uma história comovente, ao se colocar no lugar dessa pessoa e família, não tem como não se sensibilizar.
      Porém há algumas considerações a serem feitas. Não sobre a pessoa, e sim ao tema do artigo e como foram colocadas algumas afirmações.

      Primeiro: isso não aconteceu recentemente (sei que isso não muda o que aconteceu), como está no início do artigo, dando a entender que isso aconteceu há poucas semanas ou meses.

      Segundo: não existe um score de quem deve ser reativado, ainda mais por conta da situação financeira. Todas as pessoas são importantes dentro de uma ala. E não é feito somente pelo bispado, tem as organizações envolvidas, principalmente a obra missionária.
      O discurso de prosperidade existe, com o objetivo de sustento pessoal e familiar, serviço e preparação para tempos difíceis. A igreja é conhecida por ter pessoas muito bem sucedidas, com histórias parecidas com essa, de origem humilde, e isso é reconhecido e honrado. Assim como aqueles humildes, que se esforçam todos dos dias, sendo fiéis no acreditam, mesmo em tempos tão difíceis.

      Terceiro: não pode generalizar a ideia que a ‘liderança da igreja’ age assim, por conta de comportamento de alguns bispos (líder da ala) e seus conselheiros (liderança). As pessoas sempre querem a perfeição daqueles que estão na liderança local. Estamos lidando com homens e mulheres, tão imperfeitos como eu e você, mas com cargos que exigem deles o melhor, não o perfeito, o que é impossível de ser alcançado, na minha opinião. Existem vários relatos nas escrituras sobre isso. Não justificando a atitude do bispo. Mas será que nos 40 min de conversa, se resume somente ao relato?

      Quarto: o mais atraente para a Igreja é aquela pessoa que se esforça em viver os ensinamentos de Jesus Cristo, sabendo que todos são imperfeitos. E sim, existe uma vida fora da Igreja, que se chamada mundo. E todos vivemos nele, e esse mundo existe para todos nós.

      Eles estão de parabéns por tudo o que conquistaram. Acredito que Deus sempre honrará aqueles que buscam o melhor para si e para outros, porque Ele é justo. ‘E quando recebemos uma bênção de Deus, é por obediência à lei na qual ela se baseia’ (D&C130:21).

      • Vamos lá: Não, os 40 min não se resumem a isso. Esses foram os primeiro vinte, sobre quando e se nós acertaríamos os dízimos atrasados, e o final, sobre a nossa dolorosa volta,com dor e ranger de dentes. Mas tivemos ao menos 15 minutos sobre o pagamento dos dízimos atuais. Ah e uma piadinha sobre os nossos empregos, tanto eu e meu marido já falávamos inglês na época, e o bispo frisou como o filho dele teria um emprego melhor do que o nosso, mesmo que falássemos três idiomas, hoje meu marido fala 03 indo para a 4°, e uma negativa de apresentação de nossos filhos, eles não poderiam ser apresentados como todas as outras crianças, mesmo que não tenhamos pedido, ele fez questão de deixar bem claro, que eles não seriam apresentados. Nunca foi a intenção nos manter na ala, nunca, tanto que como dito no texto um de nossos filhos estava muito doente, e em momento algum nenhuma pergunta foi feita sobre o estado de saúde dele,ou a oferta de visita. Eu não esperava perfeição, mas humanidade, é diferente.
        E engraçado, em todos os comentários de membros que leio, nenhum toca no principal, nos cinco anos anteriores nunca nos procuraram, nunca. Nos últimos meses passamos a merecer a salvação eterna? Nos tornamos dignos agora do reino celestial? Agora que temos plano de saúde? Agora que podemos pagar por almoços em bons restaurantes? Mas não quando nosso filho ficou internado no SUS, comigo dormindo no chão? Se você acredita nisso, eu te dou os parabéns.
        Nunca pedi ajuda da igreja, e nunca me foi oferecida, eu entendia que se eu não pagava o dizimo não fazia jus a ajuda, então a defesa de alguns membros de que talvez a fonte tenha secado, não se justifica,eu frisei bem o prouni para que não restasse dúvidas que eu devo mais ao Estado, do que a igreja . Queriam um exemplo e contavam que realmente fossemos fracassar. Como não voltamos pela dor, agora então resolveram mostrar como são clementes? Desculpe amigo, mas é um raciocínio ilógico. Não sei se a maioria dos lideres são assim, nunca fui em todas as alas para descobrir, mas sei pelas mensagens que tenho lido que é um número razoável, já que as histórias parecem se repetir com certa frequência.
        Ao invés de questionar se os 40 minutos foram só isso, a pergunta talvez fosse, porque começou assim?
        Sim, vivemos no mundo, e como diria Fernando Pessoa em um de seus melhores poemas,Poema em linha reta: “Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?Ó príncipes, meus irmãos,Arre, estou farto de semideuses!” Dói ouvir que um líder teve como único espirito, o de um porco, eu imagino que isso possa mexer com os brios,mas como eu disse é minha história.E ou vocês membros e líderes param com essa fé cega que teima em não aceitar criticas,e a não consertar os erros e se tornam verdadeiros discípulos de Cristo e não projetos de semideuses, ou a igreja falhará desgraçadamente em sua missão.
        Espero ter esclarecido suas dúvidas.

  1. Isso acontece muito não só com vocês, esses “líderes” são os verdadeiros lobos em pele de cordeiro, minha vida só melhorou depois que saí, é só correr atrás e vai dar certo, eles amam saber que nossa vida está uma droga só pra dizer que isso é culpa da nossa saída da igreja, sorte na sua vida!

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