O lema, copiado de um trecho do Novo Testamento, da Sociedade de Socorro, organização de mulheres apoiada por Joseph Smith em sua fundação em 1842, é “a caridade nunca falha”.

‘Cristo Curando o Doente em Betesda’ por Carl Heinrich Bloch (1883)
Uma membro da Igreja que recentemente serviu como presidente voluntária da Sociedade de Socorro em sua ala oferece pungente e inteligente introspeção sobre como essa lema norteia o dia-a-dia da organização em suas raízes locais.
Eis seu texto, anônimo por sua solicitação expressa.
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Certa vez, como presidente da Sociedade de Socorro, em uma reunião com a presidência da estaca, fui questionada quanto às ações para autossuficiência. Disse que acabara de ser chamada, mas que tinha vários projetos em mente para auxílio ao próximo.
Recebi a seguinte resposta:
“A Igreja não é casa de caridade, para esses casos deve-se procurar os órgãos públicos.”
Me controlei, pois não argumento com quem já está decidido a ter a palavra final independente do que eu possa vir a dizer, então nem perdi meu tempo. Mas fiquei indignada, pois o lema da Sociedade de Socorro literalmente é “a caridade nunca falha”, porém talvez nos tenha faltado o complemento “desde que não seja feita pela Igreja verdadeira”.
Sarcasmo à parte, durante todo o tempo que servi na presidência da Sociedade de Socorro, todos os meus projetos foram refutados, em asilos, bolsas maternidades, hortas comunitárias, integração igreja-sociedade, etc. Consequentemente, pedi desobrigação do cargo pois as reuniões de comitê eram apenas sobre festas juninas, festas de natal, festas de aniversariantes do mês, etc., e eu me senti muito mal com isto, e era frequentemente interpretada como recalcada e como uma mulher querendo tomar a frente do sacerdócio, etc.
Estou lendo a edição de A Liahona de setembro que recebi hoje, vejo o artigo “Praticar a Religião Pura”, onde é citada a passagem de Alma 34:28, que diz:
“[S]e negardes ajuda aos necessitados e aos nus e não visitardes os doentes e aflitos nem repartirdes o vosso sustento, se o tendes, com os que necessitam — digo-vos, se não fizerdes qualquer destas coisas, eis que vossa oração é vã e de nada vos vale e sois como os hipócritas que negam a fé.”
Ponderei essas palavras, pois estou inativa há cerca de 1 mês e meio, e amo muito a Igreja, mas me dói ir e não ver as boas obras. Por exemplo, qual programa a cúpula da igreja instituiu para o auxílio aos órfãos? No máximo lemos um discurso, mas cadê a implementação de um programa como o da caravana ao templo, ou os acampamentos para jovens, etc., ou algo que mova os líderes locais a focarem em projetos do tipo? Sinceramente desconheço.
Auxílio às viúvas? Bom, a Igreja Católica aqui na minha cidade vai a cada 15 dias realizar atividades nos asilos. Enquanto isso, a Igreja Verdadeira… CRICRICRI
Auxílio aos necessitados? Uma outra igreja aqui no final do ano arrecadou alimentos para a ceia de natal dos moradores de rua no dia 23/12. Enquanto isso, a Igreja Verdadeira… CRICRICRI
A igreja doou 3 milhões de dólares para a construção de uma área para rodeio e a mesma quantia para os refugiados. Só na Jordânia há mais de 1,5 milhão de refugiados, e assim isso daria menos de 3 dólares por pessoa. Isso considerando se o dinheiro fosse realmente para eles.
Vejo na Igreja uma espécie de “falsa caridade”, atividades que “integram” as pessoas mas efetivamente não edificam a alma com o auxílio ao próximo como a pura religião. O que mais me dói é que não consigo visualizar Cristo em uma reunião com Seus Apóstolos destinando rios de dinheiro para construção de prédios comerciais, ou shoppings de luxo, ou arenas de rodeio, limpando o tempo para realizar o “devocional das Olimpíadas” e ainda classificar isto como um “milagre”¹!
Não, não consigo ver o Salvador, o Homem que literalmente disse “vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e… vem e segueme”, juntando ações na bolsa de valores e propriedades imobiliárias, e realizando eventos custosos, enquanto milhões sofrem.
Quem sabe se Ele não viu que não deu muito certo para igreja o voto de pobreza e decidiu mudar de estratégia, evitando a morte de apóstolos e mais uma grande apostasia?
Eu detesto polêmicas e discussões agressivas sobre política e religião e sempre leio seus artigos, então por gentileza caso queiram fazer um artigo sobre isto, não mencionem meu nome.
Obrigada pelo trabalho de vocês, que colocam em debate para esclarecer e levar ao conhecimento informações às quais nem todos têm acesso, e que erroneamente são interpretadas como apostadas por pessoas que, a meu ver, estão apenas condicionadas e acostumadas a uma resposta padrão, onde pensar fora da caixa é simplesmente rebelião e questionar é insubordinação.
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Comentários de Chieko Okazaki, da Presidência Geral da Sociedade de Socorro, sobre os bastidores de sua liderança
NOTA
[1] Referindo-se ao milagre mencionado no dia da devocional dos jovens sobre as Olimpíadas, onde eles falam que foi um milagre o Senhor ter limpado o tempo para que pudesse filmar o devocional.
Belo texto, a igreja sud é boa em ensinar, mas colocar em prática é outra coisa.
Sim, falta caridade, falta amor ao próximo, falta respeito pela diversidade e diferenças.
Me lembro de ter participado de reuniões com bispado quando fui líder e ouvir atrocidades. Entre elas:
O Bispo falando mal de alguns meninos que viviam na favela e que ele não queria aquelas crianças piolhentas na igreja.
Ouvi presidente da soc-soc pedindo auxilio para uma irmã carente e o bispo negando e a irmã chorar na reunião.
Vi fofoca e risada de membros tirando sarro de outros.
Vi mentiras sendo contadas, coisas pessoais sendo ditas nessa reunião que deveria ser mantido em sigilo.
Uma coisa é pregar a caridade outra é fazer caridade. Conheço alguns membros maravilhosos que ajudam por conta própria. Mas a grande maioria só pensa em si mesmo.
Todo mundo manda e desmanda e parece que o dono não manda em nada. Ou seja, será mesmo que a Igreja tem um dono chamado Jesus Cristo?
Aqui na minha cidade também vi coisas horrendas, com relação às constantes reformas de capelas e templos. Sempre exageros. Aí vinha um coitado pedir para meu líder na época pagar uma fatura de energia elétrica, era um sofrimento às vezes. Eles até podem fazer o pagamento, mas devido as restrições da igreja, de burocracia, às vezes não pagava.
Enquanto isso, algum esperto Presidente de Missão, Área, Setentas, viajavam pelo mundo de avião, hospedavam-se em hotéis 5 estrelas com o mesmo dinheiro dos trouxas que pagavam o dízimo.