Baleias São Cristãs?

Muitas pessoas, especial e conspicuamente líderes religiosos, acreditam que para ser uma pessoa moral, ética, ou boa é necessário ser religiosa.

Ensinamentos religiosos como os de Jesus, focados em conceitos, presentes em praticamente todas as religiões e filosofias na Antiguidade, básicos de altruísmo como “façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam” fundamentam a crença que religião forma o cerne do que é bom e moral na humanidade.

Mas seriam tais comportamentos altruísticos realmente uma função exclusiva ou predominante do pensamento religioso, ou um subproduto da própria natureza humana?

Baleia

Convidamos a cientista Tracey Rogers para explicar como um outro mamífero exibe esse comportamento, mais cristão de todos, natural e instintivamente:

Um grupo de orcas está na caça. Elas trabalham juntos para submergir e afogar um filhote de baleia. Mas, em seguida, mais baleias aparecem.

As baleias jubartes recém-chegadas soam uma chamada como um tipo de trombeta, e manejam suas nadadeiras peitorais de cinco metros de comprimento como espadas contra as orcas à caça.

As orcas são afastadas do filhote e as jubartes também se afastarm. Quando o fazem, as orcas voltam e avançam no filhote de baleia mais uma vez. Em resposta, as jubartes fazem a volta e retornam em defesa do filhote.

As jubartes se posicionam perto do filhote, entre ela e as orcas, potencialmente colocando-se em perigo direto.

Esse processo continua e se repete por muitas horas, mas não se trata de um filhote de sua própria espécie, mas sim um filhote de baleia cinzenta.

Esse não é um caso isolado. Robert Pitman, da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica nos EUA, e seus colegas relatam mais de 100 incidentes em que as baleias jubarte se aproximaram ou ativamente intervieram nas tentativas de caça de orcas.

Surpreendentemente, a maioria destes têm envolvido tentativas de predação sobre outras espécies, tais como focas, outras baleias ou até mesmo peixes.

A pergunta é: por que essas baleias jubarte colocar-se-iam em perigo interpondo-se entre um dos seus poucos predadores – orcas – e um indivíduo de uma espécie completamente diferente?

Uma mão lava a outra…

O comportamento altruísta é um dos mais difíceis de explicar em termos evolutivos. Em um contexto biológico, o altruísmo se refere aos casos em que o comportamento de um indivíduo fornece um benefício a outro indivíduo a um custo para si.

Ele não precisa ser tão dramático como se jogar sobre uma granada, mas até se colocar em uma pequena desvantagem poderia prejudicar suas chances de sobreviver e se reproduzir.

E se eles não se reproduzem, então tampouco os genes que incentivaram o indivíduo a ser altruísta. É por isso – todas as coisas sendo iguais – que seria de esperar que genes altruístas desapareceriam lentamente de uma população ao longo de várias gerações.

Mas há casos de comportamento altruísta na natureza, particularmente entre grupos estreitamente relacionados. Um exemplo disso é um indivíduo suricata que chama para alertar seu grupo para a presença de um predador, especialmente considerando que esta chamada pode tornar o predador mais propenso a notar a suricata vigilante.

Este tipo de comportamento pode evoluir e manter-se estável em uma população devido a um processo chamado seleção de parentesco. Isto é porque a suricata está intimamente relacionada com os outros membros do seu grupo, de modo que partilha muitos genes com eles. Mesmo se ele acabar se sacrificando, se isso ajuda seus parentes a sobreviver, eles também podem transportar os genes que incentivam o altruísmo.

Outros casos de altruísmo na natureza são suportados por reciprocidade: uma mão lava a outra.

Um exemplo disso seria morcegos vampiros que compartilham refeições de sangue. Eles fazem isso no pressuposto de que o seu amigo lhe vai retribuir o favor em algum momento posterior.

No entanto, para que seleção de parentesco ou altruísmo recíproco evolua, é preciso haver um elevado nível de coesão social dentro do grupo.

Por exemplo, os indivíduos precisam ser capazes de reconhecer quem é um parente ou um amigo, e quem não é. Presumidamente, está-se menos propenso a colocar sua vida em risco por um parente distante ou por alguém que provavelmente não lhe retribuiria o favor.

Por isso, pode não ser surpreendente que uma mãe jubarte iria defender vigorosamente seu próprio filhote de ataques de orcas. Mas por que uma jubarte se aproximaria e se posicionaria entre orcas na caça e a prole de outra baleia?

Transbordamento

Como mencionado acima, se um indivíduo está propenso a se comportar de uma maneira que reduza a sua chance de sobreviver e se reproduzir, esperamos que os genes que promovam esse comportamento diminuam ao longo de gerações e eventualmente desapareçam da população. E mesmo se uma jubarte adulta põe-se em risco mínimo ao interferir com orcas, risco mínimo é mais do que o risco zero de evitar-los completamente.

Pitman e seus colegas acham que pode haver mais coesão social entre jubartes do que se pensava anteriormente, e seleção de parentesco e/ou altruísmo recíproco poderia estar exercendo influência.

Baleias jubarte individuais voltam para a mesma região para se reproduzir. Isto significa que há uma boa possibilidade de que jubartes estejam relacionadas com os seus vizinhos imediatos. Pitman sugere que isso significa que pode valer a pena a uma baleia jubarte ajudar outras jubartes para proteger seus filhotes de ataques de orcas.

No entanto, é mais complicado explicar altruísmo aparente dirigido a outras espécies. Pitman e seus colegas explicam que para a baleia jubarte, esta intervenção em nome de outras espécies é um comportamento de “transbordamento”. Eles sugerem que é uma extensão do “impulso” das baleias jubarte para proteger seus próprios filhotes.

Jubartes podem ter aprendido a responder às vocalizações de orcas à caça, que as estimula a conduzir as orcas para longe, independentemente da espécie sendo atacada.

Se esta tendência para afastar orcas sempre que estão atacando ajudou jubartes a proteger seus próprios filhotes, então os genes que promovem-na poderia ser mantidos na população, mesmo que outras espécies acabem se beneficiando às vezes.

Este comportamento altruísta interespécies pode ser altruísmo “inadvertido” [ou “sem querer”] – podendo até ser altruísmo no caso individual, mas é em última análise, impulsionado por auto-interesse.


Tracey Rogers é Professora Associada no Departamento de Evolução e Ecologia da Universidade de New South Wales na Austrália, especializada em ecologia mamífera.

Artigo original publicado aqui, exceto introdução. Reproduzido com permissão.

The Conversation

4 comentários sobre “Baleias São Cristãs?

  1. Excelente artigo. Numa perspectiva evolutiva, as baleias são animais semi-humanos.

    Segundo os religiosos, o desaparecimento da fé nos deuses criados pelas religiões levaria as pessoas a se permitirem todo tipo de abuso e maldade. Porém, quando se considera que as religiões conduzem ao antiuniversalismo, à manipulação em massa, à institucionalização da dependência, ao engano parapsíquico, ao discurso totalitário e à violência, o jogo se inverte e a religião é quem passa a causar mais problemas morais no mundo.

    Para Sigmund Freud a religião é uma expressão da infantilidade humana, o desejo reprimido originado no desamparo da criança.

    No entanto, o ponto mais criticável no ateísmo é a absoluta redução que este faz da consciência humana à matéria.

    Deus é egocêntrico? Se o deus judaico-cristão e os demais seres considerados superiores pelas outras religiões fossem realmente evoluídos, não seria mais lógico que estimulassem os seres humanos à autonomia moral da consciência, no lugar de exigir adoração e louvores para si mesmo?

  2. Tolicionário Cristológico. O “tolicionário” abaixo resume toda a problemática da religião. Não tem a intenção de ofender ou chocar os devotos de Jesus. Não supõe, ademais, que as frases citadas sejam do Jesus histórico, o que seria ingenuidade, mas refere-se aos ensinamentos falaciosos atribuídos a Cristo, entendido aqui como o mito construído por gerações de seguidores e documentados nos evangelhos (e diferente, portanto do Jesus histórico). O mais provável é que Jesus não tenha atribuído a si mesmo a condição divina. Entretanto, tamanha idealização da sua imagem, feita pelas gerações posteriores devem ter encontrado alguma base na pregação original do Nazareno (demagogia, fanatismo apocalíptico, taumaturgia…) O fato é: o que temos documentado (Novo testamento) é a produção do mito. O homem por trás do mito (Jesus histórico) é desconhecido e 250 anos de pesquisas cristológicas não trouxeram informação histórica suficiente.

    1. Fanatismo religioso. Jesus foi, no princípio da vida pública, seguidor de João Batista, fanático visionário anunciador do Juízo Final. Exigia dos seus ouvintes fidelidade incondicional às suas ideias.
    2. Demagogice. Exalta o sofrimento e a pobreza. Aceita e fomenta a adoração do povo simples, além das entusiasmadas aclamações de “rei de israel”.
    3. Terceirização das escolhas existenciais. Promove a dependência radical a si mesmo e ao “Pai”.
    4. Infantilismo. Exalta a condição da menoridade da consciência: Se não vos fizerdes como criancinhas… como pintinhos….
    5. Coerção psicológica. Ameaça os ouvintes com o inferno.
    6. Intolerância. Não admite oposição às suas ideias.
    7 Antipacifismo. Prega a paz em alguns momentos e insufla a violência em outros
    8. Amor condicional e sectário. Embora muitos interpretem o amor ensinado por Jesus como incondicional, por vezes o amor defendido pelo nazareno é condicional a que o obedeçam e adorem.
    9. Autoengano psíquico. Atribui suas curas e outros fenômenos extrassensoriais ao poder de “Deus”.
    10 Repressão da sexualidade. Embora não se diga explicitamente celibatário, Jesus exigia total afeto dos discípulos, arrancando-os de suas famílias.
    11. Autolatria. Jesus atribui a si mesmo a condição divina.
    12. Antiuniversalismo. “Quem não é comigo é contra mim.”
    13. Arrogância. Os supostos valores superiores trazidos por Jesus são impostos aos ouvintes. “Quem não perdoar será castigado”
    14. Ética deficitária. A ética da reciprocidade ensinada por Jesus assenta no fundamento da ação moral na sensibilidade pessoal.
    15. Autocídio. O desejo de tornar-se o salvador levou-o a uma situação de causar sua própria morte.

    Extraído de: “Onde a religião termina?” autor: Marcelo da Luz.

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