Em 1998, Lee Strobel, um repórter para o jornal Chicago Tribune e advogado pela Universidade de Yale, publicou o livro entitulado “Em Defesa de Cristo” (com o subtítulo descritivo “a investigação pessoal de um jornalista das evidências a favor de Jesus”). Strobel reconta haver sido ateu até ser compelido pela conversão de sua esposa ao cristianismo evangélico a tentar refutar as principais asserções cristãs sobre Jesus.
Central entre tais asserções está a historicidade da ressurreição de Jesus, porém outras delas incluem as crenças que Jesus é literalmente o Filho de Deus e a acurácia dos escritos do Novo Testamento. Strobel, contudo, encontrou-se incapaz de refutar tais asserções satisfatoriamente, e ele também se converteu ao cristianismo. Seu livro tornou-se um dos maiores bestsellers (i.e., mais vendidos) na categoria de apologética cristã (isto é, a defesa da razoabilidade e acurácia do Cristianismo) de todos os tempos.
Ontem, 7 de abril, estreiou [nos Estados Unidos] uma adaptação a filme de longa metragem entitulado “Em Defesa de Cristo”. O filme tenta estabelecer um argumento convincente para a historicidade da ressurreição de Jesus. Como diz um personagem para Strobel no começo do filme, “se a ressurreição de Jesus nunca ocorreu, então [a fé cristã] é um castelo de cartas”.

O Novo Testamento (Foto: Ty Muckler)
Como um professor de estudos religiosos especializado no Novo Testamento e no Cristianismo primitivo, eu postulo que tanto o livro de Strobel, como sua adaptação cinematográfica, foram incapazes de provar a historicidade da ressurreição de Jesus por diversos motivos.
Os argumentos de Strobel são todos relevantes?
O filme afirma que seu foco central está nas evidências para a historicidade da ressurreição de Jesus. Vários de seus argumentos, porém, não tem qualquer relevância direta a esse tópico.
Por exemplo, Strobel deposita muita importância no fato que existem mais de 5 mil manuscritos em grego do Novo Testamento, muito além de qualquer outro texto da antigüidade. Ele o faz de modo a argumentar que nós podemos ter a certeza de que as formas originais dos escritos do Novo Testamento nos foram transmitidas acuradamente. Enquanto essa quantidade de manuscritos possa parecer impressionante, a maioria destes é relativamente recente, muitos dos quais datam do século 10 ou ainda mais recente. Menos que 10 manuscritos em papíro do segundo século existem, e a maioria destes apenas em fragmentos.
Eu certamente concordaria que estes manuscritos mais antigos nos fornecem com uma relativa boa noção de como seriam as formas originais dos textos do Novo Testamento. Contudo, mesmo que essas cópias do segundo século fossem acuradas, tudo o que teríamos seriam escritos do primeiro século que afirmam que Jesus fora levantado dos mortos. Isso em nada prova a factual historicidade desta ressurreição.
O que os escritos do Novo Testamento provam?
Um dos principais argumentos do filme vem de um dos textos do Novo Testamento conhecido como 1 Coríntios, escrito pelo Apóstolo Paulo a um grupo de cristãos na cidade de Corinto, para abordar algumas controvérsias que haviam surgido naquela comunidade. Estima-se que Paulo tenha escrito esta carta em torno do ano 52, uns 20 anos após a morte de Jesus. Em 1 Coríntios 15:3-8, Paulo oferece uma lista de pessoas a quem o ressurrecto Jesus apareceu.
Entre essas testemunhas do Jesus ressurrecto estavam o Apóstolo Pedro, Tiago o irmão de Jesus, e, mais intrigante, um grupo de mais de 500 pessoas ao mesmo tempo.Muitos acadêmicos opinam que Paulo está aqui citando um credo cristão mais antigo, que talvez tenha se originado de apenas alguns anos após a morte de Jesus.
Essa passagem nos ajuda a demonstrar que a crença que Jesus foi levantado dentre os mortos se originou precocemente na história do cristianismo. Certamente, a maioria dos acadêmicos do Novo Testamento não disputaria que alguns dos seguidores de Jesus criam que haviam visto-o vivo apenas algumas semanas ou meses após sua morte. Por exemplo, Bart Ehrman, um proeminente acadêmico do Novo Testamento que é publicamente aberto sobre seu agnosticismo, escreveu:
“O que é certo é que os seguidores mais antigos de Jesus acreditavam que Jesus havia voltado à vida, corporeamente, e este era um corpo que teria características corpóreas reais: Podia ser visto e tocado, e tinha uma voz que podia ser ouvida.”
Isso não prova, contudo, de forma alguma que Jesus foi ressuscitado. Não é incomum que pessoas vejam seus entes queridos já falecidos: Em um estudo de quase 20 mil pessoas, mais de 13% relatou ver ou ter visto os mortos. Há uma gama de explicações racionais para esse fenômeno, desde exaustão física ou emocional causadas pela morte do ente querido, até a crença que alguns aspectos da personalidade humana são capazes de sobreviver a morte corpórea.
Em outras palavras, as visões do Jesus ressurrecto não são tão especiais como Strobel tenta sugerir.
Milagre ou não?
Mas o que dizer das 500 pessoas que viram o Jesus ressurrecto ao mesmo tempo?
Em primeiro lugar, acadêmicos bíblicos não conseguem localizar o evento ao qual Paulo está referindo aqui. Alguns sugeriram que trata-se de uma referência ao “dia dos Pentecostes” (Atos 2:1), quando o Espírito Santo deu à comunidade cristã em Jerusalém a habilidade sobrenatural para falar em línguas desconhecidas. Porém um acadêmico proeminente sugeriu que este evento foi adicionado à lista de aparições da ressurreição por Paulo, e que suas origens ainda são desconhecidas.

Mural em mosaico da Capela da Ressurreição na Catedral Nacional em Washington, D.C. (Foto: Tim Evanson)
Em segundo lugar, mesmo que Paulo estivesse relatando o evento acuradamente, ele não seria em nada diferente dos grandes grupos de pessoas que testemunharam visões concomitantes da Virgem Maria ou de OVNIs. Embora os mecanismos exatos para tais alucinações coletivas ainda permanecem incertas, eu duvido muito que Strobel consideraria a todos tais eventos como ocorrências factuais.
Strobel também argumenta que a ressurreição é a melhor explicação para o fato da tumba de Jesus estar vazia na manhã da Páscoa. Alguns acadêmicos questionam quão antiga é a narrativa da tumba vazia. Há considerável volume de evidências que os romanos costumeiramente não removiam as vítimas das cruzes após suas mortes. Portanto, é possível que a crença na ressurreição de Jesus surgiu primeiro, e que a estória da tumba vazia se originou apenas quando os primeiros críticos do cristianismo articularam dúvidas sobre a veracidade dessa asserção.
Mas mesmo que assumamos que a tumba estivera realmente vazia aquela manhã, o que há para se provar que houve um milagre e não que o corpo de Cristo fora removido por motivos incertos? Milagres são, pela própria definição do termo, eventos extremamente improváveis, e eu não vejo nenhuma razão para se assumir que ocorreu um milagre quando existem outras explicações muito mais plausíveis.
Quem são os experts?
Além de todas essas falhas na apresentação de Strobel, eu creio que ele não fez nenhum esforço para tentar levantar ou citar a enorme diversidade de visões acadêmicas.
No filme, Strobel atravessa todo o país, entrevistando acadêmicos e outros profissionais sobre a historicidade da ressurreição de Jesus. O filme não explica como Strobel escolheu a quais experts entrevistar, mas em seu livro ele os caracteriza como “acadêmicos proeminentes e autoridades com credenciais acadêmicos impecáveis.”
Contudo, os 2 acadêmicos bíblicos citados e entrevistados no filme, Gary Habermas e William Lane Craig, ambos ensinam em instituições (Liberty University e Biola University, respectivamente) que exigem que seus docentes assinem declarações afirmando crer que a Bíblia é inspirada por Deus e livre de quaisquer contradições, erros históricos, ou falhas morais. Por exemplo, o formulário de inscrição para corpo docente da Liberty University exige a aceitação por escrito do seguinte credo:
“Nós afirmamos que a Bíblia, tanto o Velho como o Novo Testamentos, embora escritos por homens, foi inspirada por Deus de maneira sobrenatural, de modo que todas as suas palavras constituem verdadeira revelação escrita de Deus; É, portanto, inerrante nos originais e autoridade final em todos os assuntos.”
A maioria esmagadora dos acadêmicos bíblicos profissionais lecionando nos Estados Unidos e além-mar não é obrigada a assinar tais afirmações de fé. Muitos dos outros acadêmicos que ele entrevista em seu livro mantém filiações profissionais similares. Assim, Strobel citou apenas uma minúscula porção da gama de acadêmicos que absolutamente não é representativo do campo como um todo. (Eu estimo que haja algo em torno de uns 10 000 acadêmicos bíblicos profissionais globalmente.)
Em uma resposta via email à minha pergunta sobre se a maioria dos acadêmicos bíblicos achariam convincentes seus argumentos a favor da historicidade da ressurreição de Jesus, Strobel escreveu:
“Como você sabe, há bastante acadêmicos credenciados que concordariam que as evidências para a ressurreição são suficientes para determinar sua historicidade. Ademais, o Dr Gary Habermas elaborou um argumento convincente de “fatos mínimos” pela ressurreição que utiliza apenas evidências que praticamente todos os acadêmicos aceitariam. No frigir dos ovos, cada pessoa deve chegar a sua própria conclusão sobre a questão de Cristo. Muitas coisas influenciam como cada um enxerga as evidências – incluindo, por exemplo, se ele ou ela tem um viés anti-sobrenatural.“
Nenhuma evidência convincente

Cruz Pascoal no Monte Soledad & Memorial aos Veteranos, em San Diego, California (Foto: Sharon)
Em resposta a Strobel, eu diria que se ele tivesse perguntado a acadêmicos lecionando em universidades públicas, faculdades e universidades particulares (muitas das quais com filiação religiosa também) ou seminários religiosos, ele chegaria a um veredito muito diferente sobre a questão da historicidade da ressurreição.
Apologistas cristãos costumam dizer que a principal razão porque acadêmicos seculares não afirmam a historicidade da ressurreição é que eles sofrem de um “viés anti-sobrenatural”, assim como Strobel fez na citação acima. Nesta caracterização, acadêmicos seculares simplesmente se recusam a crer que milagres possam ocorrer, e essa postura significa que eles nunca aceitarão a historicidade da ressurreição, independente da quantidade de evidências que sejam demonstradas. Contudo, apologistas como Gary Habermas, eu contesto, sofrem igualmente do mesmo viés anti-sobrenatural quando se discute as asserções milagrosas além do cristianismo primitivo, como aqueles envolvendo posteriores santos católicos ou milagres nas tradições religiosas não-cristãs.
Eu tenho muito pouca dúvida que alguns dos seguidores de Jesus acreditavam que eles o tinham visto vivo após sua morte. Contudo, o mundo está cheio de tais asserções extraordinárias, e esta “Em defesa de Cristo” não providenciou, na minha avaliação, nenhuma evidência convincente para provar a historicidade da ressurreição de Jesus.
Brent Landau, professor na Faculdade de Estudos Religiosos da Universidade de Texas em Austin, recebeu ambos seus Mestrado e Doutorado na Universidade de Harvard, especializando-se em escritos cristãos apócrifas.
Artigo original publicado aqui. Reproduzido com permissão.
Concordo com o artigo e complemento: crer que Cristo ressuscitou não requer provas factuais históricas, pois é algo que se relega ao campo justamente da crença, não das ciências. Esta mistura, pelo menos por hora, é um embate desnecessário. Se minha fé for baseada numa lista específica de acontecimentos ou sua ordem, é minha fé que tem problemas, porque no momento que algum deles for refutado minha fé se ‘estraga’.
“Se minha fé for baseada numa lista específica de acontecimentos ou sua ordem, é minha fé que tem problemas, porque no momento que algum deles for refutado minha fé se ‘estraga’.” ( sic)
Ora, é isso aí .
afinal , quem apareceu primeiro ? O ovo, ou a galinha ? .
No que me toca , alimento a galinha ( a minha fé ) para comer o ovo ( os efeitos dessa mesma fé ) sem colocar a questão de prioridades .
Boa, Gerson a frase: “…é minha fé que tem problemas, porque no momento que algum deles for refutado minha fé se ‘estraga’.” Penso algo semelhante, uma fé que requer o encontro fatual, absoluto, material e pragmático para permanecer viva, deixa de ser fé ao mesmo tempo que também não é ciência, acaba por se transformar em argumento vazio. Para mim, Cristo continuaria sendo meu redentor ressurreto mesmo que encontrassem seus ossos em alguma caverna oculta na palestina.
“Não é incomum que pessoas vejam seus entes queridos já falecidos: Em um estudo de quase 20 mil pessoas, mais de 13% relatou ver ou ter visto os mortos.”
Um amigo meu, que era agnóstico, perdeu a esposa muito jovem. Um dia (durante o dia) ele estava sentado na sala, lendo um livro quando sua esposa lhe apareceu. Ela lhe ofereceu uma rosa e em seguida desapareceu. Nas palavras dele “Ela parecia viva, de carne e osso.”