É com pesar que noticiamos o falecimento do jurista e biógrafo Edward L. Kimball, filho do 12º Presidente da Igreja SUD Spencer W. Kimball e autor de uma das biografias mais populares no meio mórmon.
Além de ter servido por décadas como Bispo da Igreja SUD, juiz de sentença em dois estados, e professor de direito por 40 anos em universidades de Montana, Wisconsin, e Utah (na BYU da Igreja), Kimball é e será lembrando, acima de tudo, por haver escrito e publicado duas excelentes e populares biografias sobre seu pai-profeta. Biografias que não só eram bem documentadas e pesquisadas, como tornavam público erros e defeitos do Profeta, rompendo com o paradigma da tradição mórmon de priorizar hagiografias.
Kimball publicou o primeiro volume da biografia de seu pai em 1977, e apesar de abordar assuntos controversos e expor defeitos e erros do Profeta, foi um imenso sucesso de vendas. Seu filho Chris Kimball explica como seu avô-profeta o havia dado permissão para ser honesto e franco em seu trabalho, sem sentir a necessidade de esconder defeitos:
“Meu pai queria fazer diferença no mundo de história e biografias mórmon, rompendo com o molde de hagiografias.”
Hagiografia é, tipicamente, “um tipo de biografia… que consiste na descrição da vida de algum santo, beato e servo de Deus proclamados por algumas igrejas cristãs, sobretudo pela Igreja Católica, pela sua vida e pela prática de virtudes heróicas”. Afora o contexto católico, é uma prática comum em biografias cuja meta principal é “idealizar ou idolatrar” o biografado, ao invés de estudá-lo e analisá-lo objetiva e racionalmente.
O segundo volume, intitulado “Lengthen Your Stride: The Presidency of Spencer W. Kimball“, publicado em 2005 e expandido em 2010, baseou-se nas milhares de cartas e nos 33 diários escritos pelo Profeta, além de dúzias de entrevistas com líderes e membros próximos a ele. Ainda mais que o primeiro volume, publicado ainda durante a vida de Spencer Kimball, este lida com temas controversos, como a campanha coordenada da Igreja contra a emenda constitucional de direitos iguais para mulheres, a fundação da campanha da Igreja contra direitos civis para homossexuais, o engodo dos profetas e apóstolos da Igreja pelo falsificador Mark Hoffman, e a crescente burocratização da liderança e da administração da Igreja, entre outros.
A versão expandida de 2010, inclui trechos da pesquisa de Kimball que a editora da Igreja Deseret Book havia decidido omitir, supostamente por motivos de espaço, mas que Kimball lutou para que fossem incluídos. Uma anedota interessante e ilustrativa, por exemplo, é a de como Spencer Kimball evitava ligações da feminista SUD Sonia Johnson levando cadeira e mesa para trabalhar no corredor, de modo a permitir que seus secretários pudessem dizer que ele “não se encontrava no escritório”.
Em tais trechos, Kimball francamente demonstra clara discordância e até reprovação de algumas posturas de seu pai, sobre como, por exemplo, o Profeta lidou com o afastamento da fé de seu filho (e irmão de Ed) Spencer Jr., ou sobre o famoso e popular livro que seu pai publicara, ‘O Milagre do Perdão‘. Para Kimball, o livro focava “muito mais em pecados e arrependimentos do que em perdão”, e dá a entender que seu pai teria se arrependido e “mais tarde parecia ter desejado haver adotado um tom mais gentil”. Kimball não hesitou em apoiar a decisão sorrateira da Deseret Book por descontinuar sua publicação no ano passado.
Não obstante, Kimball orgulhava-se de sua exploração do tema de revelações a profetas mórmons. Anos após a decisão de 1978 para suspender a segregação de negros na Igreja SUD, o Profeta Spencer Kimball lhe escreveu sobre essa experiência:
“Revelações provavelmente nunca vêm a menos que sejam desejadas. Eu acho que poucas pessoas recebem revelações enquanto largadas no sofá. Eu acredito que a maioria das revelações surgem quando um homem está na ponta dos seus pés, tentando alcançar o mais alto possível por algo que ele sabe que precisa, e apenas então lhe surge, subitamente sobre ele, a resposta a seus problemas.”
Em sua biografia, Kimball explora em detalhes todo o tumulto em torno do Profeta em 1978, inclusive ameaças de processos legais, preocupações com crescimento internacional (como no Brasil), e ainda intensas pesquisas sobre doutrina e história da Igreja em torno da política de segregação. Em determinado momento, Spencer Kimball confessou a um entrevistador:
“Eu não sei se eu seria a pessoa para estar fazendo isso, mas se eu não o fizer, o meu sucessor [Ezra Taft Benson] certamente não o fará.”
Seu artigo acadêmico Spencer W. Kimball and the Revelation on the Priesthood foi incluído como referência no ensaio histórico-apologético publicado pela Igreja em 2013 (e traduzido para o português um ano depois).
Acima de tudo, Kimball sentia um enorme orgulho da obra e da vida de seu pai, e acreditava que nada menos que a absoluta verdade honesta e objetiva poderia faz jus ao seu legado profético.
“Spencer Kimball foi uma figura de tamanha significância que ele merece o respeito que apenas uma exploração completa de sua vida e sua obra poderia oferecer.”
Kimball, falecido anteontem aos 86 anos de idade, em Provo, Utah, fora casado desde 1954 com Evelyn Bee Madsen (falecida em 2012), com que teve 7 filhos. Seu primo Henry, por parte de sua mãe, Camilla Eyring Kimball, serve atualmente como Conselheiro na Primeira Presidência.
“Hagiografia é, tipicamente, ‘um tipo de biografia… cuja meta principal é “idealizar ou idolatrar” o biografado, ao invés de estudá-lo e analisá-lo objetiva e racionalmente.”
Os quatro evangelhos!
Fabuloso saber que este tipo de mente e autor existiu no meio sud. Concordo em gênero e grau com ele sobre o tal “milagre do perdão”, que de perdão não tem nada e que inclusive mente, ao afirmar, já quase no final, que “a igreja perdoará”.