Terry Giles
“Bom samaritano” é um rótulo frequentemente usado para descrever alguém agindo desinteressadamente em benefícios de outros, mesmo que seja um completo estranho.
Alguns podem reconhecer que a expressāo tem sua origem em uma estória bíblica, uma das parábolas de Jesus contadas no livro de Lucas, capítulo 10. Nela, um viajante da comunidade samaritana, um grupo étnico e religioso do Oriente Médio, encontra um homem que tinha sido roubado e espancado à beira da estrada.

O ferido foi ignorado por dois homens que passavam, ambos pertencentes a grupos que eram religiosamente respeitados na comunidade judaica de Jesus: um sacerdote e um levita, uma tribo com responsabilidades religiosas especiais. Em contraste, o samaritano dá os primeiros socorros à vítima, coloca-a sobre o seu jumento e transporta-a para uma estalagem onde o espancado recebe alojamento, cuidados e alimentaçāo – com todas as despesas pagas pelo viajante samaritano.
Como professor de estudos bíblicos que escreve sobre samaritanos, aprendi que, embora a maioria de meus alunos tenha ouvido falar do “bom samaritano”, poucos estão cientes das realidades sociais e históricas refletidas na história – muito menos que a comunidade samaritana ainda existe hoje.
Lição escondida
Samaritanismo e judaísmo compartilham uma origem comum na antiga Israel, mas a cisão entre as duas comunidades já vinha crescendo séculos antes do nascimento de Jesus.
O texto sagrado do grupo é sua própria versão dos cinco primeiros livros da Bíblia hebraica, o que os cristãos conhecem como Pentateuco e os judeus chamam de Torá. O centro de adoração samaritano fica no Monte Gerizim, na atual Cisjordânia, ao invés de Jerusalém, onde estava o templo judaico. A fé tem seus próprios sacerdócio, calendário religioso e teologia. De acordo com a crença samaritana, uma figura messiânica chamada Taheb dará início a uma era de Favor Divino, durante a qual a arca da aliança será revelada e o Monte Gerizim será restaurado como o único centro reconhecido de adoração.
Ao longo da sua história – particularmente durante o primeiro século, pano de fundo para a estória do livro de Lucas – os samaritanos foram muitas vezes marginalizados e discriminados por seus vizinhos. A relação entre os antigos judeus e seus vizinhos samaritanos era hostil, de modo que as pessoas ouvindo a parábola ficariam chocadas com o fato de o herói ser um samaritano.
Efetivamente, a parábola vira a realidade social de cabeça para baixo. Aqueles de quem se esperava agir com retidão e com comportamento exemplar para outros imitarem falharam onde o samaritano teve sucesso. A parábola desafiava normas sociais e preconceitos baseados simplesmente na origem étnica, filiação religiosa e o lugar que as pessoas chamavam de lar.
Menções bíblicas
A estória do Bom Samaritano não é a única vez em que a comunidade samaritana se faz presente na literatura do Novo Testamento.
Apenas um capítulo antes, Lucas 9, é descrita a recepção indesejada que os discípulos de Jesus receberam quando prestes a entrar em uma aldeia samaritana. Jesus e seu grupo estão a caminho de Jerusalém: uma ofensa à crença samaritana de que o Monte Gerizim é o local apropriado para adoração, assunto que muitas vezes funcionava como um resumo de tudo o que separava as duas comunidades.
Os moradores, portanto, optam por não ajudar os viajantes em seu caminho. Em resposta, os discípulos estão prontos para invocar do céu a retribuição divina como punição. Jesus não aceita isso, e repreende os discípulos, deixando os aldeões em paz.
O Evangelho de João descreve uma conversa especialmente significativa entre Jesus e uma samaritana. Desgastado por uma viagem recente, ele pede a uma mulher que tire água para ele de um poço. Ela fica bastante surpresa, pois, como explica o editor do capítulo, judeus não se misturam com samaritanos. No entanto, faz o que lhe foi pedido. A conversa que se segue menciona os principais princípios de crença onde samaritanismo e judaísmo diferem, apesar de suas muitas semelhanças: suas idéias contrastantes sobre profetas, “Messias” e onde adorar. De acordo com a história, ela e muitas pessoas da vizinhança se tornaram seguidoras de Jesus.
Primeiros conversos
Na verdade, é bem provável que samaritanos estivessem entre os primeiros seguidores do movimento de Jesus.
No livro de Mateus, Jesus orienta seus discípulos a pregar apenas para à casa de Israel, e não a samaritanos ou não-judeus, parecendo exibir um viés antissamaritano. O Evangelho de João pinta um quadro bem diferente, no entanto, primeiro com o relato das mulheres samaritanas no poço.
Mais tarde, em João, quando os detratores acusam Jesus de ter um demônio e ser samaritano, ele apenas nega o primeiro – aparentemente recusando-se a se distanciar dos samaritanos.
O Livro de Atos, que descreve o início da igreja cristã, inclui a história de Estevão, que é descrito como o primeiro mártir entre os seguidores de Jesus. Atos 7 retrata Estêvão tentando se defender contra acusações de blasfêmia, usando um texto que é no mínimo influenciado pela tradição samaritana, se não uma versão do que se tornará o próprio Pentateuco samaritano.
O Livro de Hebreus no Novo Testamento também mostra tendências samaritanas, fazendo referência a heróis da tradição samaritana.
Apesar desse importante papel no início do movimento de Jesus, a relação entre cristianismo e samaritanismo nem sempre foi positiva. O grupo muitas vezes foi obrigado a navegar entre grupos muito maiores e mais poderosos, fossem judeus, cristãos ou muçulmanos. Violência, deslocamento e conversões – voluntárias e forçadas – diminuíram drasticamente a comunidade samaritana ao longo dos séculos.
Samaritanos do século 21
Hoje, os samaritanos somam cerca de mil pessoas. A maioria está em comunidades fora de Tel Aviv e perto da cidade de Nablus, na Cisjordânia, onde se encontram situadas entre as culturas e instituições israelenses e palestinas. A maioria dos samaritanos tem cidadania israelense e seguro de saúde israelense, mas muitos também frequentam escolas palestinas, falam árabe e têm nomes hebraicos e árabes.
O pequeno tamanho da comunidade moderna dos samaritanos os torna fáceis de serem ignorados. Mas para aqueles dispostos a ouvir, a mensagem do Bom Samaritano – uma mensagem de bondade, não cega por preconceitos nacionalistas, religiosos ou étnicos – ressoa mais alto do que nunca.

Terry Giles é professor de Teologia na Gannon University, onde leciona disciplinas sobre a Bíblia hebraica e protestantismo contemporâneo.
Artigo originalmente publicado aqui. Reproduzido com permissão.