Posso lembrar-nos de uma coisa?
A retórica aqui e acolá nos foros mórmons, na Internet e, evidentemente, nas vidas pessoais de muitos de nós, parece se basear muitas vezes na ideia de que existe um teste de merecimento para a nossa compaixão.
O problema que vejo com muitos sentimentos expressos em relação aos outros é que eles transmitem a ideia de que, de alguma forma, o alvo da compaixão deve merecer nossa compaixão. Vemos torrentes de compaixão pelas vítimas de desastres naturais, para aqueles que ficam doentes com doenças que lhes atingem ao acaso, e nós, de bom grado, disponibilizamos recursos consideráveis para ajudar, acreditando que eles merecem ajuda.
Mas nos casos em que a pessoa sofredora causou o seu próprio problema, ou compartilha alguma parte da responsabilidade pelo que lhe aconteceu, muitas vezes a resposta não é nada compassiva, e muitas pessoas até lançam críticas viciosas por causa dos pecados alegados daqueles que sofrem. Segundo essa lógica parece que, a fim de sentir compaixão por alguém, nós devemos acreditar que eles são inocentes.
Eu não sei exatamente de onde vem essa lógica.
Certamente, podemos encontrar nele algo da mentalidade “nós contra eles” que já incomoda a humanidade desde que a nossa espécie começou a lutar entre si por recursos. Ou talvez possamos encontrar também nesta falta de compaixão a ênfase da nossa sociedade na justiça e na equidade. Estamos sempre lutando por alguma liberdade, ajudando alguma Cinderela que sofreu uma injustiça às mãos de uma madrasta ou irmã, alguém que merece ser recompensada pelos danos sofridos.
Não quero dizer que a justiça não é necessária. É verdade que erros precisam ser corrigidos. Mas muitas vezes vamos além da justiça e falamos mal daqueles que cometeram erros. Fazer isso é mais do que apenas corrigir um erro ou avisar aos outros de perigo que eles também possam sofrer. Falar mal de quem tem cometeu um erro é geralmente feito mais para expressar raiva ou até mesmo para ser malcriado. E a expressão de raiva é veneno.
Também é verdade que precisamos promover a responsabilidade pessoal, mesmo se o único erro é aquele sofrido pela pessoa que o cometeu. A justiça exige que todos sofram as consequências de suas próprias ações. E há consequências, mesmo para os pecados em que “ninguém é ferido.” Mas certamente a nossa sociedade pode encontrar melhores definições de políticas que requerem a responsabilidade pessoal, junto com uma demonstração de compaixão.
Eu acho que esta falta de compaixão é inconsciente em grande parte. Nós argumentamos contra dando ajuda a um ou outro grupo ou a favor da condenação nas notícias do último vilão, explicando como não merecem a ajuda. Nós baseamos nossos argumentos não no que eles vão fazer ou como a nossa ajuda pode influenciar o que vão fazer, mas naquilo que eles fizeram passado e como é mau. Assim, a nossa falta de compaixão é a nossa vingança, e não o nosso amor.
Mas, inconscientes ou não, temos interiorizada essa visão da compaixão, a tal ponto que até mesmo os nossos pedidos de ajuda são baseados em “a culpa não é minha”, em vez de “eu cometi um erro.” Assim, a falta de compaixão para com os que não merecem muitas vezes os leva a mentir sobre os motivos da sua necessidade.
Por favor, não veja este artigo como uma crítica “mais papista que o papa”. Tenho certeza de que é muito fácil encontrar lugares onde a minha própria escrita não mostra a caridade ou compaixão que deve. Eu cheguei a perceber que esta falta de compaixão não é apenas um erro, mas sim também algo que destrói o diálogo, e por isso é de tal preocupação na sociedade.
O diálogo na política é particularmente cheio de assuntos que atraem o discurso impiedoso e sem compaixão. Assistência social, homossexualidade, imigração ilegal, meio ambiente, uso de drogas e muitos outros assuntos— todos atraem esse tipo de discurso. O que é particularmente perturbador sobre esse falar no diálogo político é que o não mostrar compaixão polariza o debate. Ele muitas vezes anima os apoiantes, mas à custa de qualquer capacidade de se comunicar com ou convencer os outros.
Em nossa sociedade hoje, a falta de compaixão é quase incorporada na linguagem do diálogo político. Termos como “imigrante ilegal” e (nos EUA) “welfare queen” estão carregados de pressupostos culturais sobre a dignidade do sujeito para receber compaixão. Mesmo se classes inteiras de pessoas estão, de fato, indignos (uma ideia que custa crer, pois estes são grupos diversos, e é difícil imaginar que nenhum membro do grupo é pelo menos tão digno como nós mesmos somos), ainda temos a obrigação de mostrar compaixão.
Também no diálogo político, existe uma tendência para demonizar as pessoas, mas nem sempre por causa de suas ações. Eu não gosto do diálogo partidário que vê mal ou incompetência nas pessoas, simplesmente por causa da posição política ou filiação partidária. Mas a demonização que nós vemos expressa é ainda mais ruim quando uma figura política fez algo errado ou impopular. A situação atual do Jay Bybee (um membro da Igreja nos EUA famoso por ter escrito o memorando que autorizou tortura no governo Bush) é um bom exemplo. Sim, sua assinatura no memorando mostra que ele causou seu próprio problema. Mas indignidade não nos dispensa da compaixão.
O fato mais perturbador dessa falta de compaixão é aonde ela pode nos levar. Uma falta de compaixão, mesmo para aqueles que a merecem, pode ser vista nos piores dos males da sociedade. Uma falta de compaixão é o requisito inicial para o racismo, a tortura, e o genocídio, entre muitos outros males. Se nada mais, agir com compaixão nos impedirá de participar nestes atos hediondos.
Meu entendimento do Evangelho me leva a crer que essa suposição de que a dignidade é necessário para estender a compaixão é errada. Compaixão não requer dignidade. Os ensinamentos e o exemplo de Cristo demonstram que devemos ajudar o pecador, não só para se arrepender do pecado, mas para se recuperar das consequências do pecado. Suas parábolas incluem a parábola do filho pródigo (cf. Lc 15:11-32), no qual um pai tem compaixão, mesmo quando seu filho claramente não o merece. O próprio Cristo mostrou compaixão para com a mulher apanhada em adultério (João 8:3-11), recusando-se até de fazer cumprir a lei. E nós frequentemente citamos o versículo dessa passagem que fala sobre quem deve atirar a primeira pedra, geralmente como uma injunção contra a hipocrisia, mas muitas vezes não conseguimos ver a lição sobre compaixão nessa história ou notar que estava lá alguém sem pecado e ele não jogou pedra nenhuma, e escolheu a compaixão em vez da justiça.
As escrituras vão além da parábola e do exemplo, dando a todos aqueles que tomam sobre si o nome de Cristo, uma obrigação para mostrar compaixão, a “chorar com os que choram”, e “consolar os que necessitam de consolo” (ver Mosias 18:9). Note que não há exceção para os que não merecem. Aqueles que choram ou necessitam de conforto, aparentemente, não precisam nem de tomar sobre si esta obrigação. Aqueles que consolamos e com que choramos não precisam ser cristãos e não precisam ser livres do mal.
Nosso Pai certamente mostra compaixão pelos seus filhos, mas do ponto de vista eterna. Embora reconhece a necessidade das lutas que enfrentamos, com certeza ele derrama uma lágrima quando choramos e envia o Seu Espírito quando necessitamos de consolo, mesmo quando nós não o merecemos. Ele reconhece que todos nós pecamos e que todos nós estamos no meio de trabalhar para a nossa salvação, e que todos precisamos de Sua compaixão, especialmente quando nós não a merecemos.
Devemos nós mostrar menos compaixão?
Que texto maravilhoso!Vou tentar aplicar isso na minha vida.
SENSACIONAL, DISSE TUDO!!!!