A Nova História Mórmon

Quando a biografia de Joseph Smith Rough Stone Rolling (Pedra áspera tombando) foi publicado em 2005, havia alguns membros da Igreja nos EUA que pensaram: “é outro livro anti-mórmon.” Ficavam suspeitos por que o livro foi publicado por A. A. Knopf, uma editora não-Mórmon de New York City, e não por Deseret Book. Nem estava disponível no Deseret Book, pensaram. Também o autor, Richard Bushman, é professor de história na Universidade Columbia, de New York City. E quem já leu descrições do livro ficou sabendo que ele fala dos erros e falhas de Joseph Smith. Portanto, tem que ser um livro anti-mórmon, não é?

Nesse caso, não. Eu conheço o autor do livro, Richard Bushman. Ele é, sim, professor emérito de história americana. Também é um professor muito homenageado pela qualidade de seus estudos. É um acadêmico do primeiro nível.

O que não se sabe sempre é que ele é membro fiel da Igreja. Já foi bispo, presidente de estaca e ainda é patriarca. Sempre o vejo nas reuniões de nossa estaca, onde ele tem uma reputação altíssima. E sei que ele conhece pessoalmente vários dos apóstolos.

Então, como é que membros da Igreja pensaram que o livro que ele escreveu é um livro anti-mórmon?

Eu acho que parte do problema existe na percepção sobre a história mórmon e sua função. E outra parte do problema vem mesmo de nossa história de ser perseguida—por isso as vezes pensamos que quem não é conosco é contra nós, e se não sabemos que a gente é conosco, deve ser contra nós! Mas todos sabemos que não é tão simples.

Através dos anos parece que havia só dois tipos de história sobre o mormonismo. Havia a história fiel, que galhardeava os profetas, líderes e membros da Igreja. E havia a história anti-mórmon, que tentava mostrar que a Igreja não possa ser verdadeira e que Joseph Smith foi vigarista. Estudar a história mórmon foi, assim, simples. Bastava escolher um lado ou outro, e limitar o que você lesse para seu lado. E quem lesse o outro lado ou era enganado ou era anti-mórmon.

Assim, as histórias fieis soavam como os autos antigos, nos quais cada decisão é uma escolha entre o bom e o mal, e todos os caracteres ou tem chapéu branco ou chapéu negro e as histórias anti-mórmons mostravam prejuízo, imputando sempre motivos maus para os membros da Igreja.

Ambos desses tipos de histórias eram pelo menos incompletos. Os anti Mórmons consideravam muitos eventos como algo sem importância, pois não concordaram com seu ponto de vista. Os Mórmons não incluíram a experiência ou ponto de vista dos que saírem da Igreja por não poder ajudar em fortalecer a fé. No pior das histórias, os escritores até inventaram dados para fortalecer o seu caso.

Mas começando nos anos 1950s com obras como The Mountain Meadows Massacre (O massacre de Mountain Meadows) de Juanita Brooks e Great Basin Kingdom (Reino na Grande Bacia) de Leonard Arrington, muitos estudiosos do mormonismo seguiram uma nova filosofia ao escrever história, uma que creram ser mais honesto e menos polêmico. Esta filosofia quer entender em vez de evangelizar. Richard Bushman a caracteriza como “uma busca de identidade em vez de uma busca de autoridade.[1. Flanders, Robert. “Some Reflections on the New Mormon History.” Dialogue 9:1 (Winter 1974), p. 34.]”

Ao escrever com esse entendimento, os historiadores evitam o uso da história como uma arma numa guerra para provar ou um ponto de vista ou o outro. E essa “nova história” deixou-lhes entrar em assuntos polêmicos e chegar a conclusões contra as suposições tradicionais. Para esses historiadores, o propósito da história não era mais proselitismo.

O resultado dessa filosofia é que as histórias agora incluem menos apóstatas e menos iludidos, e mais humanos. As experiências sagradas são ainda sagradas, pois as pessoas que receberam essas experiências acreditaram que eram sagradas–para os historiadores dessa nova filosofia o que importa não é se as experiências eram de Deus ou não (os fiéis e os que não acreditam poderiam discutir se são ou não sem fim, pois não há como saber), mas sim como as pessoas na época entenderam essas experiências. A motivação dos que saíram da Igreja poderia ser algo político, econômico, psicológico ou cultural bem como uma falha espiritual ou uma “libertação” (como os anti-mórmons a entenderiam).

Com esse ponto de vista, as figuras históricas agora tem características humanas, e os historiadores Mórmons podem ver as múltiplas influências que entram em decisões e eventos. E suas experiências devem ser entendidas como essas figuras históricas as entenderam. Eles são julgados pelas suas próprias padrões.

Essa “nova história mórmon” não é sem detratores. Dos membros fieis da Igreja vem os tradicionalistas, que vem essa nova filosofia como uma difamação da Igreja e do sagrado. Eles não se admitam que as decisões das líderes antigas da Igreja tenham influências alheias à de Deus. Dos não membros vem os secularistas, que querem entender a história sem a influência de Deus, mesmo se as figuras históricas entenderam as suas experiências assim. Esses querem explicar uma visão, por exemplo, como uma alucinação ou algo inventada.

Tampouco evitou essa nova filosofia a polêmica entre mórmons e anti-mórmons. Ambos ainda criticam obras escritas pelos outros pela ênfase ou interpretação dos dados históricos. Assim, a polêmica está limitada a questões mais claras e óbvias. Por isso, em geral, essa nova filosofia se aceita bem.

Para os leitores essa questão de filosofia determina muito sobre como se aceita os eventos da história. Para quem ver a Igreja como guiado só pela mão de Deus, ou os membros como os dos chapéus brancos, é muitas vezes difícil aceitar os erros ou as coisas más que fizeram. É também difícil, as vezes, entender como os dos chapéus negros possam fazer coisas boas. Mas Richard Bushman explicou que essa questão de filosofia não faz parte do evangelho: “Os princípios do Evangelho não apontam para uma só forma de descrever o passado… [Essas formas] não podem ser deduzidas a partir de doutrinas teológicas.[2. Bushman, Richard. “Faithful History.” Dialogue 4:4 (Fall 1969), p. 16.]” No entanto, ele indica que o evangelho deve influenciar a filosofia que o historiador usa, “O historiador mórmon deve perguntar-se que valores regem seus escritos? O que determina o seu ponto de vista da causalidade, seu senso de importância, e suas preocupações morais?[3. Bushman, Richard. “Faithful History.” Dialogue 4:4 (Fall 1969), p. 16.]”

Nós, os leitores, ao reagir aos textos da história mórmon que lemos, devemos perguntar a nós mesmos se estamos estudando história, ou se estamos buscando evidências de qual igreja é verdadeira. E devemos nos lembrar de que é possível que o autor de um livro tenha um propósito diferente do nosso.[4. veja também Alexander, Thomas G. “Historiography and the New Mormon History: A Historian’s Perspective.” Dialogue 19:3 (Summer 1986), p. 25.]

29 comentários sobre “A Nova História Mórmon

  1. Não sei o que dizer a respeito do livro, não o li, meu inglês não é muito bom;mas uma coisa eu sei: que precisamos de revelação pessoal para não dependermos do braço da carne, vizinho, próximo, bispo, presidente de estaca , apóstolos, profetas. Como disse Moisés: Oxalá todos fossem profetas; precisamos nos qualificar para estabelecer uma relação intima e direta com Deus, pois o próprio Joseph disse: Não há nada que Deus revele ao quórum dos doze e seu presidente que não revele ao mais humilde dos Santos ( adendo meu :assim que esteja preparado e seja digno) e disto eu sei.
    Há uma frase na página rosto do livro de mórmon, que sempre penso nela quando percebo falhas,erros, enganos nos líderes do sacerdócio e auxiliares sejam eles locais ou gerais:
    “E agora, se há falhas, são erros dos homens; não condeneis portanto as coisas de Deus, para que sejais declarados sem mancha no tribunal de Cristo.”
    Não me entendam mal, sou apenas um sincero buscar da verdade, sem querer prejudicar ninguém.

    • Tem razão, Acir.

      Não sei se sua experiência é semelhante a minha ou não, mas eu não recebo respostas a orações sobre os detalhes dos acontecimentos históricos. Se eu pergunto ao Senhor se Brigham Young mandou o massacre de mountain meadows ou não, a resposta é mais como “a Igreja é verdadeira” em vez de “sim” ou “não.”

      Talvez essa resposta quer dizer que a resposta não tem importância. Ou talvez quer dizer que se eu me importa da questão, devo fazer a pesquisa, aprender o que posso e perguntar depois de ficar informado. Ou pode até ser que o Senhor não vai me dizer por enquanto, com certeza por razões que não posso imaginar. Antes de receber uma revelação mais específica, tenho que aprender a viver com a dúvida sobre essa questão e muitas outras. E, no fim, aprender a viver com essas dúvidas é ter fé, não é?

      A filosofia da nova história mórmon não tenta dizer se a Igreja é verdadeira ou não. Nós todos podemos receber revelação nessa questão. Não é o papel do historiador receber essa revelação para nos, nem dizer o que devemos pensar dos fatos.

  2. Um dos problemas (o que para mim pessoalmente não é) em relatar a história verdadeira, é que provavelmente ela estará repletas de falhas e erros dos lideres em geral. A consequência disso, é que o SUD mais tradicional; está condicionado a não crer nessas falhas, pois os mesmos foram ensinados pela própria liderança a nunca critica-los, pois ao fazer isso estará correndo grande risco de entrar em apostasia, ou seja, uma apologia do medo, que deveria ser evitado. Um clichê que entraria naquela lista que o Marcello Jun fez recentemente em que nós mórmons devemos evitar.

    Com isso, eu ficaria muito contente em ler esse livro. E se não for pedir muito, quem já leu o livro poderia compartilhar conosco o que de fato são essas criticas: poligamia? livro de abraão? caçada à ouro? pedra vidente? O que será que tem nesse livro que fez os mórmons mais fieis se sentirem desconfortados com ele?

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