Já faz mais de trinta anos desde que eu saí para servir como missionário em Portugal, entrando no centro de treinamento missionário em Novembro de 1981. Logo na entrada do centro havia uma grande pedra, o mesmo visto por David O. McKay durante sua missão, no qual se lê:
What e’er thou art, act well thy part
(Seja você quem for, desempenhe bem a sua parte)
Eu não sabia naquela altura que eu também acharia, durante a missão, um pensamento semelhante, escrito em azulejo em vez de pedra, em que eu podia achar alguma sabedoria.
Era durante o verão do ano, uns seis meses depois da minha chegada no país. Eu havia sido transferido para uma cidade do interior do pais, Viseu, onde nós missionários vivemos quase como reis — o aluguel era barato naquela altura, e gastando moeda norte-americana eu sempre tinha bastante dinheiro. Uma vez por mês eu e meu companheiro íamos jantar num dos restaurantes mais caros da cidade. Não trabalhávamos muito duro, mas ainda assim conseguimos um batismo, e tivemos que viajar mais de duas horas por ônibus para encontrar um rio bastante grande no qual podíamos fazer o batismo.
Achei o meu ditado no caminho perto da casa em que vivíamos. Ficava na entrada duma grande quinta, fixada na parede ao lado da entrada. Dizia assim:
Quando a preguiça morrer,
Até o monte maninho,
Até rochedos da serra
Darão rosas, pão, e vinho.
Não entendi completamente a poema no início. Eu sabia que falava algo da preguiça e entendi por isso ócio. Mas algumas palavras eu não reconheci. Estudei as palavras, e, com a ajuda do dicionário, cheguei a entendê-los, pelo menos de certa forma, mesmo durante a missão. E no fim, cheguei a entender, como missionário, que é só através o esforço recebemos as bençãos.
Naquela altura, eu pensei que esse poema fosse um ditado popular, um provérbio sem autor definido, vindo dos primórdios portugueses. E essa suposição ficou comigo durante muitos anos. Mas descobri nos últimos anos que não é ditado, não. Talvez um de vocês já reconhece o poema. É muito mais recente do que pensei, vindo do poeta Português Antônio Correia da Oliveira, publicado em seu livro Parábolas em 1905. É o último estrofe dum poema que fala da vida da preguiça, vendo-o como um metáfora do ócio. [E eu devo mencionar que no original diz “fraguedos” em vez de “rochedos” na terceira linha desse estrofe, mas quando vi os versos na parede em Viseu, a palavra era “rochedos”, e naquela altura eu não entendi nenhuma das duas palavras.]
Esses dois provérbios representam, de certa forma, suas culturas. O de Presidente McKay foi encontrado na Escócia, e além da sua mensagem diz algo do povo escocês e da sua ênfase na vida reta e de integridade. E o poema que encontrei em Viseu também representa a cultura portuguesa e sua visão de trabalho. Para mim esse ditado chegou em boa hora, e acho que eu aprendi algo sobre como eu deveria me esforçar no futuro. Levou até depois da missão, mas acho que essa atitude é agora parte de quem eu sou.
Eu acho que através desse poema eu tenha virado um pouco mais português. Talvez não tanto por ser menos preguiçoso, mas sim por poder ver as coisas um pouco mais pelo ponto de vista português. E porque eu adotei esse ponto de vista em minha vida.
Além desse ponto de vista português, reconheço também algo do Mormonismo nessa estrofe. No mormonismo, todos temos um chamado, um trabalho que se necessita fazer. É necessário cumprir com esses chamados no evangelho, não somente por causa das bençãos que possamos ganhar (as quais até perderemos se são o foco do trabalho), mas também porque no trabalho achamos o evangelho. Os princípios mais importantes aprendemos não somente por estudar, mas sim por meio de trabalho que empreende esses princípios importantes. Assim, o trabalho é algo espiritual, onde encontramos o lado prático do evangelho, e onde conseguimos nos achegar mais próximo a Deus, através de nosso próximo. O ócio é, portanto, antitético ao evangelho.
Tudo isso eu encontrei no poema de um português hoje meio conhecido no mundo[1]. Que benção recebi ao aprender a língua portuguesa!
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Nota
[1] Embora Antônio Correia da Oliveira é hoje mal conhecido fora de Portugal, ele foi o primeiro português nomeado para o prémio Nobel (em 1933), e permanece como o português com o maior número de nomeações (15). Mas também há algo de política no caso dele, pois foi considerado como um dos poetas oficiosos do Estado Novo de Antônio Salazar.
“Eu acho que através desse poema eu tenha virado um pouco mais português. Talvez não tanto por ser menos preguiçoso, mas sim por poder ver as coisas um pouco mais pelo ponto de vista português. E porque eu adotei esse ponto de vista em minha vida.” Isso mesmo, sinto a mesma coisa–só no meu caso, a minha terra adotiva teve o bom senso de se separar do Portugual. 😛
“Que benção recebi ao aprender a língua portuguesa!” Amém, irmão!
Legaal, gostei do relato, adoraria ver suas fotos da missão!