Como o Passado da Igreja Mórmon Molda sua Posição Atual em Imigração

Em 24 de julho de 1847, Brigham Young e outros 146 pioneiros mórmons entraram no Vale do Lago Salgado. Eles haviam deixado os Estados Unidos e se encontravam em território mexicano.

Naquela época, a guerra mexicano-americana estava no seu auge, e dentro de um ano o México cederia o Vale do Lago Salgado aos Estados Unidos. Mas isso não estava nos planos dos mórmons. Eles estavam tentando deixar os Estados Unidos para escapar de violência e perseguição.

Brigham Young e outros homens preparando mulheres para guerra: “Brigham Young organizando suas forças para batalhar as tropas dos Estados Unidos” (Harper’s Weekly, volume v. 1, November 28, 1857, p. 768. Scan from BX8609.A1a#466, L. Tom Perry Special Collections, Harold B. Lee library, Brigham Young University)

Porém, uma vez que eles estavam no novo território, eles se estabeleceram no Vale sem a aprovação do governo mexicano ou dos povos indígenas que já viviam na terra árida perto do Grande Lago Salgado. A história mórmon em Utah os revela tanto como imigrantes perseguidos como colonizadores.

Em Utah, 24 de julho é comemorado como o Dia dos Pioneiros. Da minha perspectiva como um estudioso da história mórmon, revisitar a história do assentamento mórmon do Vale do Lago Salgado tem profunda implicação para as maneiras pelas quais a liderança da Igreja d’A Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias hoje pensa sobre questões de imigração.

A história da imigração mórmon

Antes de chegarem à Cidade do Lago Salgado, os mórmons viviam em Nova Iorque, Ohio, Missouri, e Illinois. A igreja encorajava os conversos mórmons a se reunirem e, na década de 1840, cerca de 25% da população do assentamento mórmon em Illinois eram conversos e imigrantes britânicos.

Os vizinhos dos mórmons suspeitavam deles por várias razões. Eles eram vistos como estranhos porque muitos eram imigrantes, mas também eram tribais. Nas eleições, os mórmons votavam como um bloco. Eles tendiam a manter sua atividade comercial e econômica entre si. À medida que seus números aumentavam para centenas e milhares, seus vizinhos temiam sua influência.

Retrato do Tenente-General Joseph Smith por Sutcliffe Maudsley em guache, 1842. (Foto: AP/Douglas C. Pizac)

Da mesma forma, suas práticas religiosas atraíam suspeitas. Na década de 1840, o fundador do mormonismo, Joseph Smith, começou a praticar a poligamia e, embora tentasse mantê-la em segredo, rumores espalharam-se rapidamente. Como um escritor do Missouri os descreveu em 1837, eles eram uma “massa de corrupção humana, [uma] tribo de gafanhotos, que ainda ameaça queimar e secar a forragem de uma boa e bela porção do Missouri por causa [de seu] enxame de emigrantes”.

Durante as décadas de 1830 e 1840, os mórmons fugiram de um estado para outro. Em 1838, o governador do Missouri emitiu o que os historiadores costumam chamar de “ordem de extermínio”, ordenando que a milícia estadual expulsasse os mórmons.

Durante vários meses, forças de Missouri e uma milícia mórmon improvisada lutaram em vários condados na parte ocidental do estado. Em 1839, os mórmons se estabeleceram em Nauvoo, Illinois, na esperança de escapar de tais tensões.

Mas em junho de 1844, Joseph Smith foi assassinado por uma multidão em Carthage, Illinois. Seu sucessor, Brigham Young, determinou que os Estados Unidos não eram seguros para os mórmons. Ele escolheu o Vale do Lago Salgado como o local para o seu assentamento porque, como Young disse, era “um lugar na terra que ninguém mais quer”.

Mormonismo como uma religião de imigrantes

A liderança mórmon de hoje lembra que eles são historicamente uma religião de imigrantes. De fato, a igreja nos Estados Unidos ainda é. O mormonismo está crescendo mais rápido na América Latina do que em qualquer outra região do mundo, e quase 10% dos membros da igreja nos Estados Unidos são latinos.

Essas razões estão por trás do consistente apoio da igreja a uma política humanitária de imigração. A igreja apóia oficialmente o aumento de oportunidades para os “sonhadores”, pessoas trazidas para os Estados Unidos enquanto crianças. Ofereceu ainda críticas às práticas punitivas implementadas pelo governo Trump em relação às famílias imigrantes.

Sua liderança ajudou a redigir o “Pacto de Utah”, uma declaração de princípios que exorta uma “abordagem humana” à imigração que enfatiza a importância de ser “um lugar que acolhe pessoas de boa vontade”. Afinal, como os líderes da igreja declararam em uma declaração oficial: “A maioria dos nossos primeiros membros da Igreja emigrou de terras estrangeiras para viver, trabalhar e adorar.”

Ao mesmo tempo, também é verdade que as políticas de imigração do governo Trump desfrutam de cerca de 50% de aprovação em Utah, um estado que tem cerca de dois milhões de mórmons.

De fato, recentemente o presidente Trump indicou Ronald Mortensen para supervisionar o programa de refugiados do Departamento de Estado. Mortensen, um mórmon e ex-oficial do serviço estrangeiro dos EUA, criticou o Pacto de Utah, e outras declarações da Igreja sobre a imigração, por serem muito favoráveis aos imigrantes.

Mortensen atacou a igreja por ser “tendenciosa em favor dos imigrantes ilegais”, e disse que suas posições “enfraquecem o estado de direito”.

O disputado legado de imigração mórmon

A posição de Mortensen revela a mente dividida da igreja. Embora sua liderança se lembre da entrada de Brigham Young no Vale do Lago Salgado como motivo de simpatia aos imigrantes de hoje, a linha dura de Mortensen traz à mente um aspecto diferente da história mórmon.

Apesar da afirmação de Brigham Young de que ninguém mais queria o vale, na verdade ele era povoado por milhares de nativos americanos quando os mórmons chegaram. A interação mórmon-nativo era desconfortável, caracterizada pela alternância entre cooperação e surtos de violência.

Embora Brigham Young, por vezes, tentasse trabalhar pacificamente com as tribos nativas, ele também estava disposto a impor sua vontade sobre eles com violência. Os colonos mórmons gradualmente deslocaram os nativos americanos da terra e dos recursos do qual dependiam para se sustentarem.

Em conseqüência, as guerras entre os colonos mórmons e os povos indígenas eclodiram nas décadas de 1850 e 1860. Tal como acontece com a maioria das outras áreas nos Estados Unidos, os povos indígenas foram eventualmente confinados a reservas.

Aspectos deste legado persistem. Recentemente, por exemplo, as autoridades eleitas que são mórmons apoiaram a decisão do governo Trump de reduzir o tamanho do Monumento Nacional de Bears Ears [“das Orelhas de Ursos”] no sul de Utah. O monumento foi criado pelo presidente Barack Obama em 2016. Ele está centrado em um par de grandes montículos chamados de “Orelhas de Ursos”, que são considerados sagrados ou significativos por vários grupos de nativos americanos. Muitos líderes nativos, portanto, protestaram contra o plano do governo Trump e o apoio dos líderes de Utah a ele.

Uma  réplica da cabana de toros de madeira em Palmyra, Nova Iorque, onde o fundador da igreja Joseph Smith morava quando recebeu sua primeira visão que levou a formação dos mórmons. (Foto: AP /Democrat e Chronicle, Burr Lewis)

Os conflitos sobre o Bears Ears, por um lado, e a recente política de imigração, pelo outro, mostram que a própria experiência da igreja como um povo migrante, mas também como um povo colonizador, ora oprimido e ora opressor, continua a moldar a posição da igreja sobre a imigração hoje.


Matthew Bowman é Professor de História na Henderson State University e autor dos livros Christian: The Politics of a Word in America (Harvard, 2018) e The Mormon People: the Making of an American Faith (Random House, 2012).

Artigo originalmente publicado aqui. Reproduzido com permissão.

The Conversation

8 comentários sobre “Como o Passado da Igreja Mórmon Molda sua Posição Atual em Imigração

  1. A imigração “Mormon” ou Imigração da Igreja SUD rs… como deve ser chamado agora também ocorrera no Brasil em tempos passados. Com a base central da Igreja SUD em São Paulo, membros do norte, nordeste, e demais regiões passaram a emigrar para São Paulo afim de conseguir uma vida melhor e se juntar com outros membros SUD na maior capital brasileira. Nos anos 90 um jornal que li dizia que o estado de SP possuia uma porcentagem considerada de membros SUD incluindo membros de outras regiões.

  2. Lembro quando adolescente que lideres eclesiasticos tipo que incentivavam as pessoas a não emigrarem aos EUA alegando que a primeira presidência tinha dito que todos os membros deveriam fortalecer Sião em seus países. Até nisso posso entender. O problema que a igreja Mormon nunca incentivou de forma material e físico os membros a não emigrarem para os EUA usando somente palavras somente. Pelo contrário, ao falar de BYU, das maravilhas da tão hostentada fama de igreja organizada em Utah, e da importância de aprender Inglês(discurso incentivado pelo falecido Elder Scott), isso só fez os membros terem mais desejos de sair de um país sem esperança para ir aos EUA. A pergunta é: Será realmente que os lideres da igreja realmente se importam com estabelecimento de uma Sião forte? Pelo que noto, creio que não, tanto é que a igreja no Brasil é muito desorganizado e desunido preenchido por pessoas que só pensam de forma individual salvo algumas excessões. Se realmente a igreja tivesse a intenção de manter uma Sião forte no Brasil, com certeza a mesma instituição teria feito uma universidade no Brasil, um colégio, uma empresa ou qualquer outra coisa do tipo para incentivar os membros a permanecerem no Brasil, mas não é isso que se vê.

    Na verdade não ligo para essa imigração ou permanencia dos Brasileiros, mas a Igreja fala algo, mas na prática é tudo diferente. Quem vê logo nota que a Igreja quer fazer os Brasileiros viverem uma vida a moldes da sociedade Americana, mas é uma visão minha somente.

    • Concordo com a última parte, é uma igreja americana e todos os seus valores são implantados aqui no Brasil por intermédio da igreja.

    • Basta parar para observar os parentes das autoridades brasileiras: todos ou quase todos têm descendentes que imigraram para os states. Qualquer presidente de missão brasileiro da logo um jeito de mandar os filhos morarem fora e muitos até vão embora quando se aposentam do SEI ou de seus empregos na associação rsrsrsrs quem fica pensa em ir embora.
      Não vejo preocupação na alta liderança em incentivar seus filhos a permanecerem no Brasil e estabelecer Sião.
      Fica parecendo que esse conselho é dado aos menos favorecidos. Deve ser para não encher SLC com mais pobre do que já tem por lá rsrsrsrs
      Se o membro é rico acho que até incentivam: “por que vc não vai pra BYU estudar lá?”
      Quando é pobre é diferente: “o profeta disse que devemos todos ficar e estabelecer Sião aqui”.

      • Marcos, exatamente isso que ocorre. Esse papo de “estabelecer Sião” na realidade é só palavras jogado ao vento. No fundo a Igreja não tem intenção alguma de manter os membro mais ricos a permanecerem em seus países de origem.

      • Marcos é exatamente isso que eu ouvi quando me batizei. O presidente da missão dizia que o certo era que nós, as moças pobres e “velhas” com 18 anos de idade, ficássemos aqui e casássemos com os daqui, enquanto ele, a esposa e os 4 filhos só viviam nos USA, a esposa dela já estudou em todas as 3 BYU da igreja, isso é conversa para boi dormir, só ricos tem direito de ir para lá ter uma vida melhor, o mesmo acontece quando um rico chega da missão, todo mundo sabe que ele vai fazer faculdade e depois casar com outra igualmente rica, pois os ricos valorizam educação mais do que pobres, e eu, que sou pobre, era obrigada a casar desde o dia em que cheguei da missão, com um bando de idiotas e analfabetos que já estão encalhados a décadas. Falar em faculdade, nem pensar. É uma empresa 100% americana disfarçada de igreja. Ela só favorece ricos e pobres precisam se humilhar muito para chegar perto dessa BYU. O mesmo acontece quando uma negra e pobre vai casar com um americano, eu vi isso mil vezes e todos incentivam a não casar pois deus quer você no seu lugarzinho, mas isso não vale para os ricos, ninguém diz nada quando essas patricinhas casam com americanos, nesse caso foi deus que mandou.

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