O poeta norte-americano Wallace Stevens (1879-1955) acreditava que a arte seria a grande sucessora da religião em contribuir com algo transcendental à experiência humana. Como alguém que acredita na realidade espiritual de práticas religiosas, não concordo com Stevens, mas reconheço o quanto a arte é capaz de captar e transmitir verdades que consideramos sagradas.
Nos versos a seguir, traduzidos por Paulo Henriques Britto, Stevens retrata Adão e Eva. Melhor: retrata a nós em nossa dívida com aqueles que nos antecederam.
A ideia primeira não foi nossa. Adão
No Éden foi pai de Descartes, e Eva
Fez do ar um espelho de si própria
Descartes, um dos pais da ciência moderna, é evocado como filho de Adão. Cada ideia formada por nós tem uma história cujo germe se perde no passado.
Tenho amado esse poema de Stevens por anos, tendo lido pela primeira vez muito tempo antes do meu encontro com o mormonismo. Ao encontrar uma religião que mostrava a Queda como uma bênção e que me convidava a me colocar no lugar daquele mítico casal para fazer a jornada de volta ao lar, os versos de Stevens soavam cada vez mais familiares.
Steven, Wallace. Poemas São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 123
