Fofoca é uma forma de revelação

Conte-me tudo.

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Entrevistas na igreja podem ser momentos úteis de aconselhamento e alívio. Podem ser também momentos de constrangimento e agressão.

Enquanto lia o texto Há abuso nas entrevistas?, lembrei deste episódio, pequeno mas marcante para mim.

Havia retornado da missão há dois meses e estava lecionando a classe de Doutrinas do Evangelho para os membros adultos solteiros. Um conselheiro do bispado assistia às aulas. O Erasmo era o tipo de líder que inspirava respeito e confiança: respeitoso, sério, dava bons discursos e seu rosto passava um certo ar de tristeza, como se tivesse saído do livro de Eclesiastes.

O Erasmo gostava de fazer comentários durante a aula. Às vezes, ele esperava pelo último momento para fazer um balanço do que havia sido dito. Em dado momento ele passou a me corrigir. Uma das poucas vezes que o vi sorrindo de verdade foi quando ele contrapôs algo que eu havia dito e eu encerrei assunto. Foi um sorriso de puro prazer, quase um riso contido.

Fiquei um pouco chateado com o aroma de picuinha pessoal que estava começando a sentir. Mas bola pra frente. “Não vou entrar nesse jogo”, pensei. Eu amava dar aulas e aqueles momentos eram uma verdadeira prioridade para mim.

Um dia fui chamado por ele para uma entrevista. Ele me disse que sentia por revelação que havia algo errado: “A gente nota que tu é uma pessoa que está passando por um problema”.  Perguntas sortidas: leitura das escrituras, chamado, namorada, oração, templo, namorada, jejum. Eu estava me sentindo incomodado com o tom investigativo e a afirmação de que eu tinha um problema, ao mesmo tempo em que tentava colaborar e responder pacientemente à tentativa de ajuda. Não contente com que (não) estava descobrindo, ele lançou a última pergunta: “Tu não está devendo pensão alimentícia? Tá tudo em dia?”.

Aquilo foi um choque tão grande para mim que eu simplesmente não consegui falar. Balancei a cabeça em resposta negativa. Eu cheguei a sentir quase uma vertigem, como que caindo num buraco de decepção e tristeza.

Eu nunca havia casado ou tido filhos antes, durante ou naqueles dois meses depois da missão. (Aliás, a Igreja não permite que pessoas divorciadas ou que tenham filhos sirvam missões individuais de tempo integral.) Mas a pergunta do Erasmo pressupunha que ele sabia que eu era um pai e/ou ex-marido de alguém. “Da onde ele tirou isso? E como ele não conhece as normas da Igreja?”.

Descobri pouco tempo depois de onde vinha a revelação do conselheiro do bispado. Pela minha namorada na época, soube que, como comecei a ir à igreja com minha irmã e meus sobrinhos, muitas pessoas acreditavam que eu era casado e havia depois me separado/divorciado.

Sou grato por ter passado por essa situação, por pior que tenha sido o sentimento. Acredito sinceramente que Deus estava tentando me ensinar a ser mais forte, mais independente e saber que D&C 121:39 quer dizer o que diz. Foi um bom choque de realidade.

 

15 comentários sobre “Fofoca é uma forma de revelação

  1. Não acredito que fofoca seja revelação,acredito que de certa forma o Senhor prover meios pelo quais os seus lideres(apenas bispos e pres.de estacas,em âmbito local) tenham informações privilegiadas sobre a vida dos membros os quais preside com um objetivo único de ajudalos,mas mesmo assim isso não chama-se revelação,isso é informação.E outra coisa importante,conselheiro de bispo nao tem chaves para está vasculhando a vida de nenhum membro de sua unidade,as chaves estão com o bispo e mesmo assim um bom bispo não vasculha vida de ninguem com perguntas do tipo,o conselho adequado é fazer como o Senhor fez com Caim mesmo sabendo o que ele tinha feito o Senhor fez a pergunta”Aonde está teu irmão”.O Senhor fez a pergunta com o objetivo de fazelo confessar seu pecado e ajudalo no arrependimento.
    Quando alguem que não possui chaves ou autoridade lhe fizer uma pergunta de cunho pessoal,apenas diga, desculpa irmão, mais esse assunto eu só falo com o bispo.A Igreja é do Senhor mais os homens são falhos,parabens por você ter suportado bem essa invasão de privacidade.

    • Cazza,

      tampouco acredito que fofoca seja uma forma ou fonte de revelação. Aliás, ninguém acredita nisso! Ao menos conscientemente, ninguém. O problema está quando o comportamento de indivíduos e grupos diz o contrário.

      No que aconteceu comigo, a fofoca (fatos imaginados, passados adiante como verdades) foi cristalizada, de forma que um homem que presidia sobre mim, usando a autoridade do sacerdócio, sequer se deu ao trabalho de verificar as informações a meu respeito.

  2. Cazza wrote:

    “Não acredito que fofoca seja revelação (1) ,acredito que de certa forma o Senhor prover meios (2) pelo quais os seus lideres(apenas bispos e pres. de estacas,em âmbito local) tenham informações privilegiadas (3) sobre a vida dos membros (4)… ”

    (1) Chega a ser hilário, é claro que a metáfora exposta no texto redigido por Antonio não conduz a este entendimento, beseder! (2) O S’nhor provê meios… (Em outras palavras o S’nhor provê fofoqueiros) (3) fofocas agora têm outro nome: Informações privilegiadas… (4) sobre a vida dos irmãos, que o líder sem duvida dirá que foi inspiração… Vejam como é a cultura na ala que este cidadão frequenta.

    Pois é, tem irmão que acha que o S’nhor se envolve em fofocas, picuinhas, sacanagens, etc…

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