Com o Natal se aproximando, muitos cristãos refletirão acerca da natividade ou nascimento de Jesus. A Bíblia cristã inclui duas estórias diferentes do nascimento de Jesus, encontradas no Evangelho de Mateus e no Evangelho de Lucas. No entanto, há apenas uns poucos detalhes preciosos sobre o restante de sua infância no Novo Testamento.

O Encontro do Salvador no Templo, pintura de William Holman Hunt.
Alguns cristãos hoje podem se perguntar o que ocorreu depois.
O Proto-evangelho de Tiago
Escrevi sobre essa questão em meu livro “Jesus, Mary, and Joseph: Family Trouble in the Infancy Gospels” [“Jesus, Maria e José: Problemas Familiares nos Evangelhos da Infância”]. O Proto-evangelho de Tiago, uma fonte essencial para meu livro, descreve a infância de Jesus. É “extracanônico”, não podendo ser encontrado nas cópias da Bíblia pertencentes aos principais ramos da cristandade.
Não se trata de uma fonte para o Jesus histórico. O que ele revela, de fato, é a imaginação dos primeiros cristãos. Foi lido amplamente pelos cristãos antigos, os quais copiaram as estórias e as traduziram para diferentes línguas – grego, latim, siríaco, árabe, para citar algumas.
O Proto-evangelho de Tiago contém estórias sobre Jesus enquanto criança, entre as idades de cinco e 12 anos. O conteúdo desse evangelho pode perturbar muitos cristãos hoje que imaginam Jesus, mesmo em sua infância, como um ser perfeito.
Enquanto o menino Jesus provê bênçãos, curando seu irmão Tiago, por exemplo, de uma picada de cobra, ele também se mete em encrencas. Jesus amaldiçoa e machuca outras crianças. Ele adquire uma má reputação. Quando um parceiro de brincadeiras chamado Zeno cai do telhado e morre, seus pais acusam Jesus de empurrar Zeno do telhado. Mas Jesus traz o menino morto de volta à vida. Os pais de Zeno louvam a Deus e ao jovem salvador.
Jesus, 12 anos
Se os leitores se sentirem confusos pelo comportamento da criança Jesus no Proto-evangelho de Tiago, estarão na mesma posição de seus pais. Maria e José não o entendem.
O episódio final do Proto-evangelho de Tiago é um eco da única estória sobre a infância de Jesus no Novo Testamento. No Evangelho de Lucas, a sagrada família quase se separa. Jesus, 12 anos à época, vai com seus pais a Jerusalém para celebrar a Páscoa. A seguir, Maria e José começam o caminho de volta para casa. Mas Jesus não.
Ele fica em Jerusalém sem permissão. No caminho de casa, Maria e José de repente se dão conta de que Jesus desapareceu. Três dias de busca e eles encontram a criança no templo em Jerusalém, ensinando adultos. Maria repreende Jesus por deixá-los preocupados:
“Criança, por que nos trata desta forma? Veja, seu pai e eu estivemos buscando por você em grande ansiedade.”
Jesus responde:
“Por que vocês estavam buscando por mim? Vocês não sabiam que devo estar na casa de meu Pai?”
Jesus se livra da preocupação de Maria, enquanto ignora José, falando de seu pai divino. Suas palavras deixam Maria e José perdidos, uma vez que não entendem o que lhes foi dito.
Cai longe do pé
Suspeito que o fracasso de Maria e José em entender Jesus é o elemento com que leitores modernos se identificarão mais fortemente. Isso me faz lembrar do marcante livro de Andrew Solomon, “Longe da Árvore: Pais, Filhos e a Busca da Identidade“, o qual descreve pais e filhos separados por diferenças profundas.
Em um capítulo, Salomon descreve as experiências de pais de crianças surdas. Em outro, retrata os desafios enfrentados por famílias com crianças nascidas com síndrome de Down. O que Solomon descobre através desses estudos de caso é “a profunda incognoscibilidade até mesmo do relacionamento humano mais íntimo”.
No entanto, como observa Solomon, diferenças podem fortalecer ao invés de enfraquecer vínculos. Diferenças que nos empurram aos limites do entendimento podem nos ensinar como amar.
O capítulo de Solomon sobre síndrome de Down acerta em cheio aqui em casa. Sou pai de dois filhos, um que nasceu com síndrome de Down e um que nasceu sem um cromossomo extra. Em dias raros, as estrelas se alinham e eu sei exatamente o que dizer ou fazer como pai. Na maior parte do tempo, estou inseguro. Às vezes, profundamente confuso. Porém, como Andrew Solomon, acho que o amor é construído a partir de todos esses momentos.
Talvez uma mensagem similar possa ser encontrada na estória de Jesus aos 12 anos. Ele caiu “longe do pé”? Inseguros após a cena em Jerusalém, Maria, José e Jesus voltam para casa juntos. A família não é uma estrutura claramente definida na estória: ela não está baseada na biologia ou reflete alguma “norma”. Ao invés disso, é uma opção para permanecer juntos, aconteça o que acontecer.
Neste Natal, estórias sobre o bebê Jesus ganharão mais atenção. Mas pense um pouco no Jesus pré-adolescente e seus pais confusos. Eles nem sempre o entendem.
Eles o amam mesmo assim.
Christopher A. Frilingos é professor associado do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade Estadual de Michigan.
Artigo originalmente publicado aqui. Reproduzido com permissão.