Em uma tradição religiosa em que a autoridade é um princípio essencial, a ideia de obedecer e seguir a fonte correta de autoridade é fortemente enfatizada. Os efeitos potencialmente perigosos de tal ideia surgem ao serem esquecidos os parâmetros e critérios da obediência – em outras palavras, a quem obedecemos e por que obedecemos.
Em reuniões da Igreja já cheguei a ouvir a afirmação de que devemos obedecer conselhos de um líder eclesiástico, mesmo que saibamos estar errado. Dessa forma, seríamos abençoados por nossa obediência. Aparentemente, segundo essa “doutrina”, Deus não nos abençoa por distinguirmos o certo do errado e sermos coerentes com nosso entendimento, mas por nossa obediência burra. Em outra ocasião ouvi uma pessoa elogiar no púlpito a “obediência cega que os novos conversos têm”!
Brigham Young presava por demais a autoridade apóstolica de que desfrutava. Há quem diga que ele “magnificou” como nunca o apostolado, extrapolando seus limites anteriores. Mas o mesmo Brigham também defendia calorosamente a autonomia espiritual dos santos, incentivando uma confirmação espiritual a respeito de princípios ensinados e decisões tomadas pelos líderes da Igreja. Nesta citação, Brigham alerta contra a dependência que sentia entre os santos:
Com que frequência tem sido ensinado que se vocês dependerem inteiramente da voz, julgamento e sagacidade daqueles apontados para liderá-los, e negligenciar a usufruir do Espírito por si mesmos, quão facilmente poderão ser levados ao erro, e finalmente expulsos para a mão esquerda? (Brigham Young, Journal of Discourses 8: 59)
A negligência de que fala Brigham não só nos expõe a possíveis erros, mas mesmo na ausência de erros coloca em perigo nossa condição espiritual
Que pena seria se fossemos levados por um homem à destruição! Vocês tem medo disso? Tenho mais medo que este povo tenha tanta confiança em seus líderes que não inquira a Deus por si mesmos se são guiados por Ele. Temo que se acomodem em um estado de auto-segurança cega, confiando seu destino eterno nas mãos de seus líderes com uma confiança descuidada que por si impediria os propósitos de Deus em sua salvação e enfraqueceria aquela influência que poderiam dar a seus líderes, caso soubessem por si, pelas revelações de Jesus Cristo, que são guiados pelo caminho correto. Deixe cada homem e mulher saber, pelo sussurro do Espírito de Deus, se seus líderes estão caminhando na senda ditada pelo Senhor ou não. (Brigham Young, Journal of Discourses 9:150)
Quando era um recém-converso de 25 anos, ouvi de um líder que me entrevistava que eu não deveria pensar em servir uma missão de proselitismo. Como eu acreditava estar sendo inspirado divinamente a servir uma missão, ignorei aquela opinião – sem nenhum sentimento negativo àquela pessoa ou sua atitude. O conselho estava errado e contrariava o que eu sabia que devia fazer. Simples assim. Ignorei um conselho para seguir outro. Caso tivesse comprado a ideia de que todo conselho de um líder deve ser obedecido, não teria servido como missionário e minhas experiências de vida e entendimento do evangelho e da Igreja seriam hoje diferentes.
Que bom que temos no mormonismo uma tradição que valoriza a experiência espiritual pessoal, a autonomia do pensar e a liberdade. Tal tradição poderia estar mais evidente em nosso cotidiano. Se hoje não está, é porque talvez não a estejamos honrando tanto quanto deveríamos.
Riquíssimo texto, que investe o “liderado” de responsabilidade, pra que segundo a influência do espírito, seja ele mesmo o líder da própria vida!
“Ouvimos, de homens que portam o Sacerdócio, que fariam qualquer coisa que lhes dissessem aqueles que presidem sobre eles – ainda que soubessem que era errado. Mas obediência como esta é pior do que tolice para nós. É escravidão ao extremo. O homem que assim, de bom grado, se degrada não deveria reivindicar um posto entre os seres inteligentes, até que ele abandonasse esta sua insensatez. Um homem de Deus desprezaria essa ideia. Outros, no extremo exercício de sua autoridade onipotente, ensinam que tal obediência é necessária, e que não importa o que os Santos fossem instruídos a fazer pelos seus presidentes, deveriam fazê-lo sem quaisquer perguntas. Quando os élderes de Israel abraçam estas noções extremas de obediência a ponto de ensina-las para o povo, geralmente é porque eles têm, em seus corações, o desejo de fazer o mal eles mesmos.” (Joseph Smith, Estrela Milenar, vol. 14, n. 38, pp. 593-595.)
Antonio, gostei muito do seu texto. Alias, os primeiros artigos publicados por este blog estão me ajudando a me livrar de preconceitos que criei com relação ao vozesmormons. Será que além de estudarem e refletirem sobre o homossexualismo e sacerdócio e mulheres, por exemplo, vocês oraram ao Senhor e receberam uma confirmação de que não há problema no casamento entre pessoas do mesmo sexo e na ordenção de mulheres ao sacerdócio? Porque se assim for, penso seriamente em fazer o mesmo. Juro que não estou caçoando de ninguém, mas estou compreendendo melhor o objetivo deste site.
Fico feliz, Marcos, que este texto tenha lhe provocado tal reflexão. Afinal, este é um dos objetivos de compartilhar ideias neste blog.