Nos 101 anos da presença de pessoas ligadas ao mormonismo no Brasil*, dois membros da Igreja ocuparam a Câmara Federal: Moroni Bing Torgan, pelo Ceará, e Romanna Remor, representando Santa Catarina. Neste ano, além do setenta de área, concorrerá a uma vaga em Brasília o não menos mórmon Roberto Miguel Rey Junior – O Dr. Rey.
Robert Rey era pouco conhecido no Brasil quando foi entrevistado pelo Jô Soares, em 2004, para falar do sucesso de seu programa televisivo que havia estreado naquele ano. Meu tio me ligou naquela noite, perguntando-me se eu estava assistindo ao talk show. Por coincidência, eu realmente tinha visto a chamada da entrevista, mas o sono me havia vencido. Quando fui informado que aquele rapaz era mórmon, a letargia se foi, e passei a prestar atenção à entrevista.
Naquela altura do programa, já havia sido comentada sua história mórmon. Apenas pude entender que ele era um cirurgião plástico brasileiro que morava nos EUA e que fazia uma oração antes das cirurgias. Dias depois, vi alguns membros da Igreja comentarem positivamente sobre o cirurgião.
Após alguns meses, na sala de espera de um consultório odontológico ligado a uma empresa pertencente a um vereador e líder mórmon local, li nas tradicionais páginas amarelas da Revista Veja sobre a história do médico. Notei que aquela revista, que tinha a capa rasgada para evidenciar a entrevista com o mórmon famoso, não estava lá por acaso – tinha objetivos proselitistas por parte de pessoas do estabelecimento; talvez reflexo do comportamento dos pertencentes a confissões religiosas minoritárias, com sua ânsia de mostrar quão fantásticos são seus correligionários.
Se em 2004 Rey foi percebido pelos membros brasileiros como um bom representante da religião, o mesmo foi duramente criticado pelos mórmons internautas oito anos depois, quando este foi indicado para concorrer a Mórmon Brasileiro de 2012, concurso promovido pelo Vozes Mórmons e Murilovisk.
O médico realmente tivera uma forte presença midiática naquele ano: havia se destacado nos bastidores do carnaval da RedeTV, deu um show de humor ao carimbar, em sinal de aprovação, seios e glúteos das modelos, que passavam por uma avaliação estética ao vivo.
Sua atuação foi muito elogiada, recorde de menções no Twitter e conferiu uma audiência acima da média à emissora; o que rendeu ao cirurgião plástico o convite de apresentar o programa Sexo a Três, que ocupava parte do horário que o mais popular produto da emissora havia deixado com sua mudança para TV Bandeirantes.
UM POUCO DA HISTÓRIA DE REY
Robert Rey teve seu primeiro contato com os missionários mórmons no início dos anos 70, em São Paulo. Fazia pouco mais de cinco anos que a primeira estaca brasileira havia sido organizada, e as duplas de élderes tinham a difícil missão de fazer a igreja crescer, em uma época na qual se evitava a pregação do mormonismo às pessoas com traços negroides. A família de Robert estava bem nesse quesito – não tinha a linhagem, como se dizia na época. Sua mãe era gaúcha, descendente de alemães; o pai, norte-americano, sem o “sangue de Caim”.
O genitor de Robert havia participado da II Guerra Mundial, mas, devido a um romance que tivera com uma espiã da Alemanha, sentiu-se perseguido pelo governo americano e migrou para o Brasil. Fiel à sua atração pelas conterrâneas de Ratzinger, casou-se com uma moça de sobrenome Reisdörfer, Avelina, que viria a ser a mãe do cirurgião plástico.
A despeito de o provedor da casa trabalhar como engenheiro, a família de Rey passava dificuldades financeiras. O médico afirma que a razão de eles viverem um padrão aquém do que era esperado de uma família cujo arrimo era funcionário de nível superior de uma companhia americana decorria do alcoolismo de seu pai, aliado às aventuras extraconjugais deste.
A família morava no bairro da Lapa (o lado pobre), em uma pequena casa, que abrigava, além do pequeno Roberto, seus três irmãos e os pais. Rey conta que aos 11 anos já praticava, em companhia de um grupo de marginais adolescentes, pequenos furtos a lojas da vizinhança: “Se tivesse ficado no Brasil, estaria na cadeia”, especula o candidato.
Certo dia, dois missionários estadunidenses bateram na porta de sua casa. A priori, seu pai ficou desconfiado. Pensou que a dupla de pregadores fosse agente da CIA, com a missão de vigiá-lo. Embora neste caso específico refletisse mais a paranoia do ex-combatente de guerra, a crença de que os missionários mórmons fossem espiões do governo norte-americano era bem comum numa época em que o mundo estava dividido em dois polos, com os EUA jogando pesado para manter sua zona de influência.
Superada a desconfiança inicial, o veterano de guerra fez amizade com os missionários e viu nas visitas destes um meio de matar saudade de sua terra, de sua língua. Os mórmons passaram meses frequentando a casa da família, sem, no entanto, conseguir levá-los às águas do batismo.
Vendo a difícil vida que as crianças tinham, um desses missionários fez o audacioso convite de levá-las para serem criadas no exterior. “Meu pai ficou muito contente. Minha mãe não tinha voz ativa na família. Assim, por incrível que pareça, ele mandou os quatro filhos para os Estados Unidos”, relembra.
De início, foram Roberto e uma irmã para casa do missionário, em Utah, onde ficaram por cerca de quatro anos. A família mórmon que os recebeu era numerosa e bem ligada a atividades culturais, como teatro e literatura. Rey credita suas conquistas acadêmicas à essa atmosfera salutar da casa que o acolheu, e afirma ser o mormonismo a chave de seu sucesso. Posteriormente, a mãe de Rey migrou para os EUA, juntou os filhos novamente e foi morar no Arizona.
Nos anos 80, Roberto estudou teledramaturgia, formou-se em química e cursou medicina, enquanto trabalhava como ator e praticava artes marciais. Após formar-se na Tuft’s University School of Medicine, em Boston, 1990, cursou mestrado em políticas públicas na Universidade de Harvard, fez residência em cirurgia geral na UCLA e em cirurgia plástica na Universidade do Tennessee. Voltou à Harvard, onde fez uma especialização.
Em 1998, partiu para Beverly Hills disposto a atuar no concorrido mercado de cirurgia plástica dessa ostentadora cidade do condado de Los Angeles. Sem pacientes nesse início de carreira, viajava para outras regiões para fazer atendimentos como clínico geral. Unindo sua paixão pela dramaturgia e medicina, participou de programas televisivos sobre cirurgia, alcançando o sucesso com a série Dr. 90210, que teve início em 2004.
Depois do sucesso do reality show, Rey passou a visitar seu país natal frequentemente e tornou-se figura cativa em populares programas da televisão brasileira, sobretudo, quando sua série ganhou uma versão dublada em português, Dr Hollywood, transmitida em rede aberta.
ENTRE GAYS E HOMOFÓBICOS
Como um bom showman, Rey não é nada discreto. Suas roupas são extravagantes e seu cabelo é estiloso. Com forte sotaque de gringo, ele abusa de diminutivos (barriguinha, bumbumzinho, narizinho) na ânsia de ser uma pessoa mais leve, meiga e assim fazer com que as mulheres – sua principal clientela – sintam-se à vontade em sua presença.
O look fashion de Rey, aliado à sua personagem cada vez mais espetaculosa, contribui para que sua orientação sexual seja questionada em praticamente todas as entrevistas. Ele afirma não ser gay, e sim, metrossexual: “ gosto de me vestir bem, uso a moda de Milão. Eu crio esse personagem, os maridos não têm ciúmes, pois acham que sou gay. Eles deixam suas mulheres comigo no restaurante, saem, e quando voltam, as suas esposas estão todas lambuzadas (…) minha meta é beijar todas as brasileiras”, é o que costuma responder o médico na tentativa de apresentar sua virilidade hétero.
“A gente trata todo mundo bem. A comunidade gay me apoiou muito em todo o mundo. Mais de 90% da minha equipe é gay. Eu, particularmente, nunca senti esta tendência em mim, entende? Meus empresários americanos, meus produtores, todos são gays. Nem Jesus os julgou, então não sou eu quem vai julgar.
Não obstante a importância do apoio da comunidade gay na carreira do médico, Rey filiou-se ao PSC – agremiação cuja figura de maior visibilidade é famosa pela luta contra os direitos dessas pessoas, sendo o próprio partido lá não muito destacado quanto se trata de políticas que incluam os homossexuais.
Não só na recém-vida politica do candidato este esteve ligado a pessoas que se opõem às graduais conquistas que os homossexuais têm conquistado. Curiosamente, o missionário que levou Rey para os EUA, Orson Scott Card, tornou-se um célebre escritor de ficção científica.
Além de famoso por seus diversos livros, que tiveram adaptações para cinema e influenciaram o nome de um importante álbum do Iron Maiden, Card destacou-se como integrante do conselho da National Organization For Marriage: organização formada em 2007 cujo objetivo é a mobilização contra o casamento entre pessoas de mesmo sexo nos Estados Unidos.
VIDA RELIGIOSA
Nas entrevistas a que tivemos acesso, Rey se apresenta como um homem religioso. Ele ama a Igreja, tem por ela um grande respeito e gratidão. Em palestra na FGV, o médico atribuiu à oração e ao pagamento do dízimo os baixos índices de complicações em suas cirurgias. É sem dúvida, na atualidade, ao lado de Carlos Martins Wizard, o membro da igreja que mais pronuncia a palavra “mórmon” na mídia tupiniquim.
No início da vida adulta, Rey se tornou menos ativo na adoração religiosa, ficando fora da Igreja por mais de 10 anos. Ele casou-se com uma moça não mórmon, Hayley, e aponta a divergência quanto a questões religiosas entre o casal como um dos motivos de estarem separados atualmente.
O período de inatividade no mormonismo do candidato coincidiu com a faixa etária em que os rapazes mórmons são enviados como missionários, o que o impediu de usar plaqueta e ser chamado de Elder Rey. Porém, declara estar preparando seu filho para servir uma missão, e deste modo definiu o trabalho missionário mórmon: “é uma missão de pobreza, vão jovens e voltam homens”.
O médico tem sua versão própria do “ being in the world but not of the world”: “ estou sempre nas baladas, mas cheira meu copinho – é água (…) estou em todas as festas de Hollywood, com Madonna, Ashton Kutcher; tem droga em todas as mesas, todo mundo fazendo pozinho (usando cocaína), mas eu não (..) vivo no mundo, mas não sou parte do mundo (..) na balada, beijo várias mulheres, mas não levo nenhuma para o apartamento”.
Afirma não fazer cirurgia de mudança de sexo por motivação religiosa: “ eu sou mórmon, não mudo o sexo das pessoas; acredito que Deus deu o sexo para as pessoas; sou como um protestante evangélico”. Rey declara estar seu background religioso por trás de sua escolha partidária: “ sou cristão, por isso escolhi o Partido Social Cristão”. Em outro momento ele menciona gostar do PSC pelo fato de ser o único partido que não tem medo de falar de Deus.
Para Rey, seu retorno ao Brasil seria fruto dos ensinamentos mórmons: “Mesmo estando no mundo de Hollywood, ainda sou mórmon, e essa religião ensina a devolver o que você recebeu. Eu vou voltar para o Brasil e fazer cirurgia em uma área sem recursos – no Acre, na Amazônia, onde eles precisem de um cirurgião plástico“, declarava há uma década.
Assim é nossa contraditória personagem, que encabeça a lista das celebridades que resolveram se candidatar. É brasileiro, mas tem sotaque de gringo e conquistou o American Dream; é apoiado por gays, mas anda de mãos dadas com homofóbicos; é de uma religião austera e de um partido político conservador, mas costuma tirar a roupa na TV, frequentar baladas e beijar várias mulheres; é comparado ao Tiririca, mas tem um diploma de Harvard; está no mundo, mas afirma não fazer parte deste.
*Estamos considerando aqui a chegada da Família Zapf, em 1913.
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Dados biográficos foram traçados tendo por base entrevistas concedidas pelo médico, além de inúmeras participações em programas televisivos:
Revista Veja
The New York Times
Marília Gabriela
Programa do Raul Gil
The Noite
Agora é tarde
O fuxico
VI Virada Empreendedora
Já ouvi o Dr. Rey algumas poucas vezes, nunca tive simpatia, tampouco antipatia, mas lendo o texto achei tão bonitinho ele dizer que não bebe, não fuma e não sai com outras mulheres… Ele é médico cirurgião, acredito que o olhar dele sobre as mulheres seja realmente e somente profissional. Se ele mente, se é inativo, isso não me diz respeito e o problema é todo dele. Pela leitura do texto ele parece bem respeitador no que se refere a questão religiosa, espiritual e para mim isso é o mais importante. Acho que é possível ser mórmon, seguir os mandamentos, e ter uma vida normal sem parecer um esquisitão ou esquisitona e ao mesmo tempo estar no mundo sem ser do mundo.
Sua última frase resume o que eu gosto em ser mórmon.
Contraditório inteligente, parece ter princípios e valores e sem dúvida transparece ter afetividade genuina pelos menos favorecidos,é claro que pode ser apenas parte do show. No entanto, oque a maioria avassaladora da grande hoste de portadores “dignos ” do sacerdócio com seus terninhos pretos e colarinho branco tem feito? da pra fazer uma lista: aulas estúpidas e emburrecedoras, discursos pobres, arbitrariedade contra os menos favorecidos e contra aqueles que ousam pensar diferente, desprezo absoluto pela figura de Cristo, espancamento de esposas no lar, vicio em pornografia etc. Sabe…acho que precisamos de mais alguns Doutores Ray na igreja, só pra dar um “equilibrada”.