Escolha Não Apelidar

Na última Conferência Geral, o Presidente d‘A Igreja (Mórmon) relembrou o mundo de que o Evangelho não é para todo mundo.

Estou falando sério. Deixe-me explicar.

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Russell M. Nelson (centro) e seus dois conselheiros na Primeira Presidência, Dallin H. Oaks e Henry B. Eyring. | Imagem Cortesia de Intellectual Reserve.

Na Conferência Geral de outubro de 2018, o profeta e Presidente do Evangelho Restaurado de Jesus Cristo dissse palavras firmes, as quais chamou de “um assunto de grande importância”. Falou sobre mudar o nome da igreja e abster-se de usar o apelido “Mórmon” em referência à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Ele disse que a revisão do guia de estilo não era

uma mudança de nome, não é uma reformulação de marca. Não é cosmética. Não é um capricho. E não é sem consequências. É sim uma correção. É um mandamento do Senhor.

Ainda disse que

Quando o Salvador declara nitidamente qual deve ser o nome de Sua Igreja e ainda precede Sua declaração com: “Pois assim será a minha igreja chamada”, Ele está falando sério. E se permitimos que apelidos sejam usados ou adotamos ou até mesmo apoiamos esses apelidos, Ele Se ofende.

Eu simpatizo com isso. Não gostaria de ofender a Deus. Sabemos o que acontece com pessoas que ofendem a Deus. Digamos que não faz bem a elas.

Sou alguém que presta atenção especial à palavra “ofender”. Ela surge no discurso mórmon muitas vezes, frequentemente com papeis interessantes e específicos. Por exemplo, o jornal The Church News publicou um artigo 2006 afirmando que sentir-se ofendido era um sinal de fraqueza e imaturidade espirituais. Também já fui acusada de sentir-me ofendida em muitas ocasiões em que ofereci uma crítica à minha própria comunidade de fé.

Conheço bem a posição de líderes da igreja sobre o tema da ofensa. Considere o discurso dado pelo Élder Bednar em que descreveu as pessoas ofendendo-se com a igreja:

Então eu dizia algo como: “Deixem-me ver se compreendi o que aconteceu com vocês. Porque alguém na Igreja os ofendeu, vocês deixaram de ser abençoados pela ordenança do sacramento. Renunciaram à companhia constante do Espírito Santo. Porque alguém na Igreja os ofendeu, afastaram-se das ordenanças do sacerdócio e do templo sagrado. Abriram mão da oportunidade de servir ao próximo e de aprender e crescer. E agora estão erguendo barreiras que impedirão o progresso espiritual dos seus filhos, dos filhos dos seus filhos e das gerações seguintes”. Muitas vezes as pessoas paravam para pensar por um instante e em seguida comentavam: “Eu nunca tinha visto as coisas por esse prisma”.

Então, o bispo e eu fazíamos o convite: “Caros amigos, estamos aqui hoje para dizer-lhes que a hora de parar de sentirem-se ofendidos é agora. Não só nós precisamos de vocês, mas vocês também precisam das bênçãos do evangelho restaurado de Jesus Cristo. Por favor, voltem — e voltem agora”.

Isso quer dizer que quando deixamos que coisas nos impeçam de ver o indivíduo, impeçam de amarmos a pessoa por detrás da ofensa, perdemos bênçãos.

Eu me pergunto se esses mesmos princípios se aplicam a Deus. Quais bênçãos Deus perde se Ele se ofender cada vez que usarmos a palavra “mórmon” para descrever Sua igreja? Claro que Deus não precisa de bênçãos. Sabemos disso. Seu trabalbo é nos abençoar.

Nelson abordou o fato de que alguns críticos consideraram a mudança de nome trivial, quando há tantas outras questões mais importantes no mundo. Ele nos assegurou que essa era uma revelação muito importante vinda de Deus. Se imaginarmos que Deus de fato quer corrigir nossa linguagem, em meio a crises ambientais, desastres naturais letais, pobreza, fome, e violência, ainda assim me sinto confusa.

Mas por que Deus se ofenderia por um apelido? O argumento teológico é desconcertante. Não teria pensado que Deus se deixasse abalar tão facilmente.

Poderia Deus, um Ser que testemunhou milhares de anos de história humana– o Deus que viu milhões de Seus filhos sofrendo as correntes da escravidão, sofrendo o moderno estupro em massa e trabalho infantil na Costa do Marfim, tortura, terror e exploração– encontrar ofensa quando não “uso responsavelmente o guia de estilo”?

O Presidente Nelson diz que sim. Ele nos diz que cada vez que alguém usa a palavra “mórmon”, Satanás tem uma vitória. Talvez seja por isso que não sou uma Santo dos Últimos Dias muito boa. Sou um pouco irreverente demais com coisas como linguagem. Uso o termo “mórmon” para ampliar o escopo do que significa ser uma discípula de Cristo.

Na Fundação Sunstone, incorporamos a frase “Há Mais de Uma Maneira de Ser Mórmon”. Adotamos esse lema porque cresci com um firme testemunho de que o Evangelho de Jesus Cristo é para todas as pessoas. Eu escutei quando os profetas me disseram que estava disponível a todos que o buscassem genuinamente. Ser um Santo dos Últimos Dias significava estender a todos um convite para aceitar o Evangelho. Usar o termo “mórmon” era apenas um mecanismo para ampliar o pertencimento a mais pessoas, especialmente àqueles não se sentiam fazendo parte da Igreja (aquela do Evangelho Restaurado de Jesus Cristo).

“Mais de uma maneira de ser mórmon”

Caso sua teologia não seja capaz de trazer esperança ao mais marginalizado, ao mais vulnerável, ao “menor destes”, então não é boa teologia. De fato, temos uma palavra para isso: dano. Iria ainda mais longe e afirmaria que é “usar o nome do Senhor em vão”.

Por isso digo que Nelson nos relembrou que o Evangelho não é na verdade para todos. O termo “mórmon” é amplo demais e alcança longe demais. Ele deixou claro que temos mais uma oportunidade de sinalizar nossa lealdade a Deus. Podemos adicioná-la à nossa lista do que distingue um bom de um mau mórmon, ãh, santo dos últimos dias. Não use blusa sem mangas, não faça compras aos domingos e não use acrônimos para a Igreja do Senhor.

Nunca suspeitei que o Deus de todas as coisas — aquele que esteve comigo nos momentos mais sombrios, que estava comigo quando me sentei com sobreviventes de violência sexual, ou famílias que haviam perdido seus filhos LGBT para o suicídio — que esse mesmo Deus seria tão sensível.

Vejo que o Presidente Nelson crê que Deus se importa muita mais com coisas triviais. Obviamente, não sou um profeta e provavelmente não enxergo o cenário maior no grande escopo da história humana. Mas nos caracteres limitados do universo da mídia social, talvez Deus esteja mesmo nos testando para se assegurar que não ofenderemos. Nossas antepassadas tiveram as planícies e os carroções para moldar seu testemunho, e nós temos que enfrentar os desafios de tweets concisos.

Nesta confusão, tomara que haja instrução. Nas palavras do Élder Bednar, gostaria de convidar o Presidente Nelson (e aparentemente Deus?) a relembrar estas palavras:

Quando achamos ou dizemos que fomos ofendidos, em geral isso quer dizer que nos sentimos injuriados, maltratados, desprezados ou desrespeitados. Certamente ocorrem coisas irrefletidas, constrangedoras, censuráveis e mesquinhas em nossas interações com outras pessoas que podem fazer com que nos sintamos ofendidos. Todavia, no fundo é impossível para uma pessoa ofender outra. Na verdade, achar que alguém nos ofendeu é fundamentalmente falso. Ofender-nos é uma escolha que fazemos; não é uma condição infligida ou imposta a nós por alguém ou algo.

Se o Senhor, ou Seus servos, ou qualquer um se ofende quando alguém como eu usa a palavra “mórmon”, sugiro as palavras dos servos na torre de vigia: cinco chaves para evitar ter seus sentimentos feridos.


19895098_10211551952945814_5955118545525461223_nLindsay Hansen Park é Diretora Assistente da Fundação Educacional Sunstone, autora no blog Feminist Mormon Housewives e apresentadora do podcast Year of Polygamy

Artigo original publicado aqui. Reproduzido com permissão.

11 comentários sobre “Escolha Não Apelidar

  1. Hoje na reunião sacramental se tocou neste assunto, sobre o nome da igreja, da revelação mais recente.

    Sinceramente me acho confuso seguindo pela lógica, pra mim é como se eles (presidência) tivessem esperado o Presidente Monson morrer para desfazer tudo que ele fez.

    Eu me identifico como mórmon pela nossa cultura e história mesmo com suas discrepâncias, porém, nunca deixei de ensinar ou mencionar o nome da igreja por completo.

    O interessante é o quanto falar “mórmon” em uma capela possa parecer errado agora.

  2. Gostaria de tecer alguns comentários.
    Concordo com a autora do texto no sentido de que pode parecer estranho que Deus esteja preocupado com um assunto tão superficial frente a tantas calamidades e problemas diversos que a humanidade atravessa. Este seria um pensamento comum ao olhar para a questão. No entanto, se prestarmos atenção ao que ocorre no “mundo mormon” e no “modus operandi” do recebimento de novas diretrizes, regras e orientações gerais para a igreja, as chamadas “revelações “, a “expressa vontade de Deus para seu povo”, podemos compreender melhor esta necessidade.
    Cada nova instrução dada pelo presidente da Igreja ( de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, ok), emerge de uma necessidade social, econômica, eclesiástica ou administrativa que a organização atravessa. O presidente da Igreja não profetiza nem recebe as chamadas revelações para o mundo como seria esperado de um profeta, geralmente. Ele o faz apenas para a comunidade a qual lidera. Joseph Smith estabeleceu ( ou o Senhor através dele, se assim preferir) o padrão de recebimento de novas instruções sobre os mais variados assuntos, as quais eram dadas à membresia como revelações. Toda vez que uma nova revelação era anunciada, era em resposta a uma determinada demanda. Alguma dúvida ou necessidade atual de cada época. Assim foi compilado o livro canônico de Doutrina e Convênios e assim recebemos cada nova instrução desde aqueles dias até o dia de hoje. Há sempre uma necessidade que antecede uma nova diretriz.
    Compreenderemos melhor se entendermos o contexto em que cada revelação/regra/diretriz foi dada. Nos dias atuais, se pudermos pesquisar e refletir sobre os movimentos de outras comunidades também denominadas como “mormons”, entenderemos o porquê da necessidade de se firmar o nome da igreja como único e singular, como uma unidade separada de qualquer outra organização que se autodenomine mórmon. Desvincular a igreja brighamita das outras através do nome é ressignificar e reafirmar sua autenticidade, autonomia e singularidade em tempos em que eventos significativos da “historia mormon” tem sido alardeados e ganhado, se não tantos adeptos, ao menos muitos curiosos, tais como a nova vinda do anjo Moroni à terra e o início da tradução da parte selada do Livro de Mormon, eventos estes incorporados e validados pela Comunidade de Cristo, outrora conhecida como A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias Reorganizada (vide https://www.facebook.com/projetozionps/). A partir disso, é de se esperar que medidas sejam tomadas para separar a Igreja ainda mais de todas as outras denominações mórmons.
    Outrossim, creio que o presidente Nelson segue o modelo estabelecido até então, sem, no entanto, contextualizar a demanda, a necessidade, conforme Joseph Smith fez em todo D&C, e não só ele como todos os presidentes da Igreja após a morte de Joseph. Ao fazer deste modo, dão à nova diretriz um caráter absoluto e atemporal, e deixam no ar a verdade implícita de que os profetas anteriores erraram ou não se importaram com algo que agora declara como tão relevante. Desta maneira, sem a devida contextualização, faz com que os membros mais reflexivos se debatam em dúvidas sobre o antes e o agora, sobre o que ainda virá, pois daqui a dois ou três presidentes, pode ser que o nome mórmon esteja de novo sendo usado indiscriminadamente e com apoio da própria instituição, como o tem sido ultimamente até aqui, inclusive com um vasto banco de referências na internet em canais oficiais, facilmente acessíveis. A cura para estas múltiplas mudanças e contradições, cada uma delas assumindo caráter absoluto, é a máxima:” um profeta vivo vale mais do que um profeta morto”. E assim seguimos anestesiados. Seria muito mais leal e mais fácil admitir que esta é uma necessidade atual frente a acontecimentos modernos, e que devemos seguir por isso e por isso e por isso, até que novas diretrizes sejam dadas. Enfim…obedecer cegamente tem suas vantagens, resta saber para quem.
    Em relação ao citado no texto sobre ofensa à Deus, me permita um adendo de que em qualquer língua, as palavras são símbolos que adquirem significado de acordo com o contexto em que são aplicadas, e o verbo “ofender” não é diferente. Não significa, a meu ver, que Pres. Nelson quis dizer que Deus é sensível, fica “magoadinho” e melindroso por qualquer coisa, mas que não tomar o nome de sua Igreja corretamente o ofende no sentido de “deixa de honrá-lo” ou “deixa de ser reverente”. É como quando dizemos: “não ofender a memória de alguém”. A memória de alguém é sensível ou fica magoada? Não, portanto a palavra nesta frase tem outra conotação. Não me parece, me desculpe a mania de revisora de texto ha tantos anos, que neste caso o vocábulo assuma o mesmo sentido que a autora do texto problematizou. Ofender a Deus é qualquer ato que nos distancie Dele, é descumprir seus mandamentos, sejam eles quais forem. Ele se ofende, assim como o Espírito Santo se ofende e se afasta. É este o sentido, na minha opinião.
    De qualquer maneira, usar o nome correto da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, nome tão comprido que dá até preguiça, não me parece algo negativo, e tendo a dar razão ao Pres. Nelson, de que o apelido Mórmon nos tira a oportunidade de sermos identificados como cristãos, logo numa primeira apresentação. Mas o que realmente importa a meu ver é: Após as apresentações iniciais, ao conviver conosco, continuaremos sendo vistos como um povo que tem Cristo como centro de sua vida individual e em comunidade, ou seremos mais um daqueles livros que enganam pela capa?

    • Boa observação, Suzana. A relação (e tensão) com denominações que tem identidade mórmon poderia talvez ter motivado essa nova política. Ironicamente, a Igreja SUD por décadas afirmou que eram os únicos mórmons, inclusive registrando a palavra como propriedade intelectual.

      A propósito, não existe nenhum endosso, apoio ou validação por parte da Comunidade de Cristo para a alegada tradução das placas em Caxias do Sul.

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