Quem nunca ouviu, numa reunião do Sacerdócio, ou numa classe da Escola Dominical, ou mesmo em aulas do Seminário ou Instituto, alguém dizer que o lendário Pé Grande é nada mais, nada menos que o bíblico Caim? [14]
Se alguém nunca ouviu essa estória (sim, Caim filho de Adão e Eva, e que teria matado seu irmão Abel), esta perdendo uma das partes mais divertidas do folclore Mórmon! OU então não está prestando atenção no que os outros estão falando na Igreja…
Toda cultura tem os seus mitos. Não se trata aqui do sentido clássico, acadêmico de Mitologia, mas de mitos populares, ou lendas urbanas, ou contos folclóricos. Crenças ou dizeres populares cujas origens raramente se podem rastrear, cujas validade e racionalidade usualmente forçam a credulidade, e cuja permeabilidade no consciente coletivo desafia o tempo e o bom senso.
Estou começando uma série de posts para abordar os mitos populares Mórmons mais conhecidos ou mais frequentes. Vejamos se podemos descobrir suas origens, rastrear suas evoluções, e checar suas validades. Para isso, eu gostaria de sua ajuda: escreva abaixo nos comentários, ou envie por email, o mito — ou os mitos — que você gostaria de ver discutido aqui. Se você tiver a fonte de onde tirou ou leu ou ouviu o mito pela primeira vez, ela será muito bem-vinda!
Nós já recebemos várias sugestões em comentários feitos no site, sob outros posts, e eu gostaria de começar com o assunto mais “sexy” no Mormonismo: Poligamia.
MITO #1: Poligamia foi instituída por causa de falta de homens ativos na Igreja devido a perseguição.
Poligamia surge como um conceito concreto no Mormonismo em 1831, quando Joseph Smith ditou uma revelação que incentivava poligamia entre os missionários Mórmons e os Ameríndios (i.e., Lamanitas) para criar uma geração de Nativos mais “branca e deleitosa”. [1] Antes mesmo desta primeira revelação, rumores sobre o jovem Joseph Smith e suas propensões polígamas já corriam desde 1827 e 1828. [2]
A primeira experiência polígama de Joseph Smith ocorreu entre 1833 e 1836, com a Fanny Alger (13-16 anos de idade) enquanto morava e trabalhava no lar dos Smith. [3] O primeiro casamento plural de Smith do qual temos registro ocorreu em 1841, com Louisa Beaman. [4] Entre 1841 e sua morte em 1844, Joseph Smith casou-se com mais 33 mulheres, nas estimativas mais conservadoras, e casou mais de 52 mulheres a 31 homens. [5]
Tudo isso bem *antes* de qualquer migração para o Oeste e de toda a confusão das batalhas de Nauvoo (1845-1846), quando a população masculina de Mórmons era inteira e regular para a média nacional. Avaliando a origem do “princípio”, esse motivo não figurava importantemente.
Durante todo o resto do século 19, em nenhum momento a população Mórmon apresentou escassez de homens, comparados com a média nacional! [6]
MITO #2: Poligamia foi instituída para o bem de mulheres pobres, viúvas ou divorciadas com filhos.
Olhemos a origem da origem da prática: Dentre as 33 mulheres mencionadas acima que Joseph Smith desposou em sua vida (como esposas polígamas), apenas 4 eram viúvas. De todas as esposas plurais, Smith não sustentou nenhuma! [7] Ainda, destas 33, 12 tinham outros maridos, com os quais viviam, o que eliminava a necessidade da pensão. Avaliando a origem do “princípio”, esse motivo não figurava importantemente. [8]
MITO #3: Poligamia foi instituída para o bem de mulheres solteiras excedentes (“encalhadas”).
Olhemos a origem da origem da prática: Dentre as 33 mulheres mencionadas acima que Joseph Smith desposou em sua vida (como esposas polígamas), 2 tinham 14 anos, 5 tinham 16-17 anos, 5 tinham 18-22 anos, 5 tinham 23-27 anos, e 7 tinham 28-33 anos de idade. (Nesta época, Smith tinha entre 35 e 38 anos). Não eram velhas suficiente para serem consideradas excedentes (ou “encalhadas”). Avaliando a origem do “princípio”, esse motivo não figurava importantemente. [9]
MITO #4: Era um princípio fundamental da poligamia Mórmon que a “primeira esposa” tivesse o direito de dar ou não consentimento para novos casamentos.
Olhemos a origem da origem da prática: Dentre as 33 mulheres mencionadas acima que Joseph Smith desposou em sua vida, Emma Smith (sua “primeira esposa”) deu consentimento prévio para *nenhuma* delas! Após muitas discussões e brigas, Emma consentiu e escolheu as irmãs Partridge (Eliza de 22 e Emily de 19), que moravam com eles e lhes serviam de babás, porém sem saber que Joseph já havia casado com ambas alguns meses antes. Algum tempo depois, ela consentiu com o casamento das irmãs Lawrence (Maria de 19 e Sarah de 17), porém estas também já estavam casadas. Avaliando a origem do “princípio”, esse princípio não figurava importantemente. [10]
MITO #5: A Igreja abandonou Poligamia em 1890 com a publicação do Manifesto (Declaração Oficial 1).
Contrariamente do que se especula hoje, Wilford Woodruff deixou a redação do “Manifesto” (hoje publicado em Doutrina e Convênios como a Declaração Oficial #1) para advogados e confidentes, muitos dos quais sequer eram membros da Igreja. Depois da publicação do Manifesto, vários Apóstolos e membros da Primeira Presidência continuaram a contrair, oficiar, e encorajar novos casamentos plurais por mais 14 anos. [11] Até que o Presidente Joseph F. Smith foi humilhado em depoimento ao Congresso Nacional, pego em contradições e mentiras sobre o assunto, e emitiu prontamente o “Segundo Manifesto” em 1904, a partir de quando a liderança da Igreja passou a cumprir com o primeiro manifesto. [12] [13]
NÃO MITO #6: Em meados do século XIX na América, era normal e comum homens adultos casaram-se com meninas adolescentes.
Bom, eu achava que esse seria um mito, mas na verdade, parece que NÃO é um mito, ou pelo menos no que se aplica a poligamia Mórmon!
Por que eu achava que se tratava de um mito? Bom, a reação de muitos membros de Igreja com relação a poligamia foi de surpreso, desgosto, desapontamento, raiva, e até nojo. E algumas das reações envolvendo “noivas” adolescentes também se mostraram igualmente intensas, porém é difícil separar do que é desgosto por uma prática e desgosto pela outra. Membros proeminentes como Sidney Rigdon (1o Conselheiro da Primeira Presidência), William Law (2o Conselheiro da Primeira Presidência), e William Marks (Presidente da Estaca de Nauvoo) se revoltaram contra o “princípio, mas se haveriam revoltado contra as “noivas adolescentes”?
Eu fiz uma comparação usando os dados de todas as esposas plurais em Nauvoo até a morte de Joseph Smith, separando os grupos de “primeiras esposas” e “esposas polígamas”, e contrastei as idades de casamento de todas essas mulheres. Sim, há um aumento na busca por noivas mais adolescentes, mas esse aumento é discreto e provavelmente não é estatisticamente significativo. A amostragem aqui é pequena, e eu vou tentar ampliar essa análise para todas as famílias polígamas antes da migração para o Oeste (717 mulheres a 196 homens), porque certamente há que se fazer mais estudos.
Tabela calculada baseado em dados familiares de Smith, George, Nauvoo Polygamy, apêndice A e contagem para Joseph Smith de Compton, Todd, In Sacred Loneliness: The Plural Wives of Joseph Smith, pp. 1-25.
Sem dúvidas há muito mais mitos sobre poligamia flutuando por aí. Talvez alguns, como o #6 acima, que parecem mitos mas não são. E há muitos mais mitos populares entre Mórmons que se recusam a ir embora. Quais dessas lendas urbanas você já ouviu, e quais delas você gostaria de discutir aqui?
[1] Collier, Fred. Unpublished Revelations of the Prophets and Presidents of The Church of Jesus Christ of Latter Day Saints, vol. 1, p. 58.
[2] Jesse, Dean, ed., The Papers of Joseph Smith: Autobiographical and Historical Writings, 1:314.
[3] Compton, Todd. In Sacred Loneliness: The Plural Wives of Joseph Smith, pp. 25-43.
[4] Bushman, Richard. Joseph Smith: Rough Stone Rolling, p. 494.
[5] Smith, George. Nauvoo Polygamy, apêndice A.
[6] Widstoe, John A. Evidences and Reconciliations, pp. 390-392.
[7] Compton, op. cit., Introdução.
[8] Ibid.
[9] Smith, op. cit., apêndice A.
[10] Newell, Linda e Avery, Valeen. Mormon Enigma: Emma Hale Smith, p. 98-99.
[11] Hardy, Carmon. Solemn Covenant: The Mormon Polygamous Passage, apêndice II.
[12] Paulos, Michael, ed., The Mormon Church on Trial: Transcript of the Reed Smoot Hearings
[13] Quinn, Michael. “LDS Church Authority and New Plural Marriages, 1890–1904,” em Dialogue: A Journal of Mormon Thought, 18:9-105
[14] Cannon, Abraham. Diário de Abraham H. Cannon, vol. 17: 1893 (ver trecho nos comentários abaixo)
Não sei se isso é mais mito ou folclore, mas eu gosto muito das histórias sobre os Três Nefitas. Talvez parte do motivo porque lhes gosto tanto é porque gosto de imaginar eles involvidos em todo tipo de trabalho de justiça social ao correr dos anos (como, por exemplo, trabalhando num campo de refugiados em Sudão hoje em dia, ou protestando contra a escravidão no século XIX). Gosto menos dos exemplos que ouvimos muito nos EUA, do tio de fulano que recebeu ajuda por três homens com cabelo branco quando seu carro parou na estrada. 🙂
Eu já ouvi um destas lendas mórmons, e é bem engraçado. Esse do Pé Grande eu nunca tenha ouvi! Parece-me com uma história que ouvia na missão que – “certa vez um apostolo viajava em seu cavalo quando surpreendentemente um homem negro e muito alto andou lado a lado com ele e depois se foi…” diz a lenda que era Caim. Já ouviram falar dessa lenda ? É verdade? Se tiver fundamento qual era o apostolo?
Já ouvi essa história muitas vezes—muitos dizem que foi Parley P. Pratt (meu antepassado, na verdade), mas não foi. Na verdade quem contou esta história foi David W. Patten, um membro do primeiro quorum dos doze e um mártir na Batalha de Crooked River. Em português, o único lugar aonde eu sei esta história é encontrada é no Milagre do Perdão, escrito por Spencer W. Kimball. Não tenho cópia em português, mas em inglés é citada na página 127. Quem sabe se a história é verdadeira, mas é fato que David W. Patten contou a história como se fosse.
Nossa, Rolf! É verdade! Eu tinha me esquecido do ‘Milagre do Perdão’!
Achei a origem da estória: Abraham Cannon anota em seu diário, no dia 09 Nov 1893, um relato proferido por Joseph F. Smith (que nasceu 19 dias após a morte de Patten):
“Ir. J. F. Smith contou sobre quando David Patten viu e caminhou com Caim. Ele descreveu Caim como um homem muito alto, sua cabeça no mesmo nível com a de David Patten enquanto ainda montado na sua mula. Eu sempre imaginei que Caim estivesse morto, mas me chamaram a atenção à passagem de escritura concernente à maldição de Deus que recairia sobre qualquer um que matasse Caim. Eu imaginava que isso se referia a quem matasse sua semente.” (Diário Abraham H. Cannon, vol. 17: 1893)
Caros leitores muitos dos escritos usasdos muitos foram forjados por expecialistas em religiao e escrita s antigas a demais religiao é o que lemos nos livros editados pela igreja mas cada um aceita o que lhe aprover mesmo no tempo do profeta se escreveram livros polémicos.
Israel.Marques
Israel, eu não entendi o seu comentário. Quais escritos foram forjados por quem e quando? Por favor, seja mais claro, e por favor, use pontuação. Obrigado.