A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos prontamente emitiu nota oficial lamentando o recente ataque terrorista em Nice, no sul da França.
Diferentemente do que fez com o recente ataque terrorista em Bagdá, capital do Iraque.No dia 14 de julho p.p., um terrorista supostamente sob a influência do Daesh jogou um caminhão de 19 toneladas em alta velocidade contra uma multidão de turistas e residentes celebrando o feriado nacional francês do Dia da Bastilha, matando 84 e ferindo 202 pessoas.
No dia seguinte, a Igreja SUD emitiu nota oficial articulando pesar e luto pelas vítimas e seus familiares.
“Patrick Kearon, Presidente de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias para a Europa, e os membros da Igreja na França, unem-se a todas as pessoas de boa vontade para expressar suas mais profundas condolências às famílias e amigos das vítimas do trágico acontecimento que ocorreu ontem à noite em Nice. Nós estamos em luto hoje enquanto consideramos a tragédia que acaba de ocorrer e oramos pelas pessoas afetadas, suas famílias, e seus entes queridos.”
Enquanto isso, onze dias antes, um ataque terrorista matou 292 e feriu 225 pessoas num shopping center de Bagdá enquanto faziam compras durante o seu principal festival religioso de Ramadã.
Até agora, treze dias depois, ainda não houve qualquer pronunciamento da Igreja SUD sobre essa tragédia, ou quaisquer orações por essas vítimas, por essas “pessoas afetadas, suas famílias, [ou] seus entes queridos”.
Como o próprio jornal oficial da Igreja SUD Deseret News noticiou, o Papa Francisco orou em público pelas vítimas em Bagdá, enquanto manteve-se na redação absoluto silêncio da liderança da Igreja SUD sobre essa tragédia.
No final de 2015, nós havíamos publicado um excelente artigo discutindo justamente essa diferença de percepção e compaixão com vítimas de nacionalidades e etnias diferentes, coincidentemente envolvendo um ataque terrorista na França (daquela vez, em Paris):
“Ver as reações de solidariedade ao redor do mundo frente aos ataques em Paris nos relembram da capacidade humana de sentir empatia e compaixão, apesar de diferenças de nacionalidade e cultura. Por outro lado, também sugerem que sofremos de empatia e compaixão seletivas.
No dia anterior ao terror na França, 43 pessoas haviam sido mortas em um ataque suicida em Beirute, capital do Líbano. Boa parte da mídia enfatizou que os terroristas do Daesh (ou Estado Islâmico) haviam atacado um reduto do rival Hezbollah. Tal abordagem provavelmente contribuiu para desumanizar as vítimas e normalizar a percepção da violência. Como observou um jornalista sobre seus compatriotas, “muitos americanos ouvem ‘Paris’ e pensam na Torre Eiffel; ouvem ‘Beirute’ e immediatamente a associam à guerra”.
Ironicamente, Beirute já foi apelidada de Paris do Oriente Médio. E apesar da percepção no ocidente de ser um “país muçulmano”, o Líbano é um dos países com maior diversidade religiosa na região – contando até um pequeno ramo SUD na capital – e que exige que seu chefe de estado seja um cristão maronita.”
…
A Primeira Presidência d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias emitiu uma declaração no dia seguinte à tragédia parisiense, expressando solidariedade ao povo francês e conclamando os membros em todo o mundo a orarem para que “a paz do Salvador Jesus Cristo possa proporcionar conforto, cura, compreensão e esperança.” Bandeiras francesas foram hasteadas a meio mastro na Praça do Templo.
A Igreja não tem uma presença forte no Iraque, porém mantém organizado unidades formais lá, inclusive articulando especificamente como membros no Iraque podem fazer para pagar seus dízimos.
Não obstante, isso não foi suficiente para comover a liderança da Igreja o suficiente para reconhecer a dor e o sofrimento das vítimas iraquianas. Voltando ao contraste do ano passado:
Talvez essa compaixão seletiva seja produto de nossa herança genética que nos impele a ver a humanidade dividida entre “nós e os outros”, em detrimento de pessoas cuja aparência ou cultura nos agrade menos. Talvez seja um dos fatores que constituam o “homem natural”, o qual a escritura informa ser “inimigo de Deus”.
…
Não, não houve bandeiras do Líbano. O título acima [Igreja Mórmon Hasteia Bandeira Libanesa], hoje falso, apenas aguarda um futuro em que sejamos menos seletivos em nossa compaixão e o novo mandamento esteja acima das relações públicas e das limitações de cada um.
Haveria silêncio de oficiais da Igreja SUD se um ataque terrorista matasse 292 e ferisse 225 pessoas num shopping center em qualquer metrópole ocidental durante a época de compras natalinas? Se não, então por que essa diferença, ou melhor, indiferença?