A Ética Mórmon e o Espírito do Capitalismo

Tivesse vivido um século mais tarde, talvez Max Weber fizesse perspicazes generalizações a respeito da “Ética Mórmon e o Espírito do Capitalismo”.

Karl Emili Maximilian Weber (1864-1920) foi um dos mais importantes sociólogos do século XIX. Suas teses são estudadas por historiadores e sociólogos sendo ensinadas até no ensino médio. Sua obra mais importante foi “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” (1904). Nela através de seus estudos mostra o quanto a crença protestante principalmente a calvinista, revolucionou o sistema capitalista moderno. Apesar de ser uma corrente diferente de teses religiosas, há muito do calvinismo embutido no mormonismo.

Trabalho, Lucro e Conversão Calvinista e Mórmon

Nos tempos medievais com o sistema do feudalismo as teses católicas eram rígidas. O trabalho era visto como um meio de pagar pecados. A sociedade estamental era tripartida entre clero, nobreza e servos. Os servos não tinham oportunidades de ascensão e a justificativa era a predestinação, ou seja, Deus teria predestinado aquela pessoa a ser apenas um vassalo durante sua existência. A produção era apenas para a subsistência do feudo, pois, o lucro através de vendas ou empréstimos com juros era tido como pecado.

Com o advento da Reforma Calvinista, essas duas teses foram reformulou essas teses. João Calvino (1509-1564) ensinou que o trabalho era um dom divino. Que através dele o servo se achegaria a Deus com sua vocação para ele. O progresso do trabalho e a obtenção de lucro eram sinais de sua predestinação, dessa vez, para a salvação eterna. Não é de se admirar que boa parte dos comerciantes na época se filiaram a fé calvinista e luterana.

O historiador Afrânio Mendes Catani sobre o tema e estudos de Max Weber diz o seguinte:

“A ideia principal neste modo de pensar refere-se à extrema valorização do trabalho, da prática de uma vocação na busca da salvação individual. A criação de riquezas pelo trabalho seria um sinal de que o indivíduo pertenceria ao grupo dos “predestinados”.
(…) Weber começa investigando os princípios da éticos que estão na base do capitalismo, constituindo o que ele denomina de o seu “espírito”. E tais princípios são encontrados na teologia protestante, mais especialmente na teologia calvinista.
(…) Contrapondo-se à concepção medieval preservada pelo catolicismo que exigia como requisito fundamental o desprendimento dos bens materiais deste mundo, o protestantismo valorizava o trabalho profissional como meio de salvação do homem.” [1]

Segundo Weber protestantes eram em sua maioria os que moviam a economia dos países onde cresciam:

“Uma simples olhada nas estatísticas ocupacionais de qualquer país de composição religiosa diversificada traz à tona com marcante frequência, uma situação que diversas vezes provocou discussões na imprensa e literatura católicas, além dos congressos católicos na Alemanha. Tal situação é, dito em termos claros, o fato de que os líderes empresariais e detentores do capital, assim como os trabalhadores maiores níveis de especialização, e tanto mais o pessoal mais bem treinado técnica e comercialmente das empresas moderna, são, em esmagadora maioria protestantes. (…) em particular a maioria das cidades mais ricas, converteu-se ao protestantismo no século XVI.” [2]

Dentro da história mórmon podemos ver que líderes de certa forma ensinaram que o trabalho de certa forma é um componente importante para a exaltação. O Manual princípios do Evangelho das páginas 161 à 165 é dedicado o tema trabalho. Nas páginas 203 à 207 sobre como desenvolver nossos talentos. Confesso que o tema nunca me foi apresentado por nenhuma denominação que visitei. Aulas do currículo básico para recém-conversos adultos. Outro manual diz o seguinte acerca de autossuficiência:

“O plano do Senhor para que os membros da Igreja sejam autossuficientes é simples. Exige que façamos o melhor a fim de prover para nossas necessidades e as de nossos familiares desenvolvendo bons hábitos de trabalho; sendo econômicos; fazendo um armazenamento de itens necessários para manter-nos durante pelo menos um ano; planejando para nossas necessidades futuras; e mantendo saúde física, espiritual, emocional e social. A autossuficiência começa no lar, com o indivíduo e a família.” [3]

Curiosamente sites e cursos estão sendo ministrados sobre o tema no Brasil como podemos ver aqui e aqui. O progresso de seus membros para a Igreja SUD atualmente tem a mesma extrema valorização que nos século XVI por Calvino. Tanto que o perfil socioeconômico ainda atual está longe do ideário da liderança de Salt Lake City.

Em minha caminhada seja como membro ou missionário ouvi e presenciei coisas que me lembram a crença calvinista. Um determinado irmão sempre dizia que “após ser construída uma capela logo o estacionamento era lotado de membros com carro.” Outro já dizia que “fomos ungidos reis e sacerdotes do Deus Altíssimo” e que “o melhor deste mundo foi reservado para nós santos dos últimos dias.” Também havia um que queria que os filhos fossem diretores ou coordenadores do SEI. Confesso que um dos meus desejos era esse devido a meu curso de licenciatura. Outros querem ser funcionários da ABIJCSUD em São Paulo. Trabalhar como funcionário da Associação Brasileira de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos do Últimos Dias é algo prestigioso. Ter boas condições financeiras, família tradicional e ser dizimista integral já é meio caminho andado para bispo ou presidente de estaca, pois, tais atributos já indicam parcialmente dignidade.

Como missionário entrei no local mais luxuoso em minha vida e foi na sala celestial do Templo de São Paulo. Acredito que provavelmente não entrarei em uma sala tão linda e chic como aquela. Conheci membros evolvidos ou que já foram em pirâmides. Também vi alguns membros que se mudaram em busca de empregos melhores ou que eram concursados vindos até de outros estados. Apesar de Weber deixar claro que capitalismo não é buscar o próprio sustento, mas sim o lucro, pude ver a busca de uma melhoria de vida e êxodo para uma cidade melhor. O ar elitista muito comum entre os missionários dá a errônea ideia de uma “religião chique”. Não foram poucos os que um amigo que viveu em Curitiba denominava de “membros por status”.

Em 2013 enquanto ainda missionário na Missão Brasil Florianópolis tivemos a visita do então 2º Conselheiro na Presidência de Área o Elder Jairo Mazzagardi. Metade da missão foi a capela do bairro Saco dos Limões na capital catarinense. Como presidia a reunião foi o último a dar instruções.

Começou dizendo sobre a “revelação” da diminuição da idade missionária e que era o atual “Assim diz o Senhor” da Conferência Geral anterior em outubro de 2012. Comentou da candidatura de Mitt Romney e do musical da brodway “The Book of Mormon”, onde muitas pessoas buscaram conhecer mais sobre as crenças e aumentou o número de exemplares de Livro de Mórmon entregues.

Seu ponto alto foi quando contou que esteve em uma cidade catarinense num pesqueiro onde viu no balcão um quadro com uma escritura bíblica. Perguntou para o dono se ele era evangélico e ele confirmou que sim. Segundo Mazzagardi com um tom de reprovação esse homem seria um excelente membro com uma visão empreendedora que estávamos perdendo pessoas assim para outras denominações. Usou a escritura de Doutrina & Convênios 58:10 onde diz: “Primeiro o rico e o instruído, o sábio e o nobre”.

Disse que os melhores pesquisadores são os instruídos e com maior poder aquisitivo, pois, estão preparados para ser líderes. Que o evangelho deve primeiro chegar a eles e que um dia chegaria as favelas. E que o Senhor quer missionários corajosos para ensinar essas pessoas. Aconselhou também a ensinar quem mora perto das capelas. Ao finalizar disse sobre conversão pessoal, andar a segunda milha e respondeu algumas poucas questões.

Houveram missionários que discordaram daquele ensinamento. Pelo que pesquisei geralmente os meus companheiros preferiam ensinar as pessoas de classe mais baixa por serem receptivas. Particularmente também discordei devido ao fato de que quando recebi as lições missionárias não era rico, nem instruído (estava com 18 anos e 1º Ano do Ensino Médio no noturno) e muito menos nobre (de ascendência de escravos e filho de mãe solteira). Diante do ideário SUD pude com o tempo percebendo que nem de longe era o ideal de um converso. Mesmo com os chamados e trabalhos na Igreja não tinha uma família ideal e nem seria tradicional.

Duas vezes enquanto estive na região metropolitana nas conferências de zona eram apresentados recém-conversos para dar testemunhos acerca da Igreja. Os missionários que convidavam as pessoas. A primeira vez foi uma família de um juiz aposentado vindo do Pará. Como tal, falava muito bem durante seu discurso e agradeceu pelo trabalho prestado por nós. A segunda vez uma família de recifenses. O casal eram professores da Universidade Federal de Santa Catarina. Os dois deixaram uma mensagem e pareciam ser membros antigos usando até umas citações e histórias pessoais. O homem viu algo sobre as crenças mórmons e buscou saber sobre a Igreja. Teria ligado para o escritório de meu presidente de missão. Nisso as sisteres foram e ensinaram o que chamávamos na missão de “família de ouro”.

Gostaria de registrar uma experiência contrária a esse ensinamento e famílias assim. Encontramos em uma vilinha com vários quitinetes uma família do Maranhão em um bate-portas e ensinamos sobre o plano de salvação por ela ter perdido a vó naquele dia. Eram pessoas simples sem muita instrução visto que o homem não sabia ler e escrever. Trabalhavam na cozinha de um restaurante num shopping da cidade de São José. Através deles um casal de amigos também da cidade deles que moravam naquele local. Ensinamos a todos eles e até foram a sacramental e progrediram. Gostaram das mensagens e disseram que não conheciam pessoas “crentes que ensinavam com tanta calma como nós”.

Eles não eram casados legalmente e possivelmente voltariam para sua cidade natal. Lá não havia uma unidade da Igreja e a mais próxima na capital São Luís se tornava inviável. Segundo disseram se não fosse isso batizariam e seguiriam essa fé. Infelizmente saí daquela área e tentei encontrar eles nas mídias sociais. O meu companheiro na época relatou que não progrediram além daquilo, e tiveram que deixar de ensiná-los ou foram “cortados” na gíria missionária. Quase 5 anos depois, me pergunto como estão aqueles que segundo a atual “ética” mórmon não deveriam receber o evangelho, pelo menos por agora. Apesar de que a exclusão de certas pessoas existir em outros locais ainda me chama atenção isso em um país tão emergente como o nosso.

Guerra Fria e Mórmons Contra o Socialismo

Durante a bipolarização entre Estados Unidos da América e União das Repúblicas Soviéticas que durou entre 1945 à 1991, líderes mórmons foram extremamente contrários ao sistema econômico do socialismo. Algumas citações mostram claramente isso:

“A posição da Igreja sobre o tema do comunismo nunca mudou. Nós o consideramos a maior ameaça satânica à paz, prosperidade e à propagação da obra de Deus entre os homens, que existe na face da terra.” [4]

“O comunismo é a maior potência anticristo no mundo de hoje e, portanto, a maior ameaça não só para a nossa paz, mas para a nossa preservação como um povo livre. A medida em que nós tolerarmos isso, acomodar-nos com ele, permitir-nos ser cercados por seus tentáculos e atraídos para ele, é a mesma medida em que perderemos a proteção do Deus da terra.” [6]

“Nossos verdadeiros inimigos são o comunismo e o seu companheiro de chapa, o socialismo. (…) E nunca se esqueça por um momento que o comunismo e o socialismo são a escravidão estatal.” [7]

“A ameaça do comunismo é muito real. A ameaça do socialismo é ainda mais real. O comunismo é mais do que um sistema econômico. É uma filosofia de vida, ateu e totalmente oposta a tudo o que nos é caro (…). Não é verdade que um Santo dos Últimos Dias pode ser um comunista ou um socialista, porque os princípios comunistas são contrários à palavra revelada de Deus (…).” [8]

O presidente populista Democrata John F. Kennedy (1917-1963) foi até Salt Lake City duas vezes como presidente dos EUA sendo muito bem recebido pela população local. Inclusive deu um discurso no antigo Tabernáculo Mórmon menos de dois meses antes de ser assassinado. O então presidente da Igreja David O. McKay (1873-1970) o recepcionou. Mesmo a maioria dos cidadãos sendo Republicanos, o Partido Democrata ainda que não conservador, tem teses liberais para a economia e é contra o comunismo. Kennedy havia tentado invadir Cuba após ser instaurado o socialismo não tendo sucesso. Talvez isso o fazia ser bem visto até entre os conservadores cidadãos de Salt Lake City.

Durante a presidência do Republicano Ronald Wilson Reagan (1911-2004) ele diversas vezes recebeu líderes na Casa Branca e ainda ia a Utah. Visitou a Fábrica de Conservas da Igreja em Ogden, Utah. Hinckley o explicou sobre o programa de bem-estar o que ele admirou muito. Extremamente contrário ao comunismo tinha um relacionamento diplomático com a Primeira-Ministra britânica Margareth Tatcher (1925-2013) outra contrária a política da URSS. Ele dizia que o Coro do tabernáculo Mórmon era o “Coral da América” e em sua administração teve o maior número de mórmons trabalhando para o governo.

Me pergunto o porquê de tanta diplomacia com dois presidentes em uma denominação teoricamente apartidária. Seria a luta desses presidentes contra Cuba e URSS interessante para a Igreja naquele contexto histórico?

Membros Itinerantes

Algo que percebo há muito tempo é a migração de membros em busca de melhore oportunidades profissionais. No passado o lema era se mudar para “estabelecer Sião”. Atualmente a Igreja não incentiva e no Manual de Administração 2 no ítem 21.1.16 diz claramente para os membros ficarem em suas cidades natais e “estabelecer Sião ali”. Alguns anos atrás recebi um convite para migrar a cidade de Barreiras-BA com a promessa de oportunidades e apoio da liderança. O local é um distrito e precisa de portadores do sacerdócio de Melquisedeque.

O Sonho Americano Mórmon

O jornal O Estado de São Paulo tem uma matéria sobre membros que buscaram se estabelecer nos EUA, com maior cobertura sob o viés doutrinário aqui no site  Vozes Mórmons. Na matéria é mostrado que em 1955 um grupo de brasileiros decidiu ir “tentar a vida” em Utah.

“No centro mundial da religião, ainda reside o veterano Cláudio dos Santos, de 101 anos, que embarcou para Salt Lake City em 1955.”

Muitos brasileiros e estrangeiros tentam a vida nos EUA. O sonho ainda continua cada vez mais vivo em estudar na BYU ou se estabilizar em Salt Lake City. O que o Vaticano é para um Católico ou Meca para um muçulmano o Vale do Lago Salgado é para um mórmon.

Investimentos Mórmons

Em reportagem para o SBT Brasil a correspondente Yula Rocha esteve em salt lake City e fez um comentário interessante acerca da Igreja:

“Os mórmons são praticamente donos de Salt Lake City. Como a religião se estabeleceu aqui no estado de Utah. A Igreja não só abriu a sua sede, como também é proprietária de muitos terrenos, bancos, uma emissora de Tv e ajuda movimentar a indústria do turismo.”

Uma frase que sempre ouvi como membro é que “a Igreja é rica e se quisesse pagava almoços para todos os missionários no mundo.”

Não posso dizer se isso é mais um boato mórmon, porém, que a Igreja de Jesus Cristo dos Santos do Últimos Dias é uma denominação riquíssima não se pode negar. Ela é sócia-proprietária de um Shopping Center com outro em construção,  dona de múltiplos latifúndios, e de um luxuoso arranha-céu. Aqui podemos encontrar uma lista extensa de empresas das quais a Igreja SUD é proprietária, que contribuem ao bem estar financeiro de uma Igreja com receitas anuais estimadas em USD 7 bilhões apenas em doações religiosas.

O mormonismo, segundo historiadores da religião, foi a primeira legitimamente estadunidense. Até hoje é a mais americana de todas as religiões.

Na práxis (teoria e prática), seria o mormonismo a mais calvinista de todas as religiões?


NOTAS
[1] CATANI; Afrânio. O que é capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1980 pp 7-8, 14-15.
[2] WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2013, pp. 33-34.
[3] Manual Deveres e Bênção do Sacerdócio B. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Salt Lake City: 2002, pp. 60 (Impresso no Brasil)
[4] David O. McKay, Conference Report, April 1966, pp. 109–110
[5] Marion G. Romney, “America’s Promise,” Ensign, setembro de 1979, p. 5.
[6] J. Reuben Clark, Jr., Deseret News, “Church Section,” 25 de setembro de 1949, pp. 2, 15
[7] Ezra Taft Benson, BYU Speeches of the Year, 24 de maio de 1961, pp. 10-11.

BIBLIOGRAFIA
CATANI; Afrânio. O que é capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1980.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. Porto Alegre: L&PM, 2001.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e causas. São Paulo: Nova Cultural, 1996. v.I.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2013.

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