Em 17 de julho de 1972, Leonard Arrington registrava em seu diário um relato de Thomas Edgar Lyon sobre sua interação com o Apóstolo Joseph Fielding, ocorrida vinte anos antes. O tema da conversa era a dúvida de um jovem membro da Igreja que, tendo descoberto sua genealogia africana, não sabia se deveria contar a sua noiva, com quem se casaria no templo, e a seu bispo.

Thomas Edgar Lyon, a quem Arrington chama de Ed, servira como missionário na Holanda e para lá retornara como Presidente de Missão na década de 1930. Nos anos 1940 e 50, Lyon lecionou no Instituto de Religião da Universidade de Utah, onde transcorreu o evento narrado abaixo.
Joseph Fielding Smith, a quem Arrington admirava e a quem sucedeu como Historiador da Igreja, não apenas cria fimemente no princípio da segregação racial no sacerdócio, mas foi um dos principais defensores públicos de tal doutrina, articulando sua justificativa de uma forma que nunca havia sido feita antes.
O relato de Lyon, conforme registrado por Arrington, oferece uma percepção única de Fielding Smith, bem como dos limites da segregação de afrodescendentes na Igreja Mórmon. Em 1952, dois conselhos opostos foram oferecidos ao jovem membro pelo Apóstolo, um em público, outro em privado.
Segue abaixo o trecho do diário de Leonard Arrington.
Quando Ed Lyon era regular no Instituto de Religião da Universidade de Utah, um sujeito jovem veio vê-lo sobre um assunto particular. Ele era alto, loiro e de olhos azuis e todos o reconheciam como filho de proeminentes conversos da Holanda. Aparentemente, ele procurou o irmão Lyon sobre esse assunto porque o irmão Lyon havia sido presidente da missão holandesa [1933–1937] e tinha um interesse especial pelos imigrantes da Holanda. O irmão Lyon sabia que aquele era o filho mais novo dos imigrantes e que seus irmãos mais velhos eram muito ativos na Igreja. Um deles era Presidente de Estaca, outro era Sumo Conselheiro, outro fazia parte de um Bispado.
O rapaz explicou ao irmão Lyon que acabara de descobrir, como resultado de uma pesquisa genealógica, que uma de suas ancestrais era negra. Seu bisavô aparentemente tinha ido às Índias Ocidentais e se casado com uma nativa que era meio negra e meio índia, de modo que ele era 1/64 ou 1/128 negro. O rapaz estava prestes a se casar e queria que o irmão Lyon lhe dissesse se deveria contar à moça e ao bispo, já que quase certamente não lhe seria permitido ir ao templo para se casar. O irmão Lyon disse ao rapaz: “Deixe-me pensar um pouco sobre isso”. Ele explicou que o Irmão Spencer W. Kimball viria dar uma palestra aos líderes do Instituto sobre a questão negra. “Vou perguntar o que ele acha”, disse ele. Quando o irmão Lyon procurou o Irmão Kimball, o irmão Kimball disse: “Prefiro não dizer nada sobre isso. Acho que você deveria falar com o irmão Joseph Fielding Smith.” Joseph Fielding reuniu-se com o mesmo grupo de líderes do Instituto para responder às suas perguntas sobre doutrina, então o Irmão Lyon pegou o microfone e pediu ao Irmão Joseph Fielding Smith que respondesse à pergunta. Ele mencionou os detalhes, exceto o nome, e pediu a opinião de Joseph Fielding sobre se o rapaz deveria contar à moça e ao bispo. O Irmão Joseph Fielding deu uma resposta imediata e austera, dizendo “Ele é parte negro. Claro, ele deve contar à garota; claro, deve contar ao Bispo; claro, ele não deve se casar no Templo. Nossa doutrina é muito clara sobre isso.”
Quando estavam cantando o último hino, o Irmão Joseph F. fez sinal para o Irmão Lyon subir. O Irmão Lyon se aproximou dele e Joseph Fielding sussurrou: “Estive pensando sobre o problema que você levantou. Pensei em todas as complicações na vida da família daquele jovem irmão — o Presidente da Estaca, o Sumo Conselheiro, o membro do Bispado, e assim por diante. Todos eles se casaram no Templo e participaram das ordenanças da Igreja. Isso arruinaria suas vidas. Acho melhor, Irmão Lyon, que você aconselhe o jovem Irmão a guardar este assunto para si mesmo. Ele não deve contar à sua noiva nem ao Bispo. Isso é algo entre ele e o Senhor, e se o Senhor ratificar o selamento no Templo, quem somos nós para questioná-lo?”.
No púlpito, vimos Joseph Fielding Smith como o solene e austero estudioso das escrituras. Nós o víamos em privado como uma pessoa com humor e compaixão.
Quem foi Leonard Arrington?
Desde a instituição do chamado eclesiástico de Historiador da Igreja, em 1842, Leonard J. Arrington foi o primeiro não-Apóstolo a assumir o ofício. E permanece sendo até hoje o único Historiador da Igreja a não fazer parte do quadro de Autoridades Gerais.
Em 1970, com a morte de David O. McKay, o Apóstolo sênior Joseph Fielding Smith o sucedeu como Presidente da Igreja, deixando vaga a posição de Historiador da Igreja que ocupara desde 1921.
Com a reorganização da Primeira Presidência, o Apóstolo Howard W. Hunter foi escolhido para ser o novo Historiador. Organizando uma comissão para reestruturar o Departamento Histórico da Igreja, Hunter decidiu romper com a tradição apostólica de 130 anos e nomear Arrington, um historiador profissional, como Historiador da Igreja, em janeiro de 1972. Em julho daquele ano, Joseph Fielding Smith viria a falecer.
Sob a égide de Hunter, Arrington transformou o campo acadêmico ao abrir os arquivos históricos da Igreja para pesquisa. Seus diários, publicados em três volumes pela editora Signature Books, trazem ricos detalhes do exercício de sua função, bem como de seus sentimentos pessoais entre os anos de 1971 e 1982.
Leonard Arrington foi desobrigado de seu chamado em uma reunião privada em fevereiro de 1982, e seu novo substituto foi anunciado em Conferência Geral alguns meses depois, sem quaisquer menções a Arrington. Isso fez dele foi o único Historiador da Igreja a ser desobrigado sem votos de gratidão pela Igreja em Conferência Geral.
Referência
Bergera, Gary James; Arrington, Leonard J.. Confessions of a Mormon Historian: The Diaries of Leonard J. Arrington, 1971–1997, Volume 1, Church Historian, 1971–75 (p. 250-251). Signature Books. Kindle Edition.