Funcionária Homofóbica Criticada por Apóstolo Mórmon

Para Dallin H. Oaks, funcionários públicos não devem usar a religião para descumprir a lei

Kim Davis (Ty Wright/Getty Images)

A tabeliã Kim Davis recusa-se a cumprir a lei e emitir certidões de casamento para casais homossexuais citando “motivos religiosos”. (Ty Wright/Getty Images)

Religião e Estado

Na última terça-feira, Dallin H. Oaks defendeu a convivência harmoniosa entre religiões e o governo. O membro do Quórum dos Doze foi palestrante em uma conferência para clérigos e profissionais de direito, realizada na cidade de Sacramento, na Califórnia, estado onde a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias teve papel fundamental para a aprovação da Proposição 8.

Na opinião do juiz aposentado e segundo Apóstolo mais sênior:

“Governos e suas leis podem fornecer as proteções essenciais para fiéis e organizações religiosas e suas atividades.  Fiéis e organizações religiosas devem reconhecer isso e evitar rotular governos e leis e representantes como se fossem inimigos inevitáveis”.  Oaks também afirmou que servidores públicos “não são livres para aplicar convicções pessoais — religiosas ou de outro tipo — no lugar das responsabilidades definidas de seus cargos públicos.”

Mesmo sem mencionar seu nome, a afirmação foi uma referência a Kim Davis, tabeliã do condado de Rowan, no Kentucky, que ganhou notoriedade ao passar cinco dias na prisão. Após a legalização do casamento gay pela Suprema Corte dos EUA, a funcionária, por motivos religiosos, fez com que todo o tabelionato negasse certidões de casamento a casais homossexuais.

Ícone do radicalismo anti-gay

Kim Davis tornou-se um símbolo para os pré-candidatos presidenciais republicanos mais caricaturalmente conservadores, como Mike Huckabee e Ted Cruz, e segue angariando simpatia dos opositores do casamento igualitário, como demonstrou seu encontro com o Papa Francisco em Washington.

As críticas do Élder Oaks a Kim Davis parecem sugerir uma preocupação d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias com sua imagem pública, ao distanciar-se do discurso radical representado pela tabeliã, e majoritariamente rejeitado pelo público norte-americano e mundial. Mesmo a reportagem da Sala de Impressa mórmon fez questão de explicar que Oaks estava criticando a funcionária pública do Kentucky.

Lei contra discriminação em Utah

No início deste ano, a Igreja SUD ajudou na aprovação em Utah de uma lei que proíbe a discriminação por parte de empregadores e proprietários de imóveis contra gays, lésbicas e transgêneros. A lei aprovada pelos deputados estaduais (membros SUD, em sua maioria) não se aplica, porém, a serviços e estabelecimentos comerciais.

Mormonismo com a imagem comprometida

Em anos recentes, a Igreja tem sua imagem cada vez mais associada à oposição ao casamento homossexual, resultado de seus esforços para torná-lo ilegal em estados americanos, impedir sua legalização em Utah, em contraste com um número crescente de intelectuais e figuras públicas mórmons que acreditam não haver motivos éticos ou morais para a oposição ao casamento gay. No final de julho passado, a Igreja ainda ameaçou romper a parceria centenária com o Boy Scouts of America, depois da organização ter decidido aceitar homossexuais entre seus líderes, voltando atrás um mês depois.

Igreja SUD muda estratégia após insucesso

Os comentários do Élder Oaks também reforçam a mudança estratégica adotada após o fiasco de relações públicas de 2008 quando sua cruzada contra casamento homossexual veio à tona e gerou enorme crítica e escrutínio público.

“Nas grandes questões que dividem adversários sobre estas questões, ambos os lados devem buscar um equilíbrio, não uma vitória total. Por exemplo, os religiosos não devem procurar um veto sobre todas as leis de não-discriminação que ofendem a sua religião, e os defensores da não-discriminação não devem procurar poder de veto sobre todas as asseverações de liberdade religiosa .”

Liberdade religiosa?

A Igreja SUD, como exemplificado pelos comentários de seu terceiro apóstolo na linha de sucessão, suavizou sua cruzada contra o casamento gay com a aceitação de leis anti-discriminação, ao mesmo tempo que mantém severa oposição às famílias LGBT, e abraçando a bandeira fictícia de “liberdade religiosa”.  Não foram explicadas por nenhum dos líderes SUD, muito menos pelo juiz-de-direito aposentado, quais seriam as forças ou as ideias coibindo ou ameaçando a liberdade religiosa da Igreja SUD ou de seus membros.

Tampouco explicada é a ética da tática (agora) explícita de grupos conservadores anti-gays, dos quais a Igreja SUD é uma líder inconteste, de usar a bandeira de “liberdade religiosa” para elaborar legislações anti-gays (conforme reportado no The New York Times, na Salon, no Wall Street Journal, no The Atlantic, no The Economist, no The Guardian, no Huffington Post, no Advocate, no MediaMatters, e no Gawker) sob à (desonesta) guisa de “proteger a liberdade religiosa”.

Leia aqui a transcrição da palestra de Dallin H. Oaks.

12 comentários sobre “Funcionária Homofóbica Criticada por Apóstolo Mórmon

  1. A crítica de D. Oaks está correta. A tabeliã, tendo a prerrogativa de funcionária pública, não poderia ter negado emitir a certidão de casamento aos homossexuais, mesmo que ela creia do fundo de sua alma que o casamento é uma abominação, mesmo que ela acredite com toda sua força e razão que a única configuração de família é a composta por um homem, uma mulher e filhos. Mesmo que ela, com toda sua boa intenção, queira por em prática o conselho de D. Oaks na conferencia geral em 2014:
    “Essa prioridade do evangelho foi afirmada no campus da BYU há apenas alguns meses, por um respeitado líder católico, Charles J. Chaput, arcebispo da Filadélfia. Ao falar sobre os “problemas que as comunidades católicas e SUD enfrentam”, como, por exemplo, “os que se referem ao casamento e à família, à natureza de nossa sexualidade, à santidade da vida humana e à urgência da liberdade religiosa”, ele disse:
    “Quero salientar novamente a importância de realmente vivermos o que alegamos crer. Isso precisa ser uma prioridade, não só em nossa vida pessoal e familiar, mas em nossa Igreja, em nossas escolhas políticas, em nossos negócios, na maneira como tratamos os pobres; enfim, em tudo o que fazemos.” Mesmo que o ato de emitir o documento vá contra tudo aquilo que ela crê e defende, não tem o direito de negar a fazê-lo sob alegação de liberdade religiosa, pois de acordo com o próprio D . Oaks: “Em público, o que as pessoas religiosas dizem e fazem envolvem outras considerações. O livre exercício da religião cobre a maioria dos atos públicos, mas está sujeito a qualificações necessárias para acomodar as crenças e práticas dos outros.” Então, a saída para esta crente é pedir exoneração de seu cargo público e repensar sua vida profissional.
    Se o discurso de D.Oaks é uma mudança de estratégia da Igreja para amenizar as criticas negativas que tem recebido, prefiro dar mais tempo ao tempo, pois ainda vejo mensagens homofóbicas que favorecem ao preconceito e ao ódio e também à atitudes como a desta crente,não sei se é membro da igreja ou não, me pareceu não ser, devido ao comprimento dos cabelos, mas isto é só uma suposição da minha parte.

    • Prezada irmã Lisiane, é sempre bom ler comentários como o seu, que se alinham com o pensamento das autoridades gerais da Igreja, pois assim podemos mensurar até onde, entre o corpo de fiéis, chegam as novas doutrinas desviacionistas emanadas de Salt Lake City. A partir dele, por exemplo, posso supor que Deus seja homofóbico, pois destruiu, entre outras, as cidades de Sodoma e Gomorra, onde a iniquidade notoriamente prevalecia, em especial aquela derivada de relações sexuais entre homens. E se Deus é homofóbico, tenho o prazer de declarar que também sou: pessoalmente, detesto homossexuais e o homossexualismo por se contraporem ao plano fundamental de construir esta humanidade a partir da união carnal de machos e fêmeas. Mas, como sou igualmente um democrata, capaz de conviver com opiniões diferentes, obviamente que saúdo a sua opinião, ajustada às leis satânicas editadas nestes últimos tempos, e certamente corajosa, por se posicionar contra as orientações emanadas pelo nosso criador.

      • Friederick, não creio que o fato de não concordar com a atitude da crente possa ser considerada uma “doutrina desviacionista”, visto que todo o Cristão precisa lembrar e praticar o segundo maior mandamento que é amar ao próximo como a si mesmo. Há também outro preceito na crença SUD, na qual considero muito coerente. Refiro-me a 11ª regra de fé que salvaguarda a própria crença e a crença de outrem, naquilo que ” bem entender”. Quanto a sua homofobia, eu só lamento! Talvez você precise expandir um pouco mais suas ideias e pensar que um relacionamento entre duas pessoas, seja heterossexual ou homossexual tem por base e fundamento, o afeto, o respeito, a amizade, o amor, a confiança,etc. e não, tão somente, ao amor carnal com o propósito de procriar. Pensando numa perspectiva utópica , talvez estas questões entre leis civis e religião venha demarcar uma separação real entre os dois, pois a religião e as crenças não podem perpassar os direitos das pessoas. Jesus falou aos discípulos: ” Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” Eis aí a distinção de ambos.

  2. Concordo plenamente com o que relatou o Marco Aurélio e a Lisiane, conforme consta nas Regras de Fé SUD 11 e 12:

    11 Pretendemos o privilégio de adorar a Deus Todo-Poderoso de acordo com os ditames de nossa própria consciência, e concedemos a todos os homens o mesmo privilégio, deixando-os adorar como, onde ou o que desejarem.

    12 Cremos na submissão a reis, presidentes, governantes e magistrados; na obediência, honra e manutenção da lei.

    A tabeliã descumpriu uma ordem de seus governantes e privou os homossexuais de liberdade religiosa. Estou com o apóstolo Dallin Oaks.

Deixar mensagem para José Antonio dos Santos Cancelar resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.