Por Que o Rótulo “Seita” Atrapalha o Entendimento de Novas Religiões

“Seitas” estão de volta ao noticiário.

O documentário “Wild Wild Country” da Netflix ressuscitou o interesse pela seita do amor livre” fundada pelo guru indiano Rajneesh, ou Osho, e que em 1984 lançou um “ataque bioterrorista“, espalhando salmonella em restaurantes perto da sede do grupo no Oregon.

Reverendo Moon Seita Casamento

Cerimônia coletiva de casamento ou “rededicação” para mais de 3800 casais na sede da Igreja da Unificação em Gapyeoung, Coreia do Sul, em 2015. Imagem: Chung Sung-Jung | Cosmopolitan.

Depois, há o NXIVM, uma “seita sexual” sediada em Albany, Nova York. Reportagens na mídia afirmam que as integrantes do NXIVM recrutavam “escravas”, que eram marcadas com as iniciais do líder do grupo, Keith Raniere. Raniere, também chamado de “Vanguarda”, foi preso por tráfico humano. 

Acadêmicos às vezes usam o termo “seita” [ou, em inglês, cult, “culto” ] para descrever grupos que possuem crenças distintas e fortes níveis de comprometimento. O problema vem com o uso popular da palavra, frequentemente usada para descrever grupos autoritários que induzem crenças ou ações através de “controle da mente” ou “lavagem cerebral”.

Como acadêmico que ensina e escreve sobre religião, acredito que o rótulo “seita” atrapalha a compreensão de religiões novas ou alternativas.

Eis o porquê

Primeiro, “seita” é uma categoria vaga.

Líderes e estruturas autoritários podem ser facilmente encontrados em grupos que têm missões claras. Da Igreja Católica ao Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, muitas organizações confiam em rigorosa disciplina e obediência. Usar a palavra “seita” é uma maneira fácil de criticar um grupo, mas uma maneira pobre de descrevê-lo.

No entendimento popular, líderes de seitas usam controle mental ou lavagem cerebral para refazer permanentemente as personalidades dos recrutas, forçando-os a fazer e acreditar em coisas que não aceitariam normalmente. Se isso for verdade, como alguns acadêmicos apontam, haveria impactos mensuráveis ​​no “nível bioquímico do cérebro“. Até o momento, não há prova de que células cerebrais possam ser automaticamente modificadas por meios religiosos.

“Lavagem cerebral” foi associada à Igreja da Unificação, ou “Moonies”, fundada pelo reverendo sul-coreano Sun Myung Moon. Os Moonies isolavam seus novos recrutas e os inundavam com atenção, um processo chamado “bombardeio de amor“.

Mas, como a socióloga Eileen Barker mostrou em sua pesquisa sobre a Igreja da Unificação, as taxas de recrutamento ainda eram muito baixas. Seja “bombardeio de amor”, “controle mental” ou “lavagem cerebral”, os resultados não são muito impressionantes.

Em terceiro lugar, o rótulo “seita” é negativo.

Como observou o sociólogo britânico James Beckford, “seitas” costumam estar associadas a crenças e práticas consideradas “insalubres”. Mas o que é visto como saudável em uma cultura pode ser visto como insalubre em outra.

Mórmons fundamentalistas

Uma seita? Jovens da Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Imagem: Stephanie Sinclair | NYT

De fato, o cristianismo primitivo poderia ser chamado de “culto” porque as crenças e práticas cristãs – como não adorar publicamente o imperador – eram consideradas estranhas e perigosas na Roma antiga.

Quarto, o termo “seita” não dialoga com partes fundamentais do sistema de crenças de um grupo.

Por exemplo, os estudiosos da religião James Tabor e Eugene Gallagher argumentam que o cerco de 1993 a Waco terminou em tragédia, em parte porque o FBI ignorou as crenças bíblicas do Ramo Davidiano, um grupo cristão milenarista

Quatro agentes do Departamento de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo foram mortos na tentativa de prender o “líder da seita” David Koresh. Depois de um impasse de 51 dias, o FBI jogou gás lacrimogêneo na sede do grupo. Setenta e cinco pessoas, incluindo crianças, perderam a vida quando o complexo foi totalmente incendiado. Se o FBI tivesse dialogado com o Ramo Davidiano, levando suas crenças a sério – em vez de ver os membros como seguidores que haviam sofrido lavagem cerebral do líder insano da seita – as mortes poderiam ter sido evitadas. 

A liberdade de religião é garantida pela Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos. É preciso um estudo cuidadoso para entender se um grupo religioso é perigoso ou simplesmente “estranho”.

Mas o termo “seita” reúne todas as religiões novas ou alternativas. E quando as pessoas ouvem a palavra “seita”, as discussões terminam antes que qualquer estudo tenha sequer começado.


Mathew SchmalzMathew Schmalz é Professor Associado de Religião, no College of the Holy Cross. Possui doutorado pela Universidade de Chicago.

Artigo original publicado aqui. Reproduzido com permissão.


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4 comentários sobre “Por Que o Rótulo “Seita” Atrapalha o Entendimento de Novas Religiões

  1. Creio que esse seja um exemplo de novilíngua, onde palavras são descaracterizadas para incluir coisas que não são, com intuito único de causar erro e confusão (da qual os que fazem uso se beneficiam).

    Nunca gostei do termo, especialmente por ser tão amplamente usado contra mim na missão (hoje sou chamado por outras coisas, como esquerda, direita ou coisa do tipo… risos… mas é outra história). Mas ironicamente isso me fez ser forçado a aprender a ser mais respeitoso com a fé alheia, pois todos somos vítimas da ignorância ou então da desonestidade.

    Enquanto uma coisa fomentar ódio contra outra, por estratagemas desse tipo ou piores, não pode ser considerada saudável a existência da sociedade humana.

    Hoje sempre procuro lembrar que uma pessoa na minha frente, mesmo que pareça ou se porte como um opositor, sabe de coisas que com certeza eu ignoro. Se o diálogo não puder ser estabelecido, tudo bem, é direito do outro, mas se for possível não serei eu a fechar a porta.

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