BYU vs. Apologistas

A BYU estaria começando uma campanha contra seus “apologistas”?

Para aqueles que não sabem, a BYU (Universidade Brigham Young) é a escola de nível superior oficial de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. A Igreja sustenta e financia a universidade, além do Presidente do Conselho da BYU ser, por definição, o Presidente da Igreja, e a maioria do Conselho ser composta por Apóstolos e outras Autoridades Gerais da Igreja.

Isso considerado, é difícil não considerar a BYU como a escola oficial da Igreja Mórmon.

A BYU é uma universidade séria e, apesar do forte apelo cultural religioso, é uma instituição que aborda a educação secular com muito respeito e consideração. As faculdades de Direito e Administração encontram-se entre as melhores dos EUA; as faculdades das Engenharias, de Física, de Química, de Biologia, e escolas correlatas são excelentes, possivelmente melhores que quaisquer faculdades similares no Brasil.

Outras faculdades menos excepcionais, como Filosofia, Letras, História, Sociologia, Psicologia, etc., ainda mantém alto nível educacional.

Não obstante a excelência e a alta qualidade em áreas competitivas e de alta complexidade, o Departamento de Religião é medíocre. Tanto em formação acadêmica, como em produção literária. Motivo de piada.

Literalmente. Na década que se passou, durante a qual eu tive um interesse pessoal — mas não profissional — em estudar religião academicamente, ouvi chacotas de diversos professores da BYU de outros departamentos, e de diversos professores de religião de outras escolas, a custas da cadeira de religião da BYU.

Independentemente da percepção subjetiva de demais profissionais acadêmicos, o que mais me chamou a atenção foi a queda considerável na qualidade da produção acadêmica vindo da BYU nos últimos 20 anos. Pior ainda é a completa ausência de produção vindo da BYU em publicações acadêmicas mais importantes e relevantes.

Em parte, isso pode ser um reflexo da falta de interesse da Igreja em abordar o assunto de religião racional e acadêmicamente. Em parte, isso pode ser também um reflexo do expurgo de 1993/4 que a Igreja conduziu contra acadêmicos e intelectuais. Apesar de afetar menos de uma dúzia de acadêmicos, e não todos da área de religião própriamente dita, é possível que a pressão para censura (ou auto-censura) tenha impacto mais abrangente que o óbvio.

Mas outro fator negativo pode ter sido a tentativa de abraçar, oficialmente, os auto-intitulados “apologistas” (i.e., defensores da fé).

Em 1979, John Welch fundou a FARMS (Fundação para Pesquisas em Antiguidades e Estudos Mórmons) como uma organização sem fins lucrativos, com a missão de utilizar ferramentas academicas para produzir apologética para a Igreja. Em outras palavras, defender a fé Mórmon sob um prisma acadêmico.

Com o passar do tempo, a fundação cresceu em numero, produção literária, e em influencia cultural dentro do mundo Mórmon (embora jamais atingisse qualquer tipo de influencia ou respeitabilidade em qualquer circulo intelectual ou acadêmico). Seu impacto cultural explodiu no começo da década de 1990, em parte por causa da reação anti-intelectual oficial da Igreja, e em parte com a explosão do debate com a popularização da internet.

Seguindo a tendência de crescimento e de valorização, em 1998 a FARMS se tornou oficialmente vinculada a BYU por convite pessoal de Gordon Hinckley, então servindo como Presidente da Igreja (e Presidente do Conselho Deliberativo da BYU). A FARMS passou, subitamente, de um empreendimento amador e independente, para um departamento acadêmico e universitário, sob a rubrica oficial (e tácita aprovação) da Igreja.

Não obstante o imenso aumento em respeitabilidade com essa incorporação, a quantidade da produção literária passou a cair lenta, mas progressivamente, sem quaisquer melhoras na qualidade acadêmica.

Rumores corriam, como todos rumores sempre “a boca pequena”, sobre tensões politicas intra-departamentais entre duas facções claras: aqueles que defendiam uma abordagem acadêmica aos estudos religiosos, e aqueles que defendiam uma abordagem mais apologética. Em linhas gerais, o embate se travava entre os veteranos da BYU e os veteranos da FARMS (alguns dos quais já eram docentes da BYU antes da fusão, deve-se anotar).

Em 2006, como que um reflexo dessa tensão, a FARMS foi incorporada ao recém fundado NAMIRS (Instituto de Estudos Religiosos Neal A. Maxwell), como uma sub-unidade dedicada à apologética, dentro de um departamento acadêmico de foco mais amplo.

Ademais, em 2010 a principal publicação periódica da FARMS teve seu título alterado de FARMS Resenhas para Resenhas Em Estudos Mórmons após mais de 20 anos de circulação, demonstrando ainda mais uma transição para longe da tradição apologética e mais para um novo foco voltado para estudos acadêmicos sobre Mormonismo e/ou Religião como assunto de estudo.

O ápice (recente) dessa tensão ocorreu na semana passada, mas vem se desenhando por alguns meses.

Rumores correram há alguns meses atrás que o editor-chefe da revista Resenhas em Estudos Mórmons, Daniel Peterson (editor-chefe da FARMS desde 1989), preparava para publicação um texto sobre o fundador e diretor da Fundação de Estórias Mórmons John Dehlin, escrito por um dos apologistas da casa. Aparentemente, um dos docentes da NAMIRS leu o artigo, e sentiu-se ofendido com o tom, e compartilhou o conteúdo, ou parte dele, com o próprio alvo, Dehlin. Dehlin contactou diversas pessoas conhecidas, entre elas um membro da Presidência dos Setenta e um Apóstolo. Logo, pressão foi exercida sobre o NAMIRS para cancelar a publicação do artigo.

Nesse momento, eu preciso enfatizar que todo o relato acima é baseado em rumores: o que o Dehlin postou na sua página do Facebook, o que alguns membros da FARMS e do NAMIRS postaram em grupos de discussão como o MDB, etc. Rumores. Ninguém registrou ou documentou nada específico e público.

É possível que a confusão em torno do artigo contra Dehlin fosse o estopim para o que ocorreu depois, pois todo o furacão de notícias e rumores perdurou por quase dois meses. Também é possível que tenha sido apenas uma coincidência. Mas, na Segunda-feira da semana passada começou a correr boatos — de diversas fontes distintas — de que na Sexta-feira da semana anterior, o diretor-executivo da NAMIRS Gerald Bradford sumariamente demitiu Peterson do cargo de editor-chefe por email (enquanto esse estava fora do país), assim como toda a equipe de editores (todos veteranos da antiga FARMS e notórios apologistas).

Tudo foi tão súbito, tão incrível, e tão inusitado que eu recebi duas dúzias de emails de pessoas diferentes em menos de 6 horas, contando os mesmos rumores, e metade não acreditava que fosse verdade! Mas, no dia seguinte confirmação do departamento, da mídia, de colegas próximos e do próprio Peterson calaram todos os céticos.

Se essas mudanças refletem uma transição para estudos acadêmicos de qualidade só o futuro dirá. O mesmo se pode dizer se elas refletem uma repudiação às táticas (intelectualmente desonestas e moralmente ambivalentes) dos apologistas da FARMS, embora essa seja a impressão deixada para todos nós, observadores externos. Certamente, não seria sábio declarar o “fim” dos apologistas da FARMS (que provavelmente migrarão para a FAIR — outro grupo apologista mais amador e menos competente ainda), como esta sendo sugerido ou indicado pelas páginas de mídias sociais na semana passada. Comemoro, não obstante, a esperança de que a Igreja, e a sua universidade, irá buscar no futuro fugir de polêmicas pueris e pseudo-academicismo infantil, e abraçar um rigor intelectual e acadêmico digno de uma universidade de renome e de uma tradição que valoriza estudos e inteligência.

4 comentários sobre “BYU vs. Apologistas

  1. “I have had enough conversations with general authorities to know,” Dehlin said this week, “that they don’t view ad hominem attacks as a constructive way to do apologetics.”
    Creio que este sempre foi um problema para o Dr. Peterson, ele já havia sido advertido anteriormente pelas autoridades gerais por artigos com ataques ad hominen à Signature Books. Creio que o episódio Dehlin foi a gota d’água.
    A Apologética pode ser feita tanto por amadores ou “scholars”, é apenas um exercício filosófico para defender racionalmente argumentos contra a fé de uma religião. Um artigo Apologético não precisa e geralmente não cumpre os requisitos necessários para uma publicação no Journal of Hebrew Scriptures ou no Journal of Theology, e.g., mesmo porque o artigo contra o qual está argumentando também não cumpre os mesmos requisitos. Neste aspecto o NAMIRS realmente deve procurar se concentrar em publicações mais acadêmicas e deixar a Apologética para os colaboradores da FAIR.

  2. Não considero adequado chamar de medíocre todo o Departamento de Religião da BYU. A BYU é uma universidade com grandes contrastes, mas está intimamente relacionada com Salt Lake City, quase como se não houvessem limites entre SLC e Provo. Um grande feito foi a Igreja mandar fechar a BYU Press alguns anos atrás.
    Com relação ao fim da FARMS, este movimento é parte da profunda reforma administrativa implantada pelo Presidente Thomas S. Monson. Nosso querido Presidente Gordon B. Hinckley morreu a pouco mais de quatro anos. Se você pudesse tirar um instantâneo do Church Directory of Organizations and Leaders – CDOL de cinco anos atrás e comparasse com o de hoje, veria que o Presidente Monson alterou toda a estrutura geral da Igreja. A BYU, mais do que suas irmãs, a BYU-H e a BYU-I, mas também o LDS-BC, (que é mais uma faculdade de tecnologia do que de pesquisa, mas enfim), são tidos internamente como departamentos da Igreja e, assim, entraram junto no Projeto Monson de Modernização da Igreja SUD.
    Acho que isso seria motivo pra outro artigo, mas fica muito claro que, embora o Presidente Monson desconstrua muitas das coisas implantadas pelo Presidente Hinckley, fica muito clara uma continuidade de ações. Gordon B. Hinckley cria sua reforma institucional quando torna-se “presidente em exercício” lá quando a velha-guarda toda vai ficando doente e se vai, ou seja, antes mesmo da morte de Spencer W. Kimball, e a vai implantando aos poucos, especialmente nos treze anos de sua administração. O Presidente Monson só prossegue o que começou lá atrás, mudando alguma coisa que talvez não tenha dado certo, como desbancar a FARMS de vez, ao invés de incluí-da e “dogmatizá-la”.

    • Medíocre: adj. Que está entre o grande e o pequeno, o bom e o mau: obra medíocre;
      Falta de criatividade ou originalidade, característica do que é comum, mediano; s.m. Algo ou alguém que não tem grande valor intelectual ou capacidade para realizar algo…

      Diego, eu achei que esse adjetivo seria o mais caridoso para descrever o Departamento de Religião da BYU. Entre as escolas de Religião de nível superior nos EUA (e na Europa Ocidental), a BYU esta muito, muito abaixo da média!

      Eu vou lhe contar algumas anedotas pessoais, para ilustrar:

      * Há uns 7 ou 8 anos, eu fui a um evento na Utah State University voltada para Teólogos e Filósofos Mórmons, e consequentemente, havia muitos palestrantes e conferencistas da FARMS e da BYU. Num dos almoços, estava sentado com um palestrante e alguns conferencistas, e durante a conversa, mencionei que estava lendo David Friederich Strauss pela primeira vez. Inicialmente, nenhum deles sequer reconheceu o nome, e após algumas clarificações, demonstraram pouco interesse e/ou reconhecimento sobre as obras e a influência de Strauss.

      Para quem não reconhece o nome, isso seria o mesmo que sentar numa sala cheia de físicos, mencionar o nome Isaac Newton, e ouvir: “Eu já ouvi falar nesse nome. O que ele fez, mesmo?”

      Albert Schweitzer, outro nome importantíssimo em estudos bíblicos, disse (pf.): “Em estudos bíblicos, há apenas dois períodos — antes de Strauss, e depois de Strauss.”

      * Há mais de dez anos eu recebo todas as publicações da FARMS Review (em suas várias encarnações), e há mais de dez anos eu tento ler todas as publicações da FARMS Review, e eu não consigo me lembrar de uma ocasião em que eu conseguisse terminar de ler um artigo, uma resenha de tão ruim, tão tortuosa, tão insossa, tão irrelevante que foram as publicações. Talvez, há 15 ou 20 anos atrás eu tivesse curtido bastante, mas depois de ter alguma formação acadêmica mínima, não dá. Certamente, eu terminei alguns artigos, mas eu realmente não consigo me lembrar de cabeça agora…

      * Há mais de cinco anos eu leio todos os abstratos das conferências anuais da SBL, e adivinha quantas publicações ou apresentações importantes ou interessantes vem da BYU? Aqui e ali surgem um ou outro trabalhinho, mas nunca nada que chame atenção.

      * Nos últimos 30 anos, quantas informações, descobertas, abordagens novas e relevantes surgiram nas áreas de Estudos Mórmons (i.e., história, sociologia, teologia, crítica textual, etc.) vieram do Departamento de Religião da BYU? Que eu me lembre, nenhuma.

      Gostaria, inclusive, que você ou qualquer outro que fora, me mostrasse um exemplo qualquer que me contrarie aqui. Estou curioso pra saber se eu me esqueci ou passei por cima de algo.

      De modo geral, eu continuo achando que medíocre é um adjetivo generoso, e vou continuar com ele, até que eles me provem o contrário.

    • Diego, achei bem interessante o seu comentário sobre reestruturação pelo Thomas Monson. Eu acho curioso, porém, que quem incorporou a FARMS à BYU foi o Gordon Hinckley (com quem Monson tinha excelente rapport), e que as tensões intra-departamentais começaram muito anos antes de Monson assumir controle da Igreja. Pra mim, esses fatos sugerem algo muito mais local e anterior à presidência de Monson.

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