“Dentro do império mórmon”

Esta é a América capitalista, não?
Sheri Dew, CEO da Deseret Book
As finanças da Igreja sud mais uma vez têm sido objeto de discussão na mídia, especialmente desde a candidatura de Mitt Romney e a construção de um super shopping em Salt Lake. Na semana passada, a revista Bloomberg Businessweek, especializada em economia e negócios, publicou uma reportagem de capa sobre o assunto. A revista destaca principalmente a alta lucratividade de algumas empresas mantidas pela Igreja e a falta de transparência de suas finanças. Assinada por Caroline Winter, “Dentro do império mórmon” não é sensacionalista, apresentando opiniões diversas e dados concretos (ver lista abaixo). Ou seja, bom jornalismo.

Não julgue uma revista pela capa A capa da versão impressa, infelizmente, fugiu dos padrões de qualidade expressos na reportagem. Numa paródia do trabalho de C.C.A. Christensen, João Batista (que provavelmente vai ser identificado como Jesus Cristo pelos leitores não familiarizados com a história mórmon) aparece impondo as mãos sobre Joseph Smith e Oliver Cowdery, dizendo “…E construirás um shopping, terás ações do Burguer King e abrirás um parque temático polinésio no Havaí que será grandemente isento das frustrações de impostos…”. A isso, Joseph Smith responde: “Aleluia”.

Tratar de crenças sagradas de uma religião com senso de humor requer muita intimidade com ela e alguns freios. Os criadores do South Park parecem ter feito isso com muito bom gosto. A capa da Businessweek, porém, não teve nenhum desses elementos ao parodiar um evento fundador da religião dos santos dos últimos dias em termos totalmente alheios, imputando a Joseph Smith as atuais políticas financeiras da Igreja. De fato, nesse ponto específico, a reportagem poderia ter sido mais clara sobre as diferentes visões econômicas ao longo da história mórmon.

Tendo entrevistado D. Michael Quinn e Leonard Arrington sobre o assunto, só posso imaginar que a revista quis economizar espaço sobre tal questão. Não há, por ex., a menção da Ordem Unida, tema essencial para entender a visão mórmon sobre a relação entre economia e espiritualidade e que marcaria um claro contraste entre o comunalismo ou coletivismo pioneiro mórmon e o capitalismo atual. Apesar de qualquer limitação ou problema, a reportagem traz muitas informações interessantes. Destaco abaixo alguns pontos.

Mundo dos negócios

* De acordo com os estudos de D. Michael Quinn, as finanças da Igreja são tão compartimentadas que provavelmente não há uma única pessoa, nem mesmo o presidente da Igreja, que saiba tudo a respeito do dinheiro possuído e movimentado pela instituição.

* Como outras organizações religiosas nos EUA, a Igreja sud tem isenções de impostos em relação ao seu patrimônio imobiliário, assim como doações. Isso também inclui títulos financeiros doados. Mitt Romney e outros associados na sua empresa Bain Capital doaram milhões de dólares em ações, entre 1997 e 2009, incluindo US$ 1 milhão da Domino’s Pizza e US$ 2 milhões do Burger King.

* Organizações sem fins lucrativos mantidas pela Igreja às vezes parecem ser lucrativas, afirma a revista. O Centro Cultural Polinésio, no Havaí, por ex., recolheu em 2010 US$ 23 milhões em vendas de ingresso e US$ 36 milhões em doações livres de impostos. As isenções do complexo cultural são federais, uma vez que localmente tribunais do Havaí consideram-no uma empresa comercial.

* O Havaí também é sede da Hawaii Reserves, empresa com fins lucrativos, que possui terras, edifícios comerciais e residenciais e dois cemitérios.

* A maior empresa comercial de propriedade da Igreja é a Deseret Management Corp. (DMC), que possui diversas subsidiárias. A DMC tem entre 2 a 3 mil funcionários e patrimônio anual estimado em US$ 1.2 bilhões. Apesar dos fins lucrativos, ela também conta com cerca de 1.400 voluntários, em grande parte aposentados.

* A DMC é presidida por Keith McMullin, 70 anos, que até a última Conferência Geral era o segundo conselheiro no Bispado Presidente. Ao ser desobrigado, McMullin foi convidado pelo presidente Monson a trabalhar na DMC.

* Ao todo, há 10 diretores na DMC: os três membros da Primeira Presidência, os três do Bispado Presidente, outros três apóstolos seniores e  McMullin.

* Empresas comerciais pagam 10% dos seus rendimentos à Igreja, como dízimo. Mas, de acordo com McMullin, ocorrem situações em que o caminho contrário é necessário. “De tempos a tempos, se há uma necessidade particular, haveria alguns fundos disponíveis, mas felizmente ao longo dos anos, não foi o caso com muita frequência,” diz McMullin. “Se você tem um imprevisto em particular em uma empresa, precisa ter algum fluxo de caixa adicional até sair de um momento difícil. Vou te dar um exemplo: estamos passando por um agora mesmo; chama-se recessão “.

* Sobre o City Creek Center, um super shopping que custou mais de US$ 1,5 bilhão, o presidente da DMC diz que a Igreja não tem o propósito de obter lucro: “Haverá um retorno? (…) Sim, mas tão modesto que nunca se teria feito tal investimento – o verdadeiro retorno vem das pessoas voltando ao centro [de Salt Lake] e da revitalização das empresas.” Pausando brevemente, acrescenta com ênfase, “é para promover o objetivo da igreja para fazer (…)  os homens maus bons, e os homens bons melhores. ”

* A Igreja também possui um fundo de investimento chamado Ensign Peak Advisors, “que emprega gerentes especializados em ações internacionais, gestão de tesouraria, renda fixa, investimento quantitativo e  mercados emergentes”. Essa parece ser a empresa mais lucrativa e menos pública de todas. De acordo com um de seus vice-presidentes, “bilhões de dólares mudam de mãos todos os dias”.

* Empresas voltadas ao agronegócio incluem a Sooner Cattle Co., sediada em Oklahoma e com vendas anuais estimadas em US$ 760 mil; Agrinorthwest, com 161 subsidiárias e vendas estimadas em US$ 68 milhões anuais, sediada no estado de Washington; Deseret Land and Livestock, que atua em Utah e Wyoming, possuindo cerca de 8500 cabeças de gado; AgReserves, com fazendas no Canadá, Austrália, Grã-Bretanha e América Latina.

* No ramo de seguros, a Igreja possui a Beneficial Life Insurance Company, que obteve a renda líquida de US$ 17 milhões em 2010 e ativos avaliados em US$ 3.3 bilhões.

Reações

Como é comum no meio sud, a reportagem da Bloomberg Businessweek gerou algumas reações militantes de membros da Igreja denunciando supostas distorções da reportagem ou mesmo perseguição à Igreja, como pode ser lido em alguns comentários no site da revista. A Igreja também publicou um comunicado sobre sua independência financeira.

Por outro lado, membros da Igreja a favor de maior transparência financeira aproveitaram também o momento para iniciar uma petição online para que a Igreja sud retome a prática existente até 1959 de relatórios financeiros anuais com divulgação de números concretos. A petição foi iniciada por Ron Madson, um advogado de 57 anos de Alpine, Utah, citado pela reportagem: “O dinheiro pode estar sendo administrado perfeitamente, pelo que sabemos. Mas nós não sabemos”.

Hoje, 24 de julho, marca a entrada de Brigham Young e o primeiro grupo de pioneiros no que hoje é o estado de Utah. Fugindo dos EUA e avessos ao mercado, eles acreditavam na construção de Sião. Fora da Babilônia, não dentro dela. O que será que eles diriam do ímpeto comercial da moderna Igreja sud? E você, o que pensa disso tudo? Será possível uma maior transparência nas finanças da Igreja e mesmo o retorno de relatórios financeiros concretos, divulgados na Conferência Geral?

 

104 comentários sobre ““Dentro do império mórmon”

  1. Também concordo com vocês, é necessário um pouco mais de transparência, porém, deixo os seguintes questionamentos para quem puder responder:

    Existe algum motivo específico que levou a Igreja a deixar de publicar relatórios mais detalhados sobre suas finanças?
    Será que essa transparência pode ser, de algum modo, prejudicial à igreja?
    Partindo do pressuposto que a igreja obedece à toda legislação do país onde exerce suas atividades, que motivo levaria a igreja a divulgar suas informações financeiras além do exigido pela lei?

    Forte abraço colegas.

    • Victor, não posso oferecer respostas conclusivas, mas aqui vão algumas ideias.

      “Existe algum motivo específico que levou a Igreja a deixar de publicar relatórios mais detalhados sobre suas finanças?” Não que tenha sido documentada e esteja em conhecimento público. Mas, de acordo com estudiosos, o período dessa mudança coincide com o início de investimentos de fundos do dízimo no mercado de ações.

      “Será que essa transparência pode ser, de algum modo, prejudicial à igreja?” Provavelmente, deve haver entre as autoridades gerais essa impressão. Mas seria de fato? Com honestidade e separação completa entre o dízimo e demais doações dos membros e do capital das empresas comerciais provavelmente não haveria nada constrangedor ou comprometedor.

      “Partindo do pressuposto que a igreja obedece à toda legislação do país onde exerce suas atividades, que motivo levaria a igreja a divulgar suas informações financeiras além do exigido pela lei?” A necessidade de transparência vai além de questões legais e é antes de mais nada, pelo que entendo, uma questão interna da própria Igreja. Assim, um dos motivos seria, em primeiro lugar, cumprir com as diretrizes estabelecidas por revelação de que todas as coisas devem ser feitas na Igreja pelo comum acordo, inclusive o uso das contribuições financeiras (D&C 104:71).

      Abraços!

      • Cara um outro dia um membro ficou muito bravo comigo porque eu compartilhei aquela publicação sobre a igreja entrar no mercado imobiliário, segundo ele eu deveria especificar que o dinheiro não era do dizimo mas sim de outras fontes, eu falei que nao o fizera porque em nenhum lugar especificava de onde o dinheiro vinha, achei interessando vc ter falado do investimento do igreja com dinheiro do dizimo no mercado de ações, você tem fontes sobre isso?

  2. Sou um profundo conhecedor sobre como a igreja primitiva na época de Paulo usava os recursos obtidos (Sejam eles quais forem: Dizimos, ofertas, doações voluntárias etc) pelos santos fiéis. Com certeza absoluta, estes fundos eram revertidos única e exclusivamente para manutenção das víuvas acima de 60 anos de idade sem decendência ou com filhos falecidos, para escravos que convertiam-se a Cristo e necessitavam de ajuda temporal, para membros com necessidades temporal (momentâneas) como: alimento, roupa etc, e, para o acolhimento dos mendigos que ficavam jogados nas ruas, lavá-los por fora e por dentro , convertê-los a Cristo ( serem conhecidos como : os caridosos).
    Pergunto:
    O que Paulo o apostolo faria, caso ele estivesse vivendo em nossa época com a igreja próspera e com tantas empresas, terras, fazendas produtivas, ações etc, será que ele relataria o que está sendo feito com os recursos (gordos) obtidos pelas mesmas? Será que ele continuaria a canalizar estes recursos para as viúvas, escravos (membros que necessitam de uma ajuda financeirra de uma bolsa de estudo integral para qualificarem-se intelectualmente e profissionalmente e tornarem-se autosuficientes), para membros que estão urgentemente necessitando de remédio, comida e roupa sem precisar usar a tal guia ANR ou este membro ter que vender o que tem em casa, chamar amigos, familiareres para tentar sanar seus problemas e só então depois disto recorrer à Igreja? E pior ainda! Será que ele instruiria aos bispos (que já não possui nem talões de cheques) para socorrer algum membro necessitando de ajuda do fundo de jejum? Ou ele continuaria a investir mais e mais empresas, fazendas, ações e tornar a Igreja (Corporação) mais rica do que já é, e, enquanto isto, tentando salvar os membros no domingo, e, durante a semana, ficar assistindo o mundo cruel, competitivo, ganancioso e egoísta crucificá-los.

    • Perguntas oportunas, Anderson. Não sei se temos um quadro muito bem definido sobre as finanças da igreja cristã primitiva, mas o que você propõe certamente parece uma possibilidade bem plausível, pelo que conhecemos das escrituras. Se analisarmos as revelações modernas em D&C também veremos um quadro mais parecido com esse descrito, onde a unidade entre os santos é buscada também em termos materiais.

      • Perfeito seu contato Antônio, assim como o comentário acima dos Anderson! Não existe nada nas escrituras; seja a Bíblia, livro de mórmon, nem em D&C sobre investir dinheiro de doações de membros em fundos de investimentos ( a igreja possui 100 bilhões) Agro negócios, mercado imobiliário ( 2% mercado Flórida) diversas Empresas, Construção Shopping Center e vou para por aqui, porque há muito mais… Então me digam: Essa é a igreja verdadeira de Jesus Cristo? ELE faria isso se estivesse aqui? Os 12 apóstolos da igreja primitiva fariam isso? Rua que vos digo: NÃO! Então a igreja não é guiada por revelação alguma! E se não é guiada , não é verdadeira, correto?
        Muitos membros diante de todas a evidências; não irão aceitar essa opinião.
        Estou estudando sobre dissonância cognitiva: É impressionante como ela funciona e muito bem dentro das igrejas; principalmente quando dentro de uma determinada religião você não pode questionar nada, apenas obedecer! Diante disso você é proibido questionar, pode ser o maior absurdo do mundo, a maior abominação, mesmo assim você deve apoiar os seus líderes; pois “eles” foram chamados por Deus! Isso vos parece familiar?
        Abraço a todos!

    • Tá na cara que todo esse recurso vai pros bolsos de uns poucos “escolhidos” pelo Senhor. Enquanto isso os membros fazem limpeza pra igreja tão pobrezinha.

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