É complicado.
Em 13 de novembro, uma quinta mulher no Alabama se apresentou para acusar Roy Moore, ex-juiz e atual candidato do Senado pelo Partido republicano, de agressão sexual quando tinha 16 anos. A condenação a Moore tem sido generalizada, mas o próprio Moore negou veementemente essas alegações. Ele conta com o apoio de muitos no Alabama.

“A Virgem e Criança”, pintura de William Dyce, 1844.
Uma das mais controversas declarações de apoio veio do Auditor do Estado do Alabama, Jim Ziegler, que declarou: “Não há nada imoral ou ilegal aqui … Talvez seja um pouco incomum”. Ziegler passou a apelar para a história cristã de Maria e José:
“Tome José e Maria. Maria era uma adolescente e José era um carpinteiro adulto. Eles se tornaram pais de Jesus.”
Considero as alegações contra Moore repulsivas. Mas, além disso, como estudioso do cristianismo primitivo, as observações de Ziegler tiraram meu fôlego. Como a maioria dos cristãos saberia, um princípio importante da teologia cristã é que Jesus nasceu de uma mãe virgem.
No entanto, há muitos outros detalhes menos conhecidos na narrativa cristã primitiva sobre a relação entre Maria e José, sobre as quais aprendi na pesquisa para meu livro, Jesus, Mary, and Joseph: Family Trouble in the Infancy Gospels (“Jesus, Maria e José: Problemas Familiares nos Evangelhos da Infância”). Os primeiros cristãos acreditavam que Maria e Joseph não fizeram sexo, mas havia muito mais que valia a pena aprender com essa relação.
Escute, Jim Ziegler.
As narrativas do evangelho
A Bíblia cristã inclui quatro evangelhos, ou narrativas, da vida de Jesus. Dois deles, o Evangelho de Mateus e o Evangelho de Lucas, incluem relatos do nascimento de Jesus. Estas duas versões da “história de Natal” fornecem quase todos os detalhes sobre Maria e José que podem ser encontrados na Bíblia cristã.
Em Mateus 1-2, os leitores aprendem acerca do nascimento de Jesus em Belém, a visita dos Magos ou “homens sábios” para ver o recém-nascido e a fuga da santa família para o Egito, a fim de escapar do assassinato de crianças pelo rei Herodes. Lucas 1-2 descreve o nascimento de João (primo de Jesus), um censo imperial sob o imperador romano Augusto e a aparência de anjos celebrando o nascimento de Jesus nos céus acima de Belém.
Ambos os evangelhos parecem concordar que Maria concebeu por meios sobrenaturais, não por meio de relações sexuais. Enquanto isso, qualquer que seja o caso de Zeigler, nem o Evangelho de Mateus nem o Evangelho de Lucas especificam as idades de Maria e de José.
O Proto-evangelho de Tiago
A primeira fonte a mencionar as idades é outro antigo evangelho cristão: o Proto-evangelho de Tiago. Este evangelho é um antecedente das histórias mais familiares do primeiro Natal encontradas na Bíblia cristã. Foi escrito no século II DC, cem anos depois dos evangelhos do Novo Testamento. Crucialmente, é desconhecido para a imensa maioria dos cristãos por não ser encontrado em suas Bíblias.
Mesmo assim, o Proto-evangelho de Tiago é um testemunho importante das coisas que importavam aos primeiros cristãos. A relação de Maria e José é uma delas.
O Proto-evangelho de Tiago tende a preencher lacunas deixadas pelos Evangelhos de Mateus e Lucas. É, por exemplo, onde leitores podem aprender sobre os pais de Maria – Joaquim e Ana – e sobre a intervenção divina que leva Ana a conceber Maria.
Este evangelho também conta a história de quando Maria conheceu José, detalhes ausentes dos Evangelhos de Mateus e Lucas. Nesse relato, José, um viúvo idoso, é escolhido por sorteio para cuidar de Maria, com 12 anos na época.
Como os Evangelhos de Mateus e Lucas, o Proto-evangelho de Tiago relata que Maria não concebe através de relações sexuais. Ela recebe do anjo Gabriel a notícia de que engravidará e terá um menino, Jesus. Mas o relato do Proto-evangelho de Tiago acrescenta uma nova reviravolta: Maria esquece o encontro com o anjo. Quando percebe que está grávida, ela é tomada de medo e confusão. José também fica confuso com a gravidez de Maria. Ele, no entanto, permanece leal e protege a menina de 12 anos. Ele a leva para uma caverna fora de Belém. Logo há um lampejo ofuscante de luz ofensivo. À medida que a luz diminui, aparece uma criança.
Chegou Jesus.
Familiar e desconhecido
Alguns desses detalhes serão familiares a leitores do Novo Testamento: a cidade de Belém, por exemplo, e o anúncio angélico a Maria – a Anunciação – de que engravidará.
Outros detalhes, porém, virão como surpresas: Jesus nasceu em Belém e não, como diz o Proto-evangelho de Tiago, fora de Belém, numa caverna? E a estória de como Maria conheceu José? O Proto-evangelho de Tiago acrescenta e muda elementos das narrativas anteriores de Mateus e Lucas.
E há ainda detalhes que alguns cristãos sabem por sua religião, e outros cristãos não. A maioria dos católicos ortodoxos e romanos, por exemplo, conhece os nomes de Ana e Joaquim, pais de Maria, embora não incluam o Proto-evangelho de Tiago em suas Bíblias. A maioria dos cristãos protestantes, ao contrário, não reconhecerá esses personagens.
De fato, o Proto-evangelho de Tiago é apenas um exemplo de uma ampla gama de evangelhos e outros escritos cristãos primitivos não incluídos na Bíblia cristã. Apenas a narrativa sobre a santa família poderia preencher uma estante de livros: há o Evangelho da Infância de Tomás, o Evangelho de Pseudo-Mateus e a História de José. o Carpinteiro. Escritos em diferentes momentos, em diferentes lugares, esses relatos refletem o fascínio cristão primitivo com a família de Jesus, Maria e José.
Amor não é predatório
Uma observação final que é relevante aos comentários de Jim Ziegler: O Proto-evangelho de Tiago vai um passo além dos Evangelhos de Mateus e Lucas, afirmando que não havia contato sexual entre Maria e José.
No Evangelho de Mateus, José supera a ansiedade pessoal sobre a gravidez de Maria. No Proto-evangelho de Tiago, a gravidez de Maria torna-se uma questão de escrutínio público: Maria e José devem beber a “água da refutação“, uma provação de vida e morte, destinada a testar a verdade das afirmações de que não mantiveram relações sexuais um com o outro. Ambos passam o teste.
Mas o Proto-evangelho de Tiago não é apenas uma estória sobre a virgindade de Maria, nem apenas sobre a falta de envolvimento de José na concepção de Jesus. Principalmente, é uma estória sobre duas pessoas sendo surpreendidas por acontecimentos que não entendem.
Juntos, Maria e José arriscam tudo, apesar de não saberem o que tudo significa. Em meio ao caos, aprendem a apoiar um ao outro. Ainda que Maria e José, de acordo com o Proto-evangelho de Tiago, não tenham uma relação física, eles se amam.
E o amor não deve ser comparado ao comportamento predatório alegado contra Roy Moore.
Christopher A. Frilingos é professor associado do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade Estadual de Michigan. Artigo originalmente publicado aqui. Reproduzido com permissão.
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Não sei até que ponto isso seja importante saber, mas de qualquer jeito é um assunto interessante. Há muitos mistérios que a Biblia não mostra com clareza.
Fica uma galera querendo aumentar a idade de Maria, mas não há base histórica e nem Bíblia para isso. Pelo contrário, os costumes judeus, os relatos da época, os textos bíblicos, todos descrevem Maria como uma adolescente. Também escrevi sobre o assunto.