Raça e Sacerdócio: publicação oficial da Igreja aborda fatos antes ignorados

Nova página oficial sud esclarece que Brigham Young interrompeu a ordenação de negros ao sacerdócio como realizada por Joseph Smith

Amanda e Samuel Chambers, conversos mórmons, chegaram a Salt Lake City em 1870.

Amanda e Samuel Chambers, conversos mórmons, chegaram a Salt Lake City em 1870.

Na última sexta-feira (06/12), A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias publicou em seu site oficial uma nova página intitulada “Raça e o Sacerdócio“, onde busca esclarecer a intrincada história do banimento dos negros do sacerdócio sud. A página, disponível em inglês, dá um importante passo ao reconhecer a ordenação de negros durante a presidência de Joseph Smith – como havia reconhecido no novo cabeçalho da Declaração Oficial 02 – e afirma que foi Brigham Young quem interrompeu a ordenação de homens negros. O site afirma:

Durante as duas primeiras décadas de existência da Igreja, alguns homens negros foram ordenados ao sacerdócio. Um desses homens, Elijah Abel, também participou de cerimônias no templo de Kirtland, Ohio, e mais tarde foi batizado vicariamente por parentes falecidos em Nauvoo, Illinois. Não há nenhuma evidência de que o sacerdócio tenha sido negado a quaisquer homens negros durante a vida de Joseph Smith.

A origem em Brigham Young

Brigham Young (1801-1877)

Brigham Young (1801-1877)

Evitando um tom apologético, o texto oficial da Igreja não fala sobre revelação ou inspiração divina para o posterior banimento, mas explica sobre o contexto histórico de divisão racial em que se encontrava os EUA. Segundo o site, teorias foram criadas para tentar explicar o banimento:

Em 1852 , o Presidente Brigham Young anunciou publicamente que os homens de ascendência negra africana não poderiam mais ser ordenados ao sacerdócio, ainda que a partir de então negros continuassem a aderir à Igreja através do batismo e recebimento do dom do Espírito Santo. Após a morte de Brigham Young, os presidentes subsequentes da Igreja restringiram os negros de receber a investidura do templo ou casar-se no templo. Com o tempo, líderes e membros da Igreja promoveram muitas teorias para explicar as restrições do sacerdócio e do templo. Nenhuma dessas explicações é aceita hoje como a doutrina oficial da Igreja.

O texto ainda menciona a escravidão negra no Território de Utah e o fato aparentemente contraditório de que “[m]esmo depois de 1852, pelo menos dois mórmons negros continuaram a possuir o sacerdócio” – uma referência a Elijah Abel e Walker Lewis.

Mulheres

Jane Elizabeth Manning James (1822 –1908)

Jane Elizabeth Manning James (1822 –1908)

Além do impedimento da ordenação de homens ao sacerdócio e ordenanças maiores, a página oficial ainda lembra que as mulheres negras também eram impedidas de participar das ordenanças de selamento e investidura. O texto cita a pioneira negra Jane Manning James:

Jane Manning James, membro fiel negra que atravessou as planícies e viveu em Salt Lake City até sua morte, em 1908, (…) pediu para entrar no templo, foi autorizada a realizar batismos por seus antepassados mortos, mas não foi autorizada a participar de outras ordenanças.

Brasil em destaque

O Brasil é citado como uma das principais regiões do mundo onde a Igreja teve que rever sua política racial, dada a miscigenação de seus membros:

O Brasil, em particular, apresentou muitos desafios. Ao contrário dos Estados Unidos e África do Sul, onde o racismo de facto e jurídico levou a sociedades profundamente segregadas, o Brasil se orgulhava de sua herança racial aberta, integrada e mista. Em 1975, a Igreja anunciou que um templo seria construído em São Paulo, Brasil. Quando a construção do templo começou, as autoridades da Igreja encontraram fiéis mórmons negros e de ascendência mestiça que contribuíram financeiramente e de outras formas para a construção do templo de São Paulo, um santuário onde eles perceberam que não seria permitida sua entrada (…). Seus sacrifícios, bem como as conversões de milhares de nigerianos e ganenses na década de 1960 e início de 1970, tocaram os líderes da Igreja.

Teorias rejeitadas

Outra importante informação da nova página é de que a Igreja atualmente rejeita as teorias racistas sobre os negros ou qualquer outro grupo humano:

Hoje, a Igreja rejeita as teorias avançadas no passado que a pele negra é um sinal de desagrado divino ou maldição, ou que reflete ações de uma vida pré-mortal, que os casamentos inter-raciais são um pecado, ou que negros ou pessoas de qualquer outra raça ou etnia são inferiores (…). Os líderes da Igreja hoje, inequivocamente, condenam todo o racismo, passado e presente, em qualquer forma.

Cabe lembrar que no ano passado, um professor da BYU defendeu, em declarações ao jornal Washington Post, o banimento como uma “proteção” para que os negros não fizessem mal uso do sacerdócio. Aparentemente, houve uma mudança na política racial sud, sem que houvesse uma mudança igualmente substancial na doutrina sobre linhagens.

Progresso

A página “Raça e o Sacerdócio” faz parte de uma nova série de páginas abordando temas considerados controversos, como a definição de mórmons como cristãos e dois temas históricos – os diferentes relatos da Primeira Visão e o casamento plural. Tais iniciativas acompanham a tendência recente de frear um pouco os apologistas mais radicais e oferecer uma maior abertura de registros históricos. O esforço de tratar o tema dos negros no passado mórmon através de fatos e sem apologia representa um importante passo na historiografia da Igreja. Também abre caminho para a compreensão de que líderes da Igreja podem ser influenciados pelo seu contexto cultural. Resta saber como tal discurso chegará às capelas e publicações de uso frequente dos membros ao redor do mundo.


Atualização: no final de dezembro de 2014, o ensaio foi publicado em português com o título As Etnias e o Sacerdócio. Em 09 de janeiro de 2015, o título havia sido mudado para Ordenação ao sacerdócio antes de 1978. Em 27 de março de 2015, constatamos que o título havia sido novamente mudado para As Etnias e o Sacerdócio. A Presidência da Área Brasil, na opinião deste autor, tem visões muito peculiares sobre tradução.

Leia também: professor é desobrigado da da Escola Dominical após usar textos oficiais sobre negros e o sacerdócio.

178 comentários sobre “Raça e Sacerdócio: publicação oficial da Igreja aborda fatos antes ignorados

  1. Somente um comentário:

    O Antônio cita:

    “Evitando um tom apologético…”

    Ora, a partir do momento que você procura responder sobre determinada questão, colocando o contexto histórico, razões, percepções, etc. você está fazendo apologética. Esta resposta pode ser uma boa resposta (ter embasamento histórico, racional, etc.) ou não.
    Apologética não é sinônimo de resposta sem embasamento histórico, mas simplesmente sinônimo de “resposta” (boa ou má) .

  2. É por isso que eu considero Joseph Smith como um homem muito à frente de seu tempo……
    Veja a diferença entre um lider (profeta) que é lenbrado pela historia como abolicionista, um homem que promovia ideias genuinamente socialistas, um lider carismatico, pratico, realmente (salvo raras exceçoes) guiado pelo Espirito Santo e, finalmente após todos esses elogios, vejam o que aconteceu logo após a sua morte !
    Pra mim é fato que Brigham Young errou, e o pior, varias geraçoes não tiveram a coragem de concertar esse erro.
    Os seres humanos erram, mesmo os Profetas, mas o preço que pagamos é o de ver outras denominaçoes religiosas jogando isso na nossa cara a todo momento.
    O que me faz seguir firme nessa Igreja é a maravilhosa historia de Joseph Smith e alguns de seus contemporaneos, seria injusto da minha parte não reconhecer que um dia tivemos poderosas revelaçoes e manifestaçoes cuja a força dessas perdura até hoje.
    Se eu não conhecesse a verdadeira historia dessa Igreja e principalmente a maneira como ela surgiu, o periodo em que Joseph Smith foi Profeta, eu não estaria mais nela..
    Eu tenho certeza que a historia de vida de Joseph Smith mantêm muitos membros firmes em seus chamados e fortalece qualquer testemunho.
    Realmente a igreja, como foi concebida é perfeita, já os humanos….

    • Maurício, sou da Igreja Reorganizada de Jesus Cristo SUD, hoje conhecida como Comunidade de Cristo, e quando BY “fugiu” para o territorio de UTAH, fora da jurisdição dos EUA, a igreja que sobrou, (apenas 6 apostolos foram com BY), treinou o filho de JS jr, o Joseph Smith III para liderar e reorganizar a igreja novamente, e nunca foi restrito o sacerdócio aos negros, e um detalhe, Joseph Smith Ordenou mulheres tbm ao sacerdocio, coisa que agora no século XX e XXI nossa igreja reconheceu e passou a ordenar mulheres tbm. Portanto, eu acredito que BY colocou sim seu tempero e suas idéias em detrimento ao que Joseph Smith queria, acabou-se por criar algo sem aprovação divina por parte de BY. Mesmo BY tendo sido um grande profeta, antes de tudo ele era humano, e passivel de erros e de se levar por suas emoções. Se todos se lembram ele demorou um bom tempo para se tornar membro, portanto não é de admirar que muitas das revelações de nosso Profeta JS, o Profeta BY tenha questionado e até alterado por achar na época que era um erro de JS.

      • Elder Martinelli, obrigado pelas palavras.
        Conheço muito pouco a Comunidade de Cristo, eu gostaria de saber como foi a época de Joseph Smith III, se puder relatar alguns fatos historicos eu ficaria grato.
        De certo eu poderia buscar essas informaçoes na net mas eu queria ouvir de voce alguma coisa sobre o filho de Joseph Smith e sua contribuição para a (hoje) Comunidade de Cristo.
        Temos algo em comum, nesse caso é ‘alguém em comum’ : JOSEPH SMITH.
        E tenho uma curiosidade que tem algo haver com esse post :
        O fato de a Comunidade de Cristo não ter interrompido o sacerdocio aos negros fez crescer o numero de lideres negros na Igreja ?
        Algum Apostolo, conselheiro, setenta, ou (seria interessante) um Profeta negro já fizeram historia por aí ?

      • Prezado Mauricio,
        Temos Setentas Negros, e no Haiti temos muitos líderes negros, muitos mesmo, e um dos apóstolos é negro o Apostolo Chibiwee da Africa, temos o sacerdócio estendido às mulheres tbm que foi autorizado por revelação em uma conferencia da igreja neste século, e existe a possibilidade de termos um profeta negro, desde que ele entre na linha de sucessão, o que não é impossível, já que temos um apóstolo negro. Por algumas décadas somente descendentes sanguineos de Joseph Smith Jr podiam ser chamados como profetas, hoje isso se restringe apenas aos Patriarcas, sendo hoje escolhido um profeta tal qual se é na igreja SUD. Todos os locais históricos da família Smith pertencem a Comunidade de Cristo, inclusive o Templo de KIrtland, e desde a reorganização em 1860, muitos negros foram batizados e ordenados, gerando muitos líderes tanto negros, como asiáticos e latinos, além claro dos norte americanos, pois nossa igreja está presente em mais de 70 paises.

      • Muito bom !
        Eu não posso negar que minha curiosidade aumentou bastante no que se refere à Comunidade de Cristo.
        Voces não vão precisar pedir desculpas a ninguém, já nós………..

    • Pena que não conheci a Comunidade de Cristo na época que conheci a IJCSUD, pois percebo que vocês são bem mais flexíveis, mas eu moro bem longe, mesmo na ZL de São Paulo da Capela da Comunidade de Cristo mais próxima de minha casa. Confesso (e já disse isso aqui outras vezes) que o fato de negação oa Sacerdócio para negros me causa uma tristeza e isso quase me afastou da igreja (embora fiquei inativo por um bom tempo depois da missão e voltei, mas por outros motivos). Espero muito que a Comunidade de Cristo cresça na Zona Leste de São Paulo, ou que eu melhore no volante pra poder visitar a Igreja de vocês. Eu já perdoei o profeta BY, pois na linha de sacerdócio do meu irmão consta ele, aí penso : “Toma, agora tem um ‘negão’ na sua linha de Sacerdócio.”

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