Entre 1834 e 1835, Joseph Smith apresentou uma série de palestras sobre o tema da Fé em Kirtland, Ohio. Em colaboração com seu Primeiro Conselheiro Sidney Rigdon, Smith preparou as palestras para publicação e elas foram apresentadas pela Primeira Presidência e incluídas na edição de 1835 de Doutrina e Convênios. Em assembleia geral, a Primeira Presidência apresentou esta edição da D&C (incluindo as palestras intituladas ‘Sobre A Fé’) para a Igreja, que votou unanimamente para aceitá-la como escritura sagrada e obra padrão da Igreja.
No prefácio da edição de 1835 da Doutrina e Convênios, a Primeira Presidência da Igreja deixa claro o grau de importância que estas palestras deveriam ocupar no cânone e na teologia Mórmon:
Aos membros de A Igreja dos Santos dos Últimos Dias.
Queridos irmãos:- Nós achamos desnecessário entretê-los com um prefácio longo e detalhado sobre o presente volume, exceto dizer brevemente que ele contém os itens principais da religião na qual professamos crer.
Na primeira parte do livro [i.e., As Palestras Sobre A Fé] encontram-se uma série de palestras apresentadas neste local [Kirtland, Ohio], e como abraçam a importante doutrina da salvação, nós a editamos para inclusão no presente livro.
A segunda parte contém itens ou princípios para o regulamento da Igreja como tirados das revelações que nos foram dadas desde sua organização, bem como de outras precedentes.
Poderá haver aversão nas mentes de alguns contra o recebimento de qualquer coisa se propondo como artigo de fé, por haver muitos destes já existentes; mas se homens crêem num sistema, e professam que este foi recebido por inspiração, certamente quão mais inteligivéis forem apresentados, tão melhor. Não se torna um princípio verdadeiro em falso simplesmente por publicá-lo, da mesma maneira que publicando-o não tornaria o falso em verdadeiro. A Igreja, crendo este assunto como de grande importância, designou, através de seus servos e delegados do Sumo Conselho, seus servos para selecionar e compilar esta obra. Várias razões podem ser compreendidas em favor desta obra pelo Conselho, mas nós adicionamos apenas algumas palavras. Eles sabiam que a Igreja estava sendo mal-falada em muitos lugares, e sua fé e crenças mal-interpretadas, e o caminho da verdade assim corrompido. Por alguns se dizia que descremos da Bíblia, por outros que representamos o inimigo de toda boa ordem e retidão; e ainda por outros que tumultuamos a paz dos governos civis e políticos.
Dedicamo-nos, portanto, a apresentar, embora em poucas palavras, nossa crença, e assim dizendo humildimente esperamos, nossa fé e nossos princípios enquanto sociedade e coletivo.
Não publicamos este volume com qualquer outra expectativa além de que seremos chamados para responder por todo e qualquer princípio aqui exposto, naquele dia quando os segredos de todos os corações serão revelados, e as recompensas do trabalho de todo homem lhe for entregue.
Com sentimentos de grande estima e sincero respeito, subscrevemo-nos seus irmãos nos grilhões do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo,
Joseph Smith, Jun.,
Oliver Cowdery,
Sidney Rigdon,
Frederick G. Williams.
Por 86 anos estas palestras fizeram parte das escrituras Mórmons. Contudo, em 1921 a Igreja SUD removeu as Palestras Sobre A Fé da nova edição de Doutrina e Convênios sem quaisquer explicações além da historicamente equivocada afirmação de que elas “nunca haviam sido apresentadas ou aceitas pela Igreja” como escritura sagrada. Desde então, elas quase que sumiram do consciente coletivo SUD e poucos Mórmons sabem sobre elas e menos ainda as estudaram.
Apesar da importância histórica e teológica das Palestras Sobre A Fé para o Mormonismo, a falta de disponibilidade deste texto importante para os leitores lusófonos se explicar pelo simples desencontro cronológico: Os primeiros missionários Mórmons a pregar em Português vieram muito depois de sua súbita exclusão do canone das obras padrões (no Brasil em 1939, em Portugal em 1974, etc.).
Quem estiver interessado, por agora, pode-se ler as palestras em inglês pelas imagens fotocopiadas da edição de 1835 da Doutrina e Convênios publicadas pela Igreja SUD, ou o texto completo publicado pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (sede em Winsconsin; popularmente conhecida como Igreja SUD Strangita) ou o texto completo publicado pelas igrejas RSUD fundamentalistas.
Entre alguns trechos de maior interesse, estão estes:
“Contudo é igualmente necessário que os homens tenham a noção de que Ele seja um Deus inalterável, de modo que tenham n’Ele fé, tanto quanto é ter a noção de que Ele seja gracioso e longânime; pois sem a ideia da imutabilidade do caráter da Deidade, dúvida tomará o lugar da fé. Porém com a noção de que Ele não muda, fé se sobrepõe nas qualidades de seu caráter com fé inabalável, crendo que Ele é o mesmo ontem, hoje, e para sempre, e que Seu curso é um círculo eterno.”
“Tanto quanto o Filho possui a plenitude do Pai através do Espírito, assim os Santos possuirão, através do mesmo Espírito, a mesma plenitude, para gozar da mesma glória; porquanto o Pai e o Filho são um, e similar maneira, os Santos serão n’Eles um. Através do amor do Pai, a mediação de Jesus Cristo, e o dom do Santo Espírito, serão herdeiros de Deus, e co-herdeiros com Jesus Cristo.”
“É coisa vã para que se pensam de si mesmos que são, ou podem ser, herdeiros com aqueles que sacrificaram tudo de si, e assim obtiveram fé em Deus e a Sua graça para si de modo a obter vida eterna, a menos que estas pessoas ofereçam, de maneira similar, o mesmo sacrifício, e através desta oferenda obter o conhecimento de que são aceitos por Ele.”
“Contudo, aqueles que não fizeram este sacrifício a Deus não sabem se o rumo que tomam é agradável aos olhos de Deus; …porquanto onde dúvida e incerteza estão, ali não haverá fé, nem pode haver. Pois dúvida e fé não existem na mesma pessoa ao mesmo tempo; assim que pessoas cujas mentes acolhem dúvidas e medos não podem possuir confiança inabalável; … onde fé é fraca, as pessoas não conseguirão contender com toda a oposição, tribulações e aflições que terão que encontrar para se tornarem herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo Jesus; e cansarão em suas mentes, e o adversário terá poder sobre eles para os destruir.”
“…a glória da qual o Pai e o Filho gozam resulta de serem seres justos e santos; e se lhes faltasse um atributo ou perfeição que já possuem, a glória da qual gozam jamais lhes poderia pertencer, pois se lhes requer ser precisamente o que são de modo a dela gozarem; e caso o Salvador compartilhe desta glória a quaisquer outros, Ele o deve fazer da exata maneira estabelecida em sua prece ao Pai — fazendo-os um consigo assim como Ele é um com o Pai. Assim fazendo, Ele repassa-lhes a glória que o Pai lhe entregou; e quando Seus discípulos se tornão um com o Pai e o Filho, assim como o Pai e o Filho são um, quem não pode enxergar a propriedade do dizer do Salvador: ‘Aquele que acredita em mim fará as mesmas coisas que eu faço. E fará coisas ainda maiores do que estas, porque eu estou indo para o meu Pai.‘ (João 14:12)”
“Os ensinamentos do Salvador claramente demonstram-nos a natureza da salvação, e o que Ele propôs à família humana quando lhes propôs salvá-los — que Ele os propôs faze-los como Ele é, e Ele era como o Pai, o grande protótipo de todos os seres salvos…”
“Há dois personagens que constituem o grande, incomparável, supremo poder governante sobre todas as coisas — através de quem todas as coisas foram criadas e feitas, visíveis ou invisíveis, nos céus ou na terra, ou dentro da terra, ou sob a terra, ou por toda imensidão do espaço — São Eles o Pai e o Filho: O Pai, sendo um personagem de espírito, glória e poder, possuindo toda perfeição e plenitude; O Filho, que estava no seio do Pai, um personagem de tabernáculo, feito ou moldado como um homem, ou sendo na forma e semelhança de um homem, ou melhor, o homem fora formado em sua imagem e semelhança; — Ele é também a imagem expressa e semelhança do Pai, possuindo toda a plenitude do Pai, ou a mesma plenitude que o Pai; sendo gerido por Ele, e ordenado desta a fundação do mundo para a propriciação dos pecados de todos aqueles que crerem em Seu nome, e é chamado de Filho por causa da carne — e desceu em sofrimento abaixo de tudo o que um homem pode suportar, ou, em outras palavras, sofreu maiores sofrimentos, e foi exposto às mais poderosas contradições que qualquer homem pode ser exposto. Não obstante tudo isto, guardou a lei de Deus, e permaneceu sem pecado: Mostrando, assim, que é possível para o homem guardar a lei e permanecer também sem pecado… E Ele sendo o unigênito do Pai, cheio de graça e verdade, e havendo sobrepujado, recebeu da plenitude da glória do Pai — possuindo a mesma mente com o Pai, cuja mente é o Espírito Santo, que testifica do Pai e do Filho, e estes três são um, ou em outras palavras, estes três constituem o grande, incomparável, supremo poder governante sobre todas as coisas: através de quem todas as coisas foram criadas e feitas que foram criadas e feitas: e estes três constituem a Trindade e são um: O Pai e o Filho possuindo a mesma mente, a mesma sabedoria, glória, poder e plenitude: Preenchendo tudo em tudo — o Filho preenchido com a plenitude da Mente, glória e poder, ou em outras palavras, o Espírito, glória, e poder do Pai — possuindo todo conhecimento e glória, e o mesmo reino: sentado à mão direita do poder, na expressa imagem e semelhança do Pai — um Mediador para o homem — sendo cheio da plenitude da Mente do Pai, ou em outras palavras, do Espírito do Pai: qual Espírito é distribuído para todos que acreditam no Seu nome e guardam Seus mandamentos: e todos que guardam Seus mandamentos crescerão de graça em graça e tornar-se-ão herdeiros no reino celestial, e co-herdeiros com Jesus Cristo; possuindo a mesma mente, sendo transformados na mesma imagem ou semelhança, sim na imagem expressa d’Ele que tudo preenche: sendo preenchido com a plenitude de Sua glória, e tornando-se um com Ele, assim como o Pai, o Filho, e o Espírito Santo são um.”
É impossível, como se pode ver por estes simples exemplos, compreender no que acreditava Joseph Smith em 1835 sem estudar as Palestras Sobre A Fé. A Igreja SUD, assim como várias outras igrejas Mórmons (embora não, obviamente, todas), abandonaram-na pelo caminho, incorporando visões sobre a Trindade, Deus, o Espírito Santo, a natureza da fé, etc., diferentes das esposadas pelo Profeta Joseph Smith em Kirtland, Ohio, mas estas mudanças posteriores em nada diminuem a importância ou a relevância histórica e teológica destas palestras para o Mormonismo, então em sua fase nascente.
A tradução é boa?
Não. E me parece violar direitos autorais.
Marcelo como você entende essa confusão (em minha opinião) sobre o Espirito Santo ser a mente de Deus, depois se torna num personagem real que faz parte da Deidade como uma terceira pessoa, mas antes eles afirmam que a Deidade é formada somente por duas pessoas o Pai como um ser em espirito sem corpo e o Filho. Essa confusão continua nas perguntas e respostas da quinta palestra que você não colocou no seu texto:
P. Quantos personagens existem na Divindade?
R. Dois: o Pai e o Filho. (§ 5. ¶ 1.)
P. O que é esta mente?
R. O Espírito Santo. João 15:26. Mas, quando vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que procede do Pai, ele dará testemunho de mim. (Cristo.) Gal. 04:06. E, porque sois filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho em seus corações.
P. Pai, Filho e Espírito Santo constituem a Dinvindade?
A. Eles são. (§ 5. ¶ 2.)
O que me surpreendeu é que essa idéia de que o Espirito Santo não é um ser pessoal autônomo separado de Deus e Cristo não foi exclusivo da igreja em 1835, muitos estudiosos da bíblia defendem esse conceito um deles Ricardo Nicotra em seu livro “Eu e o Pai somos Um” E o Espirito Santo? não faz parte da Trindade? cito um trecho do seu livro:
O Espírito Santo é o próprio Espírito de Cristo e em certas ocasiões o autor bíblico alterna estes dois termos:
“E percorrendo a região frígio-gálata, tendo sido impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia, defrontando Mísia, tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu.” -Atos 16:6 e 7.
O Espírito de Jesus é o próprio Jesus, presente não em carne, mas em
espírito. O Espírito de Jesus não é uma terceira pessoa além de Jesus,
mas é o próprio pneuma de Cristo.
Não haveria necessidade de apresentarmos mais versos comprovando que
Espírito de Deus, Espírito de Cristo e Espírito Santo são utilizados como
sinônimos na Bíblia e que se tratam do próprio pneuma (fôlego / espírito) de
Deus. Mas como último verso, lembramos o que está escrito em João 20:22:
“E, havendo [Jesus] dito isto, soprou sobre eles, e disse-lhes:
Recebei o Espírito (pneuma) Santo.” – João 20:22.
Fica então claro que o Espírito Santo é o próprio espírito (pneuma) de Jesus,
ou seja, seu fôlego, seu sopro vital e não uma terceira pessoa distinta do
Pai e de Cristo.
ESPÍRITO DE CRISTO = ESPÍRITO DE DEUS = ESPÍRITO SANTO
A resposta para a pergunta “Quem é o Espírito?” nunca esteve tão próxima:
“Ora o Senhor é o Espírito; e onde está o Espírito do Senhor aí
está a liberdade.” – II Coríntios 3:17.
Sem dúvidas esta é a melhor resposta para a pergunta “Quem é o Espírito?”
Paulo acaba de responder: “O Senhor é o Espírito.”
CONCEITOS PRINCIPAIS DESTE CAPÍTULO
1. Assim como os homens têm um espírito, Deus também tem Seu Espírito.
2. A palavra traduzida por “espírito” é ruach (no hebraico) e pneuma (no
grego). Ambas significam fôlego, vento, sopro e respiração.
3. Tanto ruach quanto pneuma são termos usados para fazer referência não
apenas ao Espírito de Deus, mas também ao espírito dos homens, fôlego
de vida dos animais e espíritos do mal.
4. Quando Paulo transcreve Isaías 40:13 em Romanos 11:34 e I Coríntios
2:16 ele substitui a expressão “Espírito do Senhor” por “mente do Senhor”.
5. O espírito é parte integrante de um ser pessoal e não uma entidade
autônoma e independente do seu possuidor.
6. O Novo Testamento foi escrito em caracteres maiúsculos. A diferença
entre “espírito” (inicial minúscula) e “Espírito” (inicial maiúscula) é uma
convenção adotada pelos tradutores.
7. As expressões “Espírito de Deus”, “Espírito de Cristo”, “Espírito do
Senhor” e “Espírito Santo” são equivalentes.
8. A unidade espiritual entre o Pai e Jesus Cristo é de natureza inclusiva.
Cristo orou ao Pai para que nós também fizéssemos parte desta unidade
espiritual.
Parece-me que ao definir anos depois o Espirito Santo como um ser na forma espiritual autônomo e separado de Deus e de Cristo na seção 130:22 de D&C, Joseph se volta para uma idéia mais parecida com a Trinitariana de três Deuses distintos e autônomos. E Deus agora com um corpo físico.
O que me ocorreu também Marcelo é que essa parte da palestra pode ser um problema para a realidade da historia da primeira visão e de sua longa instrução sob os cuidados do anjo Moroni, esse tipo de confusão doutrinaria não poderia ocorrer (acho) a um pessoa que aprendeu diretamente de seres celestiais.
Descrever Deus como vento, espírito ou em termos antropomórficos é apenas um recurso dos autores da Bíblia Hebraica, É um erro crasso interpretar esses termos literalmente.
Por outro lado, o nosso entendimento de “espírito” como entidade separada do corpo é uma clara influência do helenismo.