Universidade Mórmon Investigada por Autoridades

O Departamento de Segurança Pública de Utah abriu inquérito formal para investigar as práticas policiais da Universidade de Brigham Young com relação a alunas vítimas de estupro e violência sexual.

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Entenda o porquê:

A Universidade de Brigham Young é uma corporação sem fins lucrativos controlada pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que admite publicamente que uma “porção considerável” dos seus custos operacionais (incluindo os 5 campi em Utah, Idaho, Havaí, e Israel) são financiados pelos dízimos dos membros da Igreja. Uma parte desse dízimo custeia uma força policial privada que atua exclusivamente dentro do campus universitário, que apesar de ser treinada e autorizada pelo Estado, é inteiramente financiada pela instituição e responde administrativamente à ela.

A universidade é dirigida por um conselho de curadores cujo presidente é o Presidente da Igreja, e cujos membros são os três homens da Primeira Presidência, 2 dos Apóstolos, um Presidente dos Setenta, a Presidente Geral da Sociedade de Socorro, e a Presidente Geral das Moças. Em suma, a liderança máxima da Igreja SUD.

Sob a égide deste conselho de curadores, a universidade exige de seus alunos, sob pena de expulsão, um código de conduta denominado o “código de honra“. Esse código proíbe aos alunos, entre outras coisas, barbas ou bigodes para os alunos, blusas sem mangas ou saias acima do joelho para as alunas, e qualquer contato físico para os homossexuais. A universidade mantém um escritório aberto exclusivamente para investigações e denúncias de violações do “código de honra”.

Uma das regras que o “código de honra” regulamenta são visitas de pessoas do sexo oposto a repúblicas ou lares dos alunos. Visitantes são probidos nos quartos de dormir, nos banheiros exceto em casos de urgência, e nas casas em si entre a meia-noite e 09h da manhã. Considerando essas regras, portanto, uma aluna que tenha um amigo ou colega na sua casa assistindo um filme até à uma hora da manhã estará violando o “código de honra” e corre, assim, risco de ser expulsa da universidade.

Se essa moça, por exemplo, for estuprada por esse colega, e denunciar o estupro, ela corre o risco de ser expulsa por ter violado o “código de honra”.

Quem ousaria expulsar uma aluna por denunciar tamanha violência física e emocional?

O escritório do “código de honra” (ECH) da BYU.

Madi Barney convidou um rapaz para a sua casa em Provo, Utah, em setembro do ano passado e, apesar de nunca tê-lo convidado para o seu quarto, foi estuprada. Ela o denunciou à polícia, e a promotoria pública encontrou evidências suficientes para indiciá-lo. Contudo, um amigo do acusado denunciou Barney ao ECH da universidade, e ela foi prontamente convocada a depor e avisada da abertura da investigação formal e da ameaça ao seu status acadêmico. Barney poderá concluir o seu segundo ano, que deve se encerrar esse mês, mas estará proibida de se matricular para o terceiro ano até que se encerrem as investigações do ECH.

Apesar de negações por parte das autoridades mórmons, o jornal The Salt Lake Tribune conseguiu documentos que provam que a polícia da BYU acessou os bancos de dados policiais, com os quais mantém laços profissionais, para coletar informações de ao menos um caso de estupro para entregar, ilegalmente, ao ECH da BYU: No caso de Madi Barney.

Apesar do ECH ter sido denunciado pelo amigo do estuprador, esses documentos demonstram que a polícia da BYU já havia acessado os bancos de dados a pedido do ECH e criado um dossiê com informações sigilosas do caso, que foram prontamente usados para suspender a aluna vítima de estupro.

O próprio sargento da polícia da cidade de Provo, Brian Taylor, disse que seu departamento pediu a fiscalização da polícia da BYU:

“Somos obrigados por lei, como qualquer agência policial, a salvaguardar relatórios sensíveis durante investigações. Então, quando nós descobrimos que os nossos relatórios foram o assunto das investigações de código de honra [da universidade], nós mesmos denunciamos o caso para o [Departamento de Segurança Pública].”

No email entre a conselheira do ECH da BYU e o tenente da polícia da BYU, descoberto pela investigação jornalística, a vítima sequer é tratada como vítima, e imediatamente presume-se que ela esteja mentindo sobre o estupro:

“Oi Aaron, eu acabei de receber um relatório alegando que uma de nossas alunas (Madison Barney) falsamente acusou um membro da comunidade … de estupro.”

Barney se ofende não apenas por ter sua privacidade ilegalmente violada, mas pela falta de compaixão por autoridades mórmons que, mesmo após haver lido o detalhado relatório de polícia sobre a violência sexual e estupro que sofrera, decidiram suspende-la mesmo assim:

“O fato de que eles poderiam ler tudo aquilo e simplesmente não se importar me faz querer vomitar. Que eles leiam sobre a violência, os gritos, a choradeira – Eu não vejo como qualquer ser humano pode ler isso e sentir algo que não seja compaixão.”

O caso de Barney, e suas denúncias públicas e abertas contra autoridades mórmons, encorajaram outras alunas, vítimas de violência sexual que foram subsequentemente punidas por autoridades mórmons ao denunciar os crimes, a expor esse problema crônica de “cultura do estupro” institucional.

Existe uma lei federal nos Estados Unidos, conhecida como “Título IX“, que proíbe discriminação sexual em instituições de ensino. Universidades, mesmo as particulares como a BYU, são obrigadas a manter um escritório destinado a certificar-se que o Título IX seja cumprido. Alunas vítimas de violência sexual, por exemplo, são encorajadas a denunciar os agressores (quando alunos) aos escritórios de Título IX (ET9) para tomarem providências acadêmicas e iniciar procedimentos legais e criminosos, além de receber orientações.

Contudo, diversas alunas Mórmons acusam o ET9 da BYU de rotineiramente denunciá-las ao ECH para investigar as próprias vítimas de violência sexual. Mesmo numa escola onde 99% dos alunos são membros da Igreja SUD, a incidência de violência sexual é  considerável, e vítimas acreditam que os números seriam ainda maiores se muitas delas não estivessem aterrorizadas de denunciar tais violências por medo das investigações do ECH contra elas.

Madeline MacDonald relata como saiu num encontro com um colega aluno, que a levou para um lugar êrmo nas montanhas e a violentou. Ao denunciar o caso para o ET9, ela foi informada que seu caso seria encaminhado para o ECH, mesmo não tendo violado nenhuma das regras do código. De acordo com a funcionária da universidade, tais investigações são rotineiras para descartar conjugação sexual pré-marital consensual (que são contra as regras do código):

“Ela me contou que na BYU é comum mentirem em acusações de estupro porque o Escritório do Código de Honra é tão estrito com sexo pré-marital, e as alunas denunciam estupro para não serem investigadas.” — Madeline MacDonald

Brooke, sobrenome omitido, foi com uns amigos à casa de um deles onde a convenceram a experimentar LSD. Ela começou a passar mal e sentir-se grogue, quando três a arrastaram até um quarto, e um deles (também aluno da BYU) a estuprou na frente dos outros dois por quase uma hora. Desorientada, e vestindo apenas seu sutiã, ela conseguiu se acordar o suficiente para fugir da casa (com os rapazes à sua cola) até uma casa vizinha e implorar por ajuda, antes de desmaiar completamente. Amparada por policiais, ela foi conduzida para um hospital e tratada por intoxicação e choque. Por dias ela agonizou se deveria ou não ir à polícia, até que foi convencida por amigos e familiares a, ao menos, denunciar o aluno à universidade. Após duas entrevistas, e várias horas recontando sua experiência, seus entrevistadores lhe asseguraram que “iriam orar sobre o assunto” e, no dia seguinte, Brooke recebeu a notícia que havia sido expulsa da universidade.

O promotor público Craig Johnson acusa a BYU de atrapalhar as investigações e os julgamentos de estupros com suas investigações de “código de honra”. Johnson reconta um de seus casos atuais, onde a vítima está sendo investigada pela universidade porque um policial amigo do acusado-estrupador entregou uma cópia do relatório da polícia ao ECH da BYU. Relata Johnson que implorou aos oficiais da universidade para postergarem suas investigações até terminarem  o julgamento no mês que vem, mas eles declinaram, suspendendo-na até que ela aceite e participe das investigações do ECH. Johnson explica que esse tipo de postura dificulta para vítimas permanecerem em Utah tempo o suficiente para prosseguir com os trâmites judiciais.

“Nós temos aqui uma vítima que será vitimizada novamente toda vez que tiver que falar sobre o estupro — É uma infelicidade que a BYU decida manter sua educação como refém até que ela sente com eles. E nós, promotores, preferimos que ela não sente com eles.” — Promotor Craig Johnson

Com toda essa pressão acadêmica e social sobre as vítimas, não deve ser uma surpresa a ninguém que até o próprio Departamento de Polícia da BYU estime que 90% de todos os estupros na cidade universitária simplesmente não são denunciados. Nove em cada 10 mulheres estupradas lá optam por não denunciar a violência!

Ampliando atitudes de violência contra mulher para toda a comunidade Mórmon e em Utah, uma professora da BYU demonstrou que apenas 22% dos testes de estupro realizados nos últimos 3 anos em Utah foram enviados para análise, e ainda determinou que Utah tem tido, pelos últimos 25, anos uma taxa de estupros per capita por ano acima da média nacional. Ademais, não é incomum Bispos nas alas da BYU punirem vítimas de abuso sexual com sanções eclesiásticas, mas pouparem os agressores para que não sofram punições acadêmicas sob a guisa do ECH.

No mês passado, em um evento da BYU destinado a conscientizar contra estupro e violência contra mulheres, uma Reitora e Diretora de Título IX Sarah Westerberg ofereceu um discurso explicando que é a política oficial da BYU investigar todos os casos de denúncia de violência sexual, e isso inclui uma investigação completa concernente o código de honra, tanto para o acusado, como para a vítima/acusadora.

Sobre o evento relata uma atendente:

O evento em si foi principalmente sobre a importância de acreditar e apoiar sobreviventes e a prevalência de agressão sexual. Infelizmente a sociedade de estudos das mulheres, que organizou-o, não pode fazer nada sobre as políticas da BYU.

Eles salientaram que a polícia da cidade de Provo não relata ao Código de Honra, assim que as pessoas que são estupradas fora do campus podem reportar a eles.

Mas mesmo esta reunião de apoio, que eu aplaudo, dizer às mulheres (e homens) que eles vão ser expulsos da escola ou eles têm de enfrentar repercussões por estar em uma posição a ser violadas (o que é um mito).

Estou furiosa e enraivecida.

Você está absolutamente correta. O fato de que há um guia “como denunciar violações de modo que você não vá perder tudo o que você trabalhou por cinco anos” é além de bizarro.

Outra mulher presente recontou:

Eu estava presente no evento esta noite – as coisas ficaram um pouco aquecidas por um minuto, porque uma estudante sobrevivente levantou o código de honra durante o Q&A (porque ela tinha passado por eles duas vezes por agressão sexual) e se dirigiu diretamente à coordenadora do título IX, que se levantou e respondou que não pediria desculpas por cumprir um código de honra tão essencial para a BYU.

A interação foi encerrada logo após a estudante respondeu com “você não vai pedir desculpas?” e o evento continuou sobre o tema que pretendia discutir. Foi um evento bom no geral – todos aplaudiram depois que a estudante indicou que não estava certo o que o código de honra fez com ela. Eu tenho certeza que a maioria das pessoas na sala concordaram com a vítima, incluindo aqueles que organizaram o evento, mas se eles deixassem a discussão se desdobrar, tenho certeza que a BYU questionaria deixar eventos como esse acontecerem no futuro. E, eles não têm o poder de mudar isso diretamente. Não tenho certeza. Eu certamente não concordo com o código de honra na maioria dos casos.

A respeito disso, praticamente o único lugar seguro no campus é o centro de aconselhamento. Concordo também que a maioria das universidades lidam mal com este tema – assistam o [filme] ‘Hunting Ground‘. Além disso, o título IX só agora começou a lidar com violência sexual, assim que a maioria dos campi estão começando a aprender o seu lugar na coisa toda.

Também foi afirmado que a polícia de Provo não relata ao escritório do Código de Honra, mas que também é uma mentira – várias pessoas que conheço foram chamadas para o escritório de código de honra por causa da polícia de Provo. Mas pode ser algo com consumo por menor de idade. Não tenho certeza sobre a agressão sexual.

Outra respondeu:

Minha irmã foi estuprada na BYU em 2002. Ela o entregou com a ajuda de suas colegas de quarto (que testemunharam os gritos dela em seu quarto) e minha mãe e eu, e acho que o que aconteceu – ela foi interrogada e depois foi colocado em período probatório por um semestre e deram-lhe um encaminhamento para obter alguma ajuda com seus “problemas” (???) e foi colocada em anti-depressivos, enquanto ele continuava a andar pelo campus afora, como se nada tivesse acontecido. Ah, e, em seguida, ele saiu em sua missão para a Argentina. Super incrível, né? Foda-se essa escola na sua cara. BYU é definitivamente a escola do Senhor, como evidenciado por suas ações Cristãs. (sic)

A repercussão negativa a esses comentários de uma oficial da universidade, em um evento oficial da universidade, foram imediatas. Um advogada sênior para o escritório jurídico Centro de Direitos Legais de Vítimas, Colby Bruno, criticou abertamente a liderança da Igreja e da Universidade:

“Eu acho que a BYU está passando uma mensagem clara e inequívoca: Não denunciem violência sexual.”

Muitas faculdades que mantém códigos de conduta similares oferecem cláusulas de imunidade acadêmica em casos especiais, como suspeitas de overdose ou para vítimas de violência sexual. A Brigham Young não precisaria abandonar suas exigências religiosas, diz Bruno, para acomodar exceções para proteger vítimas. Oferecer ou mesmo exigir acompanhamento psicológico, psiquiátrico, e supervisão para abordar indiscrições do “cógido de honra” de maneira educacional, explica Bruno, enquanto a vítima se recupera do trauma da violência não nega a importância dos valores religiosos e oferecem reforço positivo e educacional para coibir recividância num momento quando a aluna e vítima encontra-se emocionalmente vulnerável e desamparada.

“Não se atreva, porém, a colocá-la de frente a um painel que irá julgá-la por seu comportamente que pode ter resultado no estupro.”

As afirmações da universidade de que ela é obrigada por lei a acelerar suas investigações internas simplesmente não condizem com a verdade, diz Bruno. O Título IX sugere uma janela de 60 dias justamente para obrigar as escolas a investigarem casos de estupro ou violência sexual, mas claramente permitem adiar os procedimentos internos se estão interferindo com investigações criminais. Baseando-se no testemunho de vítimas, os oficiais da Igreja e da universidade estão “agindo de maneira bem draconiana a respeito disso”, explica a advogada especialista nesses tipo de casos.

Uma petição online já quase atingiu a meta de 114 mil assinantes para pressionar a BYU por uma suspensão de investigações de vítimas de violência sexual. Você pode assinar a petição aqui.

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