Jonathan Dunham e o Martírio de Joseph Smith

Jonathan Dunham é um dos mórmons que mais impactou a história do mormonismo no século 19.

O SANGUE DOS MÁRTIRS É A SEMENTE DA IGREJA "O Interior da Prisão de Carthage" por C.C.A. Christensen (Museu de Arte da Universidade de Brigham Young).

O SANGUE DOS MÁRTIRS É A SEMENTE DA IGREJA diz o rodapé da pintura entitulada “O Interior da Prisão de Carthage” por C. C. A. Christensen (1831-1912) Fonte: Museu de Arte da Universidade de Brigham Young

E é muito provável que você nunca tenha ouvido falar nele. Jonathan Dunham nasceu em 14 de janeiro de 1800 na cidade de Paris, condado de Oneida, no centro do estado de Nova Iorque, não distante da Palmyra de Joseph Smith. Batizado na Igreja em 1836, foi ordenado Élder e imediatamente saiu em missão para Nova Iorque, recebendo uma “promoção” em menos de um ano ao ser ordenado Setenta. Em 1837 serviu outra missão, desta vez aos “lamanitas” (i.e., ameríndios), e em 1838 foi ordenado a mudar-se com sua família para Adam-Ondi-Ahman, no condado de Daviess, em Missouri.

Em Missouri, Dunham foi nomeado capitão no exército mórmon, informalmente conhecido como “Danitas”, no comando da companhia denominada “fur company” (i.e., companhia de peles animais). Nessa posição, Dunham era responsável por ataques e pilhagens de não-mórmons pelos condados de Caldwell e, especialmente, Daviess, especializando no roubo de gados.

Por causa da designação de seu comando nas zonas rurais, Dunham não participou dos ataques e pilhagens liderados por Joseph Smith contra cidades, populações civis, e autoridades governamentais, e portanto não configurou na lista de mórmons acusados de traição no arremate da Guerra Civil em Missouri de 1838 ou Guerra Mórmon de 1838. Enquanto Smith e co-conspiradores aguardavam julgamento na prisão em Liberty, Missouri, Dunham foi enviado em missões durante 1839 (Indiana, Pensilvânia, Nova Iorque) e 1840 (reservas indígenas no Kansas).

Mapa do Oeste de Missouri, pelo historiador John Hamer

Mapa do Oeste de Missouri, pelo historiador John Hamer

Assim que Smith conseguiu fugir da prisão após subornar um de seus guardas penitenciários, os mórmons assentaram-se em um pântano às margens do importante rio Mississippi, fundando a cidade de Nauvoo. Jogando um partido político contra o outro com promessas de votos mórmons, Smith conseguiu uma carta de incorporação municipal que lhe autorizava grande autonomia, inclusive a criação de um exército miliciano municipal. Dunham terminou sua missão aos lamanitas e juntou-se à Igreja em sua nova cidade, e imediatamente foi comissionado como coronel no exército mórmon, agora oficial e legalizado, sob a designação Legião de Nauvoo.

Em Nauvoo, Dunham serviu como Setenta, com uma breve missão (novamente aos lamanitas, agora em Missouri), e trabalhou como Superindendente do Arsenal da Legião de Nauvoo e Gerente do porto de Nauvoo.

Havendo alienado ambos partidos políticos em dois ciclos eleitorais consecutivos, Joseph Smith encontrou-se sob crescente ameaça da Assembleia Legislativa de Illinois de revogar a carta de incorporação de Nauvoo. Ademais, Smith encontrava-se constantamente fugindo de captura por caçadores de recompensa vindo de Missouri, onde ele ainda era fugitivo da lei e procurado com traição e insurreição. Assim, em dezembro de 1843, Smith apontou Dunham como Capitão da Força Policial de Nauvoo, orientando-o a “matar se necessário” para proteger Smith e os líderes da Igreja.

Nesse frenesi de 1844, Smith convocou o Conselho dos 50 para considerar todas as opções possíveis e decidiu-se, além de cometer todo o aparato da Igreja à candidatura de Joseph Smith à Presidência dos EUA, que explorar-se-ia possíveis migrações planejadas para o Texas, a região das Montanhas Rochosas, e para o Território de Oregon. Nessa reunião, Dunham voluntariou-se a liderar a expedição para o Oregon.

Quando o Primeiro Conselheiro na Primeira Presidência, William Law, comprou um jornal e publicou sua primeira edição expondo as práticas secretas de poligamia de Smith e os planos ultra-secretos do Conselho dos 50, Smith ordenou a destruição da prensa do jornal Expositor de Nauvoo e a queima de todas as cópias da publicação. Jonathan Dunham, como Capitão da Polícia de Nauvoo, organizou  e comandou a expedição de destruição.

O furor de toda região foi imediata, especialmente quando Law foi avisado (possivelmente pelo Presidente da Estaca de Nauvoo William Marks) de planos para assassiná-lo e fugiu com sua família no dia seguinte. A destruição ilegal da prensa, combinado com a fuga súbita da família de Law e outros de Nauvoo, resultou num furor incontrolável por toda a região. Apesar de ser implicado no ataque ao jornal, e indiciado por isso, Dunham não constava na primeira lista de mandados de prisão preventiva. Joseph Smith, contudo, encabeçava a lista, e imediatamente após declarar lei marcial em Nauvoo, promoveu Dunham a general (oficialmente, de uma estrela, atuando como de duas estrelas) da Legião de Nauvoo, atravessou o rio Mississippi até o estado de Iowa para novamente fugir da lei.

Pânico imediatamente tomou conta da cidade dos mórmons, temendo como os outros cidadãos de Illinois da região, que os haviam acolhidos com braços abertos havia meros 5 anos, reagiriam enfurecidos com os mandos e desmandos de Smith em Nauvoo. Prefeito da cidade e general de três estrelas de sua milícia, Smith havia quebrado a lei de Illinois repetidas vezes (i.e., poligamia, governo paralelo, fusão de religião e Estado, destruição ilegal de propriedade privada e censura à liberdade de expressão, etc.) enfurecendo seus vizinhos, e agora simplesmente fugia abandonando-os. Vários cidadãos, sua esposa oficial Emma entre eles, escreveram-lhe demandando seu retorno e taxando-o de covarde. Relutantemente, e persuadido por seu irmão Hyrum, Smith decide retornar e entregar-se às autoridades. De volta a Illinois, Smith orienta Dunham a manter lei marcial e entrega-se ao governador do estado de Illinois, Tom Ford, sendo levado à prisão na cidade vizinha de Carthage, onde é indiciado pelo crime inafiançável de traição.

Joseph Smith vestindo o uniforme da Legião de Nauvoo. Pintura de Sutcliffe Maudsley (1809 - 1881)

Joseph Smith vestindo o uniforme de General da Legião de Nauvoo. Pintura de Sutcliffe Maudsley (1809 – 1881)

Na tarde de 26 de junho de 1844, temendo um atentado contra sua vida, enquanto preso e aguardando julgamento, Smith enviou mensagem urgente a Dunham para organizar a Legião de Nauvoo e comandar um ataque militar contra a cidade de Carthage para resgatá-lo. Dunham imediatamente se deu conta que tal manobra militar resultaria em carnificina e banhos de sangue, primeiro inflingido pelos mórmons contra os cidadãos de Carthage e a milícia local para libertar Smith e companheiros de cela, e segundo entre os próprios mórmons quando a milícia de Illinois retaliasse contra Nauvoo por insurreição e traição. E eles retaliariam, e com razão, e certamente com resultados desastrosos. Dunham decidiu, então, contrariar as ordens do Profeta para evitar a profusão de derramamento de sangue de civis e nova guerra civil aberta ainda pior do que ocorrera em Missouri.

Em pouco mais de 24 horas, Smith havia sido assassinado por uma multidão armada, de entre 150 a 200 milicianos e civis. Os irmãos Smith lutam bravamente, mas suas duas pistolas não são suficientes para uma turba inteira armada. Smith ainda tenta conclamar ajuda dos maçons presentes ao gritar um pedido de socorro maçônico: “Ó, Senhor, Meu Deus!”. O resto do pedido, “não há quem ajude o filho de uma viúva?”, é interrompido pelo voleio de tiros. Dunham faz a viagem sob guardas até Carthage e traz os corpos de Joseph e Hyrum em triste e deprimente procissão de volta à Nauvoo.

A prisão de Carthage, onde os irmãos Smith foram assassinados em 1844. Foto de 1885.

A prisão de Carthage, onde os irmãos Smith foram assassinados em junho de 1844. Retrato anônimo de 1885. Note a única janela do segundo andar na face leste, de onde Joseph Smith tentou implorar por socorro ou clemência.

Dunham é imediatamente criticado e julgado por seus pares. Um de seus tenentes, Allen Stout, anotou em seu diário que Dunham não havia contado a ninguém das ordens de Smith, culpando-o pela morte do Profeta, que poderia ainda estar vivo se o exército mórmon tivesse ido salvá-lo.

Em abril de 1845, Dunham foi enviado por Brigham Young junto com três membros do Conselho dos 50 em uma “missão aos lamanitas”, entre eles Lewis Dana, um nativo-americano da tribo Oneida. Alguns meses depois, dois deles foram convocados de volta à Nauvoo. Na madrugada de 28 de julho, após meses de depressão e remorsos por não haver obedecido as ordens de Smith e tentado seu resgate, Dunham pede auxílio a seu amigo Dana que, conformemente, assassina Dunham e o enterra em jazigo improvisado e não marcado.

O sobrinho de Brigham, Seymour B. Young, sobrevivente do massacre de Haun’s Mill em 1838 e eventual Autoridade Geral, descobriu o arranjo entre Dunham e Dana. Incapazes de determinar se havia sido suicídio ou homicídio, Brigham Young e demais Apóstolos decidiram manter uma “história oficial” afirmando que Dunham havia morrido “de febre” e Lewis Dana foi mantido como um membro do ultra-secreto e prestigioso Conselho dos 50. Contudo, um dos cunhados de Smith, Oliver B. Huntington anotou em seu diário que Dunham havia cometido suicídio por remorsos pela morte de Smith e por sua parte nela.

É impossível saber o que teria acontecido se Dunham tivesse levado a Legião de Nauvoo para Carthage para resgatar Joseph Smith naquele dia de verão em junho de 1844. Dunham certamente teria força militar suficiente para defender a prisão de Carthage e resgatar o Profeta e o Patriarca. O medo da Legião de Nauvoo era tamanha que, após um pelotão de fuzilamento haver cuidadosamente executado Smith no pátio da cadeia, um homem foi abruptamente interrompido ao tentar decapitá-lo por gritos de que a Legião se aproximava e a subsequente rápida e desordenada debandada da multidão.

"O Martírio de Joseph e Hiram [sic] Smith na Cadeia de Carthage, 27 de junho de 1844" por G.W. Fasel [pintura] e C.G. Crehen [litografia] para Nagel & Weingaertner, N.Y. Dedicado ao "Reverendo" [sic] Orson Hyde

“O Martírio de Joseph e Hiram [sic] Smith na Cadeia de Carthage, 27 de junho de 1844” por G.W. Fasel [pintura] e C.G. Crehen [litografia] para Nagel & Weingaertner, N.Y. Dedicado ao “Reverendo” [sic] Orson Hyde. Note a ilustração de uma tentativa de decapitação após a execução final.

Contudo, é improvável que tal ato de agressão militar não resultasse em guerra civil aberta. Na semana anterior, às vésperas de se entregar às autoridades, Smith havia queimado a revelação que se tornaria a seção 132 e renunciado poligamia para sua esposa Emma e seu irmão Hyrum. Smith também havia orientado aos Apóstolos (e demais membros do Quórum dos Ungidos) a queimarem seus garments, e aos membros do Quórum dos Cinquenta a queimarem todos os documentos relacionados ao seu governo paralelo que o havia coroado Rei da Terra em março p.p.

Até onde a carnificina resultante teria ido, e até quando as mudanças urgentes de Smith na semana antes de sua morte teriam sido levadas, ou mesmo quem lideraria a Igreja dali em diante (Hyrum?) e aonde iriam dali (Texas? Oregon? Ilha de Beaver? Ficar em Illinois mudando-se drasticamente?), porém é inegável que toda a subsequente história do mormonismo teria sido profundamente diferente se Dunham tivesse ido contra sua consciência e obedecido o Profeta.


REFERÊNCIAS

Bushman, Richard L, Joseph Smith: Rough Stone Rolling, Alfred A. Knopf, 2005.

Hansen, Klaus J, Quest for Empire: The Political Kingdom of God & the Council of Fifty in Mormon History, Michigan State University Press, 1967.

LeSueur, Stephen C, The 1838 Mormon War in Missouri, University of Missouri Press, 1990.

Oaks, Dallin H e Hill, Marvin S, Carthage Conspiracy: The Trial of the Accused Assassins of Joseph Smith, University of Illinois Press, 1979.

Quinn, D Michael, The Mormon Hierarchy: Origins of Power, Signature Books, 1999.

The Joseph Smith Papers Project, Jonathan Dunham, The Church Historian’s Press, 2016.

Whiting, Linda S, David W. Patten: Apostle and Martyr, Cedar Fort, 2003.

7 comentários sobre “Jonathan Dunham e o Martírio de Joseph Smith

  1. Não me canso de pensar que se algum cineastra americano quisesse, conseguiria fazer uma série incrível sobre a vida de Joseph Smith. A vida do “cara” (com todo o respeito de alguém que o admira profundamente e detém profundo respeito) detêm todos os elementos de um seriado que prenderia a atenção do publico religioso ou não do mundo inteiro. Cenas inspiradoras, conspirações, romance, ação, traição, tudo! e o mais incrível: baseado em fatos reais ! . Olha, podem chamá-lo de qualquer coisa, mas uma coisa é certa, conviver com ele deveria ser tudo menos tedioso. rsrs

    • Concordo. Joseph Smith viveu intensamente: foi profeta, rei e patriarca bíblico (com direito a harém). Criou uma religião que é uma mistura de cristianismo, judaísmo, islamismo e ocultismo.
      E ainda sonhou com a presidência dos Estados Unidos!
      Não é a toa que muitas mulheres se encantavam por ele. Talvez mesmo algumas que hoje se escandalizam com sua poligamia talvez não resistissem ao seu charme…
      Ele foi tudo, menos uma alma pequena.

  2. Não sei se existem tais registros, mas seria muito interessante conhecer a vida de Cristo através de escritos feitos pelos escribas ou fariseus que foram seus contemporâneos. Certamente não seriam iguais aos que estão no Novo Testamento.

    • Verdade temos exemplos hoje Podemos fazer um teste e pedir para duas pessoas escreverem sobre o ex presidente Lula
      Um apoiador e outro que não o apoia
      Ou sobre o Bolsonaro
      Aí vamos ter o mesmo resultado
      Duas visões da mesma pessoa

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