Quando Joseph Smith ditou a sua história oficial para ser publicada para a Igreja SUD e o mundo, e eventualmente seria incluída no volume canonizado de escrituras conhecido como a Pérola de Grande Valor, ele recontou como o anjo Néfi lhe visitara em seu quarto enquanto jovem para lhe explicar sobre as placas de ouro que continham o que viria a ser chamado de Livro de Mórmon.

Néfi aparece a Joseph Smith? “Morôni Aparece a Joseph em Seu Quarto” ou “O Anjo Morôni Aparece a Joseph Smith”, por Tom Lovell sob encomenda para, e publicado pela, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Reproduzido sob permissão
Publicações, textos, arte, gravuras, estátuas, adornos de templos, e até mesmo as escrituras mórmons de hoje o denominam como o “Anjo Morôni”. Contudo, quando Joseph Smith ditou uma narrativa da sua história pessoal que recontasse essa visitação pela primeira vez, ele o chamou de Néfi. E, evidentemente, o nome Néfi para o anjo era conhecimento comum entre muitos de seus seguidores.
Entre eles, duas mulheres de destaque: Lucy Mack Smith, mãe do Profeta Joseph Smith e esposa de 1 e mãe de 2 testemunhas do Livro de Mórmon, e Mary Musselman Whitmer, sogra de 1 e mãe de 5 testemunhas do Livro de Mórmon. Com acesso direto e íntimo a 10 dos 12 homens diretamente ligados ao Livro de Mórmon, o que nos legaram essas duas matriarcas?
Imediatamente após as mortes de 3 de seus filhos em junho e julho de 1844, entre eles o Profeta Joseph, Lucy Mack Smith trabalhou em sua autobiografia que serviria de biografia coletiva de sua família. O Historiador da Igreja SUD entre 1972 e 1982, Leonard Arrington, qualificou o trabalho de Smith como “informativo, basicamente exato e extremamente revelador da vida de Joseph Smith e seus contextos familiares”, e que “talvez conte mais sobre as origens mórmons do que qualquer outra fonte única”.
Nesse trabalho autobiográfico “informativo, basicamente exato”, a mãe do Profeta aproveita o testemunho de seu filho Profeta quando descrevem bem as suas próprias lembranças. Lucy Mack lembrava-se que ouvir de seu filho que o anjo se chamara Néfi, e assim ela incluiu o seu testemunho¹:
“Enquanto estava assim suplicando a Deus, descobri uma luz surgindo em meu quarto, a qual continuou a aumentar até o aposento ficar mais iluminado do que ao meio-dia, quando imediatamente apareceu ao lado de minha cama um personagem em pé, no ar, pois seus pés não tocavam o solo. Vestia ele uma túnica solta, da mais rara brancura. Era uma brancura que excedia a qualquer coisa que eu já vira; nem acredito que qualquer coisa terrena pudesse parecer tão extraordinariamente branca e brilhante. Tinha as mãos descobertas e os braços também, um pouco acima dos pulsos. Seus pés também estavam descobertos, bem como as pernas, um pouco acima dos tornozelos. A cabeça e o pescoço também estavam nus. Verifiquei que não usava outra roupa além dessa túnica, pois estava aberta, de modo que lhe podia ver o peito. Não somente sua túnica era muito branca, mas toda a sua pessoa era indescritivelmente gloriosa e seu semblante era verdadeiramente como o relâmpago. O quarto estava muito claro, mas não tão luminoso como ao redor de sua pessoa. No momento em que o vi, tive medo, mas o medo logo desapareceu. Chamou-me pelo nome e disse-me que era um mensageiro enviado a mim da presença de Deus e que seu nome era Néfi. Que Deus tinha uma obra a ser executada por mim, e que meu nome seria considerado bom e mau entre todas as nações, tribos e línguas; ou que entre todos os povos se falaria bem e mal. Disse-me que havia um livro escondido, escrito em placas de ouro, que continha um relato dos antigos habitantes deste continente, assim como de sua origem e procedência. Disse também que o livro continha a plenitude do evangelho eterno, tal como fora entregue pelo Salvador aos antigos habitantes. Disse também que havia duas pedras em aros de prata (e essas pedras, presas a um peitoral, constituíam o que é chamado de Urim e Tumim) depositadas com as placas, e que a posse e uso dessas pedras era o que constituía videntes nos tempos antigos; e que Deus as tinha preparado para serem usadas na tradução do livro.”
Lucy Mack também aproveitou para recontar como seu jovem filho profeta passou sua adolescência contando estórias sobre os povos ameríndios desde 1823:
“No decorrer de nossas conversas às noites, Joseph nos dava alguns dos recitais mais interessantes que poderiam ser imaginados[. E]le descrevia os habitantes antigos deste continente[,] suas vestimentas[,] seus modos de transporte[,] os animais nos quais cavalgavam[, a]s cidades que foram construídas por eles[,] as estruturas de seus edifícios[,] com ricos detalhes de seus modos de guerra[,] seus cultos religiosos – com tantos detalhes como se ele tivesse passado sua vida com eles[.]”

Réplica das placas de ouro, dos quais Mary Whitmer afirmou ser testemunha ocular (Museum of Church History and Art, Salt Lake City)
No artigo “Ainda Outra Testemunha“ publicado no jornal da Igreja SUD Historical Record [Vol. 7, Out 1888, p. 621] pelo Setenta e Assistente Historiador da Igreja Andrew Jenson (entre 1886 e 1941), lê-se o testemunho de Mary Musselman Whitmer como relatado por um de seus netos. Jenson descreve Whitmer como “a única mulher na terra que jamais gozara do privilégio de ver o tesouro sagrado [i.e., as placas de ouro]”. Além dela mesmo haver testificado ser testemunha ocular das placas, “[s]eu filho David Whitmer, antes de morrer, testificara em várias ocasiões, que sua mãe tinha visto as placas…”. Jenson entrevistou pessoalmente o neto de Mary Whitmer, John C. Whitmer:
“Eu ouvi a minha avó recontar em várias ocasiões que a ela lhe foram mostradas as placas do Livro de Mórmon por um santo anjo, a quem ela sempre chamava de Irmão Néfi. Foi na época, ela dizia, quando a tradução estava sendo feita na casa do velho Peter Whitmer, seu marido. Joseph Smith com sua esposa, e Oliver Cowdery, quem David Whitmer tinha trazido havia pouco tempo de Harmony, Pennsylvania, estavam todos morando com os Whitmers, e minha avó, por ter que cuidar de tantas pessoas extras, além de sua já considerável família, estava sempre sobrecarregada com trabalho até o ponto que ela sentia que era um enorme fardo. Certa noite, quando (após cumprir suas tarefas domésticas costumeiras na casa) ela desceu foi até o estábulo ordenhar as vacas, ela encontrou um estranho carregando algo em suas costas que parecia uma mochila. De pronto, ela estava um pouco receosa dele, mas quando ele lhe falou com ela com um tom amistoso e bondoso, e começou a explicar a ela a natureza do trabalho que ocorria em sua casa, ela foi tomada por uma alegria e satisfação inexpressíveis. Então ele desatou sua mochila e mostrou-lhe um maço de placas, que em tamanho e aparência correspondiam com a descrição dada subsequentemente pelas testemunhas do Livro de Mórmon. Essa pessoa desconhecida virou as páginas do livro de placas, uma após a outra, e também lhe mostrou as gravações nelas; após o que, ele lhe pediu para que fora paciente e fiel em aturar o fardo por mais um tempo, prometendo que se o fizera, ela seria abençoada; e sua recompensa seria certa, se ela se provasse fiel até o fim. O personagem então subitamente desapareceu com as placas, e aonde ele foi, ela não poderia dizer. Daquele momento em diante, minha avó foi capacitada a cumprir com suas tarefas domésticas com maior facilidade, e ela não sentiu mais o desejo de murmurar por causa de seu pesado fardo. Eu sei que a minha avó era uma mulher boa, nobre, e honesta, e eu não tenho nenhuma dúvida que seu testemunho de ter visto as placas não seja completamente verdadeiro. Ela era uma firme crente do Livro de Mórmon até o dia de seu falecimento.”
Lucy Mack Smith e Mary Musselman Whitmer não foram as únicas seguidoras do Profeta Joseph Smith a familiarizar-se com a caracterização do anjo como “Néfi”.
Enquanto ditava seu manuscrito original de sua história, Joseph Smith não surpreendeu o Setenta e escrivão James Mulholland quando mencionou Néfi, ou teria provocado pausas e perguntas. Smith e os Apóstolos John Taylor e Wilford Woodruff organizaram e revisaram esse manuscrito para publicação oficial nos jornais oficiais da Igreja SUD Times and Seasons (Vol. 3 No. 12 p. 753), no dia 15 de abril de 1842. Nem Smith, obviamente, nem os Apóstolos Taylor e Woodruff (editor e co-editores do Times and Seasons, respectivamente), se surpreenderam com a menção de Néfi o suficiente para provocar correções ou mesmo questionamentos. O Apóstolo Parley P. Pratt, editor do The Latter-day Saints’ Millennial Star (Vol. 03 No. 4 p. 53), preparou esse mesmo texto para publicação em agosto de 1842, e ele tampouco se surpreendeu com a menção de Néfi.
[Veja imagens das primeiras publicações oficiais da narrativa do anjo e das placas aqui]

Trecho do manuscrito original da história da Igreja, ditada pelo Profeta Joseph Smith, anotado pelo Setenta James Mulholland (ca. 1839)
O Apóstolo Franklin D. Richards preparou o manuscrito para publicação para a primeira edição da Pérola de Grande Valor, publicada em 1851, e ele manteve o texto como originalmente documentado no manuscrito: “Néfi”. Ele é o quarto Apóstolo que vemos não sentir quaisquer surpresas ou apreensões com a identificação de Néfi como o anjo que visitara Joseph Smith em setembro de 1823.

Página 41 da primeira edição da Pérola de Grande Valor, 1851 (M224.1 P359 1851 no. 10_v0001_00079)
A alteração para “Morôni” na Pérola de Grande Valor foi introduzida apenas para a sua segunda edição de 1878, preparada pelo Apóstolo Orson Pratt, e canonizada como escritura na Conferência Geral de outubro de 1880. Foi Pratt quem alterou o manuscrito da Lucy Mack Smith de “Néfi” para “Morôni”, e supostamente quem orientou o Apóstolo Albert Carrington a alterar o manuscrito original de Joseph Smith e James Mulholland entre 1871 e 1874.²

“Néfi Subjuga Seus Irmãos Rebeldes” por Arnold Friberg, sob encomenda para, e publicado pela, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Reproduzido sob permissão
Lucy Smith e Mary Whitmer foram as mulheres mais intimamente relacionadas com as placas de ouro e a tradução do Livro de Mórmon. Smith acompanhou toda a trajetória de seu filho profeta desde suas primeiras visões, e Whitmer teve suas próprias visões. Ambas acompanharam intimamente todo o processo de tradução e publicação, além de sua intimidade lhes oferecer acesso às testemunhas oficiais. Ambas demonstraram estar perfeitamente à vontade com o conceito de que Néfi fora o anjo que guiara o jovem Joseph às placas de ouro.
NOTAS
[1] Tradução do texto original para o português padronizada com a forma da tradução em português do trecho atualmente publicado pela Igreja SUD em sua Pérola de Grande Valor apenas para facilitar comparações pelo leitor familiarizado com esta.
[2] O historiador Dan Vogel convincentemente argumenta através de análise caligráfica que o escrivão-editor foi o Apóstolo Albert Carrington, historiador da Igreja entre 1871 e 1874, durante esse período.
““(…) minha avó, por ter que cuidar de tantas pessoas extras, além de sua já considerável família, estava sempre sobrecarregada com trabalho até o ponto que ela sentia que era um enorme fardo. (…) ela encontrou um estranho carregando algo em suas costas que parecia uma mochila. (…) Então ele desatou sua mochila e mostrou-lhe um maço de placas (…) Essa pessoa desconhecida virou as páginas do livro de placas, uma após a outra, e também lhe mostrou as gravações nelas; (…) (…) Daquele momento em diante, minha avó foi capacitada a cumprir com suas tarefas domésticas com maior facilidade, e ela não sentiu mais o desejo de murmurar por causa de seu pesado fardo.”
1. Não teria sido esse estranho personagem alguém a mando de Joseph Smith, que aproveitando-se da credulidade da velha senhora a fez parar de reclamar?
2. Provável produção parapsíquica de Joseph Smith semelhante a de Helena Blavatsky – Joseph Smith, muito antes de ter recebido as tais placas de ouro, já conhecia o conteúdo delas.Ele contava essas histórias antes de seu irmão Alvin morrer, em novembro de 1823, mas só teria acesso ao conteúdo das tais placas em setembro de 1827. Esse testemunho explica porque JS DITOU o Livro de Mórmon olhando pra dentro do chapéu, sem necessidade de “traduzir” (ler) as placas.
Veja aqui Daniel C. Peterson, apologista Mórmon, contando os relatos de Emma Smith e David Whitmer (testemunha do Livro de Mórmon) de que Joseph nunca se utilizou das tais placas para traduzir o Livro de Mórmon.
3. Alteração do nome do “anjo” por Orson Pratt – infelizmente o mau exemplo vinha do próprio Smith, que fazia alterações de seus escritos quando queria, ao sabor de suas mudanças de ideia
Por que mudariam?