Spencer McBride: a Candidatura Presidencial de Joseph Smith

Em 1844, Joseph Smith lançou sua candidatura à presidência dos Estados Unidos. A decisão do profeta, prefeito e líder militar – quixotesca, risível ou perigosa, dependendo de quem a observava – seguiu anos de relações tumultuadas e, com frequência, violentas entre mórmons e seus vizinhos, acompanhadas de pouca ou nenhuma intervenção do estado em defesa do seu crescente movimento religioso.

Concorrendo à Casa Branca, Smith prometia não somente intervir em favor de seus cerca de 25 mil seguidores, mas apresentar soluções para os problemas sociais e econômicos da jovem república. Para o historiador Spencer McBride, “o tema do envolvimento político de Joseph foi a compaixão por aqueles que haviam sido marginalizados”. A violência, no entanto, traria fim às suas pretensões eleitorais, fazendo de Joseph Smith o primeiro candidato presidencial a ser assassinado nos EUA.

Lançado em maio deste ano, o livro Joseph Smith for President: The Prophet, the Assassins, and the Fight for American Religious Freedom (Joseph Smith para Presidente: o Profeta, os Assassinos e a Luta pela Liberdade Religiosa Americana), de Spencer McBride, apresenta o mais detalhado estudo do envolvimento de Joseph Smith na campanha presidencial de 1844.

Nesta entrevista exclusiva ao Vozes Mórmons, o autor fala sobre sua pesquisa acerca da candidatura de Joseph Smith, suas propostas e as possíveis lições a serem herdadas por santos dos últimos dias contemporâneos.

Vozes Mórmons: Por que Joseph Smith se candidatou à presidência em 1844? Ele acreditava ter alguma chance real de ser eleito? Ou ele estava tentando marcar uma posição?

Spencer McBride: Não penso que Joseph Smith tivesse qualquer chance de vencer a eleição presidencial de 1844. No entanto, sua campanha estava aumentando a conscientização sobre a perseguição que os membros da igreja e outros grupos religiosos minoritários estavam enfrentando. Ele foi sério sobre sua campanha e as soluções que propunha para problemas reais que os Estados Unidos estavam enfrentando, mas acho que ele era realista sobre suas perspectivas.

Richard Bushman descreveu a plataforma presidencial do Profeta como sendo “idealista, mas politicamente impraticável” (Joseph Smith: Rough Stone Rolling, p. 517). Até que ponto suas idéias políticas eram utópicas, em sua opinião?

Joseph Smith estava pedindo algumas reformas muito significativas. Sua plataforma era muito idealista. Mas os Estados Unidos eram um lugar politicamente polarizado em 1844 e as chances de tais propostas serem adotadas eram mínimas. Mas acho que Joseph estava pensando pragmaticamente. Estava tentando encontrar um meio-termo para realizar algumas de suas reformas propostas. Por exemplo, ao pedir a abolição da escravidão no país, propôs que o governo federal comprasse a liberdade de cada homem, mulher e criança escravizados. Isso era pragmático, mesmo que fosse improvável, porque ele poderia simplesmente ter clamado pelo fim da escravidão por meio de legislação, mas, em vez disso, ofereceu um meio-termo para uma reforma ousada.

Joseph Smith tinha o talento de incorporar conceitos e simbolismo de seu ambiente mais amplo em sua religião. Vemos esse padrão com a ideia protestante do dispensacionalismo, a reinterpretação dos rituais maçônicos, etc. Quão única era sua plataforma presidencial em 1844? É possível traçar algumas de suas idéias políticas a outros pensadores e ideologias da época?

Cada ideia que Joseph Smith apresentou em sua plataforma de campanha era relevante para as questões nacionais, ao mesmo tempo que estava conectada à sua história pessoal. Ele não foi o primeiro a opinar sobre todas essas questões, mas algumas de suas soluções propostas foram verdadeiramente inovadoras. Seu plano para acabar com a escravidão é uma delas. Seu plano para estabilizar o sistema financeiro do país não era inteiramente novo, mas incluía algumas novas ideias importantes, especialmente a baixa ajuda de custo para aqueles que dirigiam o banco nacional, que Joseph considerava essencial para garantir que ninguém lucrasse injustamente com uma instituição financeira projetada para servir ao povo. Outras ideias, como aquelas sobre a expansão territorial dos Estados Unidos, eram bastante comuns no discurso político da época.

Joseph Smith parecia um autocrata a seus contemporâneos não mórmons? Os autores da Constituição dos EUA acreditavam que o equilíbrio de poder desempenhado pelos três poderes do governo federal e a autonomia de cada estado poderia impedir a tirania que vivenciaram como colônia. Joseph Smith, como candidato, parece acreditar que um governo federal mais forte, talvez até mesmo uma presidência mais forte, resolveria o “governo da turba” permitido pelos estados, como experienciado pelos santos. Mais obviamente, sua própria candidatura parecia comprometer a separação entre Igreja e Estado.

Esta é uma área em que Joseph Smith e os santos dos últimos dias frequentemente confundem os historiadores dos Estados Unidos. Em alguns aspectos, a Igreja em si era bastante democrática (por exemplo, um clero leigo, ordenação para todos os homens dignos, independentemente da escolaridade, etc.). Em outras formas, parece bastante hierárquica (por exemplo, um sistema bastante claro de governança da igreja). Acho que a mesma coisa se aplica à política de Joseph Smith. De certa forma, ele está tentando dar poder ao povo americano, dando-lhe mais voz no processo de governo e mais possibilidades de reparação quando o governo local os reprimir. Mas, por outro lado, está tentando transferir mais poder para certos cargos, como a presidência, para capacitar essa pessoa a proteger grupos minoritários quando outros segmentos do governo não o fizerem.

No panfleto Visões do General Smith Sobre o Governo e a Política dos Estados Unidos, acabar com a escravidão é a primeira proposta da campanha presidencial de Smith. Sabendo que alguns membros da Igreja trouxeram afro-americanos escravizados para o Oeste, e que Brigham Young, como governador territorial, legalizou a servidão em 1852, pode-se indagar o quão expostos os santos estavam à opinião de seu Profeta contra a escravidão.

Acho que, no que diz respeito aos pontos de vista de Joseph Smith sobre raça e escravidão, é importante entender que suas ideias estavam evoluindo. Acho que é algo com o qual todos nos identificamos. Frequentemente, temos ideias na adolescência ou na casa dos 20 anos e, à medida que envelhecemos e ganhamos mais educação e experiência de vida, começamos a mudar de ideia sobre algumas coisas. Vemos isso com Joseph. À medida que sua compreensão da discriminação religiosa aumenta, ele assume uma posição cada vez mais forte contra a escravidão. Nem todos os membros da igreja concordaram com ele, mas muitos concordaram. Joseph e outros líderes da igreja tiveram que agir com cuidado aqui, porque a luta acerca da escravidão estava causando sérios cismas nas igrejas em todos os Estados Unidos, e eles queriam evitar isso. No entanto, meu senso da história é que Joseph Smith esperava que, ao abolir a escravidão nos Estados Unidos na década de 1840, ele simultaneamente removeria a prática da igreja, visto que os membros da igreja escravagistas deixariam de sê-lo.

Você pode explicar o papel dos missionários eleitorais? Eles estavam fazendo campanha política e também proselitismo?

Muitos dos missionários eleitorais já haviam servido em missões de proselitismo, então o serviço missionário não era novidade. No entanto, alguns não se sentiram tão confortáveis quanto outros para fazer discursos políticos. Nesses casos, eles frequentemente faziam proselitismo, presumindo que qualquer pessoa que eles convertessem ao evangelho também apoiaria Joseph Smith na eleição.

A publicação das atas do Conselho dos Cinquenta mudou nosso entendimento anterior da campanha de Joseph Smith? Com seu conselho teocrático trabalhando simultaneamente em planos para uma migração em massa, incluindo algum lugar fora dos Estados Unidos, e a corrida presidencial dos EUA, é possível saber quais eram o plano A e o plano B?

Acho que essa questão atinge o cerne do que a publicação das atas do Conselho dos Cinquenta significa para a nossa compreensão da campanha de Joseph Smith. Ela contextualiza. Isolada do resto da história, a campanha pode parecer improvável e confusa. Mas quando entendida no contexto de todos os outros esforços que os líderes da Igreja estavam fazendo para proteger os direitos, propriedades e vidas dos santos dos últimos dias, faz muito mais sentido. Metaforicamente, a campanha presidencial foi apenas um dos muitos metais que os líderes da Igreja usaram no fogo.

Na avaliação do seu livro, Nancy Isenberg escreveu: “É uma história muito adequada aos nossos tempos de intolerância”. Com a crescente tribalização do debate político nos Estados Unidos e em outros lugares, que lições podemos tirar da campanha de Joseph Smith?

Quando eu olho para a plataforma política de Joseph Smith, muitas das questões específicas que ele pesou não são particularmente aplicáveis ao ambiente político do século 21. No entanto, o tema do envolvimento político de Joseph foi a compaixão por aqueles que haviam sido marginalizados. Acho que é uma abordagem à qual todos podemos estar mais atentos. Às vezes, essa linguagem é politizada como pertencendo a um partido ou outro, mas, em minha opinião, cuidar dos marginalizados em qualquer sociedade deve ser um interesse central de todos os seres humanos, independentemente de preferências políticas.

Como funcionário do Departamento de História da Igreja, de quanta liberdade acadêmica você acredita que você e seus colegas de trabalho desfrutam? Do tratamento de Leonard Arrington à excomunhão de D. Michael Quinn, parece que as últimas décadas do século 20 tornaram visíveis algumas das tensões e ansiedades que existiam entre as Autoridades Gerais e historiadores. Como é ser um historiador profissional na Igreja SUD hoje?

Embora eu seja o único responsável pelos livros e artigos que publico fora do meu trabalho para a Igreja, estou consciente do elevado impacto que o que escrevo e digo em minha pesquisa pessoal pode refletir na Igreja. Por isso, estou particularmente atento ao que publico. Eu experimento um alto grau de liberdade acadêmica. Ninguém jamais tentou me impedir de publicar minha pesquisa. Na verdade, sinto muito apoio e incentivo vindo de meu empregador para desenvolver minha pesquisa. No entanto, quero deixar claro que esse apoio e encorajamento não significam que a igreja endossa meu trabalho. Essa é uma distinção importante para mim.

Seu livro Joseph Smith for President foi publicado pela Oxford University Press, que tem lançado alguns títulos fantásticos sobre história mórmon nos últimos anos. Escrever para um público acadêmico mais amplo pode beneficiar os autores e o público ao definir a história do mormonismo dentro de um contexto mais amplo?

Acho que há muitos benefícios em escrever a história dos santos dos últimos dias para um público que vai além dos membros da igreja. Entre eles está que contar a história e contextualizá-la em narrativas históricas mais amplas ajuda a diminuir a percepção das diferenças entre os santos dos últimos dias e seus vizinhos. Contar essa história pode gerar compreensão e, por extensão, empatia.

Que outros aspectos da vida de Joseph Smith e do início do mormonismo você espera ver mais explorados em um futuro próximo?

Embora este livro tenha se concentrado nas atividades políticas de Joseph Smith, estou envolvido nos estágios iniciais de um projeto relacionado aos ensinamentos religiosos de Joseph Smith. Vai demorar um pouco antes de ser concluído, portanto, fiquem atento (mas sejam pacientes!).

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