Páscoa: Evangelho de Marcos

Celebramos hoje a Páscoa Cristã.

Páscoa vem da palavra grega pascho, que significa “sentir” ou “viver a experiência”. Nos Evangelhos canônicos, especialmente nos relatos da Páscoa Cristã, ela foi invariadamente usada com o significado de “sofrer” ou “sentir dor” ou “viver uma experiência dolorosa ou pesarosa”. Para os autores dos Evangelhos, pascho (páscoa) significava o sofrimento e a dor que Jesus de Nazaré vivenciou no seu martírio em Jerusalém. Daí o nosso uso do têrmo Páscoa para nos referir ao martírio (sofrimento e morte) de Jesus.

Celebraremo-na considerando os quatro relatos mais antigos, e coincidentemente canonizados, da Páscoa.

Ao contrário do que a maioria dos Cristãos imagina, os quatro relatos canonizados (i.e., os Evangelhos atribuídos a Marcos, Mateus, Lucas e João) não narram o mesmo evento, não se complementam, e não são mutualmente inclusivos. Todas as quatro narrativas são individuais e independentes, narrando relatos como o seu autor acreditava ou imaginava ou ouvira ter ocorrido (nenhum desses autores fora testemunha ocular — na realidade, todos os evangelhos são anônimos, e atribuições autorais surgiram décadas após suas composições).

Portanto, honramos os autores que nos legaram esses quatro relatos distintos respeitando suas independências editoriais, estudando-os como eles haviam desejado: Individual e independentemente.

Dito isso, como ocorreu a Páscoa de acordo com o autor do Evangelho de Marcos?
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CEO da Igreja Mórmon: Pobres Não São Espirituais

Keith Brigham McMullin atualmente serve como o CEO da Deseret Management Corporation, o braço com fins lucrativos d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, desde abril de 2012 quando foi desobrigado do cargo de Conselheiro no Bispado Presidente, onde servia desde 1995.

Keith Brigham McMullin

O Bispo McMullin disse em entrevista que a Igreja ensina que pessoas pobres não são capazes de espiritualidade plena. [Link atualizado para o artigo e para o arquivo]

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Mórmons Leem As Escrituras?

Reagindo às notícias do vazamento, da reação oficial da Igreja SUD, e das reações de outros Mórmons, sobre a nova política da Igreja discriminar contra crianças em famílias LGBT, muitos membros da Igreja abriram as escrituras para defender a posição oficial da Igreja.

Citando passagens de escrituras, esses membros SUD se propõem a demonstrar que a discriminação institucionalizada com essa nova medida está em linha com o comportamento esperado de um discípulo de Cristo.

Nem todos os Mórmons creem que Jesus chama para si as criancinhas

Nem todos os Mórmons creem que Jesus chama para Si as criancinhas

O que nos leva a indagar: Será que Mórmons leem as escrituras?

Eis aqui dois exemplos ilustrativos.

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A Mãe de Jesus

Pintura de Galen Dara (2012).

Pintura de Galen Dara (2012).

João também menciona a mãe de Jesus na crucificação. Ele descreve as mulheres perto da cruz, mas há um problema de pontuação, e não há certeza sobre quantas mulheres havia. A primeira mencionada é a mãe de Jesus, mas ela não é nomeada. Isso porque talvez seu nome fosse bem conhecido, ou talvez haja algo a mais. João pode estar implicando a presença da Senhora. Os outros evangelhos não mencionam a Virgem Maria perto da cruz; como João, mencionam Maria Madalena, a outra Maria, e uma terceira mulher. João tem a misteriosa quarta mulher sem nome. Lemos que Jesus confia sua Mãe a João, e confia João à sua Mãe, o que pode simplesmente significar que Jesus esteja fazendo provisões para sua Mãe. Mas há outra possibilidade: que João se tornou o filho da Mãe celestial de Jesus, outro filho da Sabedoria, porque foi a João que Jesus revelou suas visões e ensinamento secreto.

Margaret Barker. Jesus The Nazorean: On the publication of King of the Jews. Temple Theology in John’s Gospel. Abril 2014. p. 05.

A autora Margaret Barker é metodista e conhecida pelos seus estudos bíblicos em “teologia do templo”, a qual procura traçar as origens da teologia cristã ao Primeiro Templo.

Antigo talismã cristão descoberto

O fragmento de um papiro de aproximadamente 1500 anos foi descoberto na semana passada e está sendo considerado um dos mais antigos talismãs cristãos. Escrito em grego, o papiro utiliza a simbologia da Última Ceia para fins de proteção, combinando as passagens de Salmos 78:23-24 e Mateus 26:28-30.

Dra. Roberta Mazza

Dra. Roberta Mazza. (Imagem: Universidade de Manchester)

A descoberta foi feita pela Dra. Roberta Mazza, pesquisadora da Universidade de Manchester, Inglaterra, enquanto trabalhava com documentos raros do acervo da Biblioteca John Rylands. Ela explica que o papiro é significativo por mostrar aspectos importantes do cristianismo primitivo. Segundo Mazza, cristãos adotaram a prática egípcia de usar ou carregar talismãs contendo papiros, substituindo as orações feitas a deuses egípcios ou greco-romanos por passagens bíblicas. Continuar lendo

Por Que Jesus Expulsou Cambistas?

Exegese é a prática de analisar criticamente e interpretar textos, especialmente textos religiosos.

O maior obstáculo para a prática da exegese bíblica (ou de qualquer texto, para dizer a verdade, mas é particularmente comum em exegese bíblica) é a ignorância dos contextos históricos, sociais, e culturais dos textos envolvidos. Removidos de seus respectivos contextos, os textos dizem ao leitor precisamente aquilo que ele traz ao texto de seu próprio contexto — e nada mais simples de se demonstrar este fenômeno interpretativo do que a miríade de diferentes leituras de passagens bíblicas dentro dos mais diversos contextos religiosos existentes.

Jesus Expulsa Cambistas

Detalhe de “Jesus Purificando o Templo” por Carl Heinrich Bloch. Historiadores modernos contestam a historicidade desse conto baseando-se nas evidências existentes.

Para Mórmons isso é particularmente comum devido a usual falta de familiaridade de Mórmons com a Bíblia, seja com seus textos presentemente constituídos, seja com os estudos acadêmicos e literários dos textos bíblicos. Recentemente, durante uma discussão sobre shoppings SUD para missionárias eu levantei a comparação com a perícope [1] sobre Jesus expulsando cambistas do templo de Jerusalém, o que levantou algumas perguntas (e tentativas de contra-argumentos) que ilustraram perfeitamente o acima-mencionado problema.

Apresentou-se, assim, uma excelente oportunidade para 1) discutir a perícope de Jesus expulsando cambistas, e 2) ilustrar a importância de se familiarizar adequadamente com estudos acadêmicos em história, arqueologia, e estudos bíblicos para se formar opiniões informadas sobre a Bíblia.

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Pessach — A Páscoa Judaica

Hoje comemora-se o Pessach ou, como é popularmente conhecido, a Páscoa Judaica.

Tocando um shofar, feito de chifre de carneiro, anuncia-se o sacrifício de pessach

Tocando um shofar, feito de chifre de carneiro, anuncia-se o sacrifício de Pessach

O Pessach (do hebraico פֶּסַח significando “passagem”; das raízes de passar através ou passar por sobre”) é um feriado religioso judaico que comemora o conto do Exodo Israelita presentemente narrado na Bíblia Hebraica (ou, como é conhecido entre Cristãos, o Velho Testamento), especialmente no Livro de Exodo. Comemorado no décimo-quinto dia do mês de Nisan (que neste ano de 2014 é hoje), este festival milenar celebra a estória do profeta Moisés libertando o povo Hebreu de sua escravidão no Egito e une milhares de judeus religiosa e culturalmente até hoje. Ademais, o impacto religioso e cultural desta festa pode ser sentido, profundamente, tanto no Cristianismo como no Mormonismo moderno.

Portanto, mesmo que não celebremos hoje o Pessach com uma ceia especial (chamada de Seder) ou os 7 dias de festividades (conhecidos como as festas de pães ázimos ou Chag Matzot), devemos revisitar suas origens, seus significados, e celebrar seus impactos residuais em nossas próprias religiões e culturas.

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As Diferentes Vozes Nas Escrituras (Parte II)

Conforme comentamos na primeira parte da série, ao incorporar o mundo feminino e priorizar seu ministério nos excluídos, Jesus resgatava sentimentos e práticas que existiam no judaísmo, mas que ainda sim causavam escândalo para muitos: “(…) chegaram seus discípulos e admiravam-se que falasse com uma mulher”[1], no contexto do diálogo com a samaritana; “por que come vosso mestre com publicanos e pecadores?”[2], perguntou um grupo de fariseus, em um tom crítico à baixa reputação dos que compartilhavam a mesa com o Salvador.

Jesus Healing BeggerAs palavras do Homem de Nazaré davam esperança e direção às pessoas, em especial, das camadas mais humildes. Quando compreendemos que foram os famintos, simples e doentes a maior parte dos pioneiros do movimento que se tornaria o cristianismo, fica mais fácil entendermos a aspereza com que a voz de Jesus se direcionava aos ricos e poderosos.
Aos que tinham bens, Jesus mandava que repartisse. Se é dos pobres o Reino de Deus [3]; para os ricos o acesso a ele é tão difícil quanto um camelo entrar no buraco de uma agulha [4]. Os lírios do campo eram mais interessantes que Salomão e sua riqueza [5].

Em uma sociedade que interpretava doenças muitas vezes como impureza, fruto do pecado ou ação de demônios, Jesus oferecia cura. Como profeta, curandeiro e exorcista, ele ganhava visibilidade. Seu projeto do Reino de Deus consistia em uma inversão de papéis, na qual os rejeitados de sua época se elevariam em detrimento dos ricos e poderosos, que teriam grandes dificuldades de pertencer a esse grupo. Todo esse radicalismo o colocou em rota de colisão com o Império, levando-o à crucificação. Continuar lendo

As Diferentes Vozes Nas Escrituras (parte I)

Era um domingo de Nisã, entre o final da década de 20 e início da de 30 do primeiro século. Segundo o texto lucano, algumas mulheres e pelo menos um dos apóstolos haviam visitado o túmulo de Jesus, e o encontram vazio. De acordo com o relato bíblico, a história de que a tumba estava vazia se espalhou, de modo que, no mesmo dia, já era possível encontrar várias pessoas comentando o evento.

O terceiro evangelho fala de dois discípulos que conversavam sobre o Salvador enquanto caminhavam em direção a Emaús. Como de apenas um foi citado o nome, Cléofas, presume-se, pelo costume da época, que o outro fosse uma mulher. [1] Jesus ressuscitado pôs-se a caminhar com o casal; este, embora conhecesse pessoalmente Jesus, não reconheceu o Mestre.

Aproximando-se do povoado para onde iam, Jesus simulou que ia mais adiante. Eles, porém, insistiram, dizendo: “Permanece conosco, pois cai a tarde e o dia já declina. Entrou então para ficar com eles. E, uma vez à mesa com eles, tomou o pão(…)Então seus olhos se abriram e o reconheceram”. [2]

Com base nos três relatos de páscoa que aparecem como pano de fundo do Evangelho de João, costumamos dizer que o ministério do Salvador foi de três anos. O movimento iniciado por ele teve como palco inicialmente a Galileia, região rural onde cresceu. Como um camponês, Jesus nos transporta aos ambientes bucólicos através de suas parábolas ao mencionar aves do céu, a figueira, as ovelhas e seu pastor, o peixe, o mar, o pescador.

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Parley P. Pratt: Profetas

Parley P. Pratt

O que é um profeta? O que torna alguém um profeta ou profetisa?

A seguinte citação do Apóstolo Parley P. Pratt, feita na sala celestial do templo de Nauvoo, extrapola a ideia de um profeta como um membro da hierarquia da Igreja de Jesus Cristodos Santos dosÚltimos Dias.

Um homem pode ser um profeta e vidente e não estar na igreja ou mesmo ser batizado; e o próprio Joseph era um profeta, vidente e revelador antes mesmo de ser batizado ou ter qualquer Sacerdócio.¹ Continuar lendo

“O Evangelho da Esposa de Jesus”

Papiro copta faz referência à esposa de Jesus Cristo

Uma historiadora da Universidade de Harvard, especializada em cristianismo primitivo, identificou um pequeno fragmento de papiro em que Jesus Cristo é citado falando de sua esposa. A Dra. Karen L. King e sua equipe trabalharam sobre o pequeno fragmento de apenas oito linhas, partindo da ideia de que poderia ser uma fraude. Mas a conclusão unânime foi de que não era. O fragmento de “O Evangelho da Esposa de Jesus”, como foi nomeado o texto, é um documento autêntico em um dialeto do copta, idioma egípcio escrito com caracteres gregos, provavelmente do séc. IV.  O recorte do fragmento faz com que nenhuma frase esteja completa. Mas em meio à narrativa de um debate entre Cristo e seus discípulos, é possível ler “Jesus disse a eles: ‘Minha esposa…'”. Essa é a primeira alusão na primeira pessoa ao matrimônio de Cristo em um evangelho apócrifo. Logo abaixo, lê-se “e ela será capaz de ser minha discípula”. Continuar lendo

Jeová e Jesus Cristo são o mesmo ser?

A diversidade de nomes e títulos atribuídos à deidade pelas escrituras e as diferentes interpretações que estas recebem podem tornar difícil a identificação exata de quem é quem e gerar um longo debate teológico, como tem acontecido na tradição cristã. Os santos dos últimos dias, os quais acreditam na existência de seres distintos e na consequente distinção entre o Pai e o Filho, também são apanhados nesse debate, especialmente no que se refere à identidade do Deus adorado pelos antigos patriarcas e as gerações de israelitas descritos na Bíblia hebraica ou Velho Testamento.  Continuar lendo

Mórmons e a Bíblia (Sugestão de Títulos)

Mórmons tem uma relação histórica complexa com a Bíblia. Desde o início do Mormonismo, a Bíblia vem sido utilizada como um texto sagrado, tanto como objeto de devoção, como fonte doutrinárias de crenças.

Não obstante, Joseph Smith introduziu textos que são tão sagrados, se não mais, para Mórmons, que a Bíblia Cristã. Smith também insistiu em incluir, em seus 13 pontos básicos da fé Mórmon (As Regras de Fé), o seguinte qualificador: Continuar lendo

A Errônea Associação do Catolicismo à Corrupção das Escrituras

Um dos fundamentos doutrinários dos santos dos últimos dias é a afirmação de que as escrituras bíblicas não permaneceram intactas desde a pena de profetas e apóstolos até nossos dias, mas sofreram adulterações de forma que passagens foram retiradas, editadas ou acrescentadas.

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Estudo do Retrato do Papa Inocêncio X por Velázquez, de Francis Bacon (1953)

Em 1 Néfi 13, lemos sobre a visão recebida por Néfi da instituição responsável pela corrupção do Novo Testamento, chamada de “grande e abominável igreja”. Muitos santos dos últimos dias interpretam essa instituição como sendo a Igreja Católica Apostólica Romana, embora a ação da “grande e abominável igreja” sobre as escrituras, descrita no Livro de Mórmon, não possa ter nenhuma relação histórica com o catolicismo romano. Continuar lendo

Quem são nossos samaritanos?

Hoje, na Escola Dominical, uma das parábolas abordadas foi a do samaritano socorrendo o judeu à beira da morte, em Lucas 10. A radicalidade do ensinamento de Cristo ao colocar o samaritano como próximo do judeu só pode ser entendida a partir da exclusão mútua entre os dois povos. Falando como judeu a uma audiência judaica, Cristo escolhe como exemplo de misericórdia um indivíduo Continuar lendo