Mortalidades: Mórmons e Reencarnação

Mórmons acreditam em reencarnação? A esmagadora maioria provavelmente não. E tal crença nunca foi considerada como uma doutrina característica do mormonismo. Mas um olhar histórico sobre o passado nos revela que muitos mórmons já partilharam da crença em múltiplas provações mortais.

A ideia de que o ser humano passa por mais de uma vida mortal parece existir nas mais diversas tradições religiosas ao redor do mundo. É interessante notar que mesmo em religiões que majoritariamente creem em uma única vida mortal, há aqueles que acreditam em reencarnação, como é o caso de algumas escolas cabalistas dentro do judaísmo.¹ Ainda que tenha sido sempre uma posição minoritária entre as autoridades gerais e nunca tenha chegado a fazer parte da doutrina de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, o conceito de que há múltiplos nascimentos e mortes para o mesmo indivíduo já foi defendido por proeminentes líderes mórmons. Neste breve artigo, nos concentraremos em apenas dois nomes – os apóstolos Orson F. Whitney e Heber C. Kimball. 

Argila a ser moldada

Heber C. Kimball (1801-1868) foi um dos apóstolos originais ordenados em 1835, servindo a partir de 1847 como conselheiro de Brigham Young. Oleiro de profissão, Kimball muitas vezes falava da argila como uma metáfora do ser humano que deve ser maleável nas mãos do seu Criador. E que também pode ter que voltar à fonte para ser refeita em uma nova peça:

Em quantas formas vocês imaginam que são colocados antes de se tornar santos, ou antes de se tornarem perfeitos e santificados para entrar no glória celestial de Deus? Vocês tem que ser como o barro nas mãos do oleiro. Você não sabe que o Senhor dirigiu o Profeta antigamente, para ir até a casa do oleiro ver um milagre no torno? Suponha que o oleiro leva um pedaço de barro, e o coloca no torno, (…) mas a argila é refratária e irritadiça, ele ainda tenta, mas vai quebrar (…) e assim, o oleiro (…)  a corta (…) e joga no moinho (…) outra vez (…)  Digo a vocês, irmãos, que se não forem passivos, terão que ir para aquele moinho, e talvez ter que moer por mil anos, e depois o Evangelho será oferecido a vocês de novo (…). (Journal of Discourses, vol. 1, p. 161)

A metáfora do oleiro e da argila também servia para Kimball expressar sua visão das mortalidades pelas quais o ser humano havia de passar.

Se vocês não cultivarem a si mesmos e cultivarem o seu espírito neste estado de existência, é tão verdadeiro como há um Deus vivo, que vocês terão que ir para outro estado de existência, e trazer seus espíritos em sujeição lá. (Journal of Discourses: vol. 1, p. 356)

(…) acredito que a maior parte dos habitantes da terra será redimida; sim, todos serão finalmente redimidos, exceto aqueles que pecaram contra o Espírito Santo ou derramaram sangue inocente; e eles nunca poderão ser redimidos até que a dívida seja paga. E não conheço nenhuma maneira deles a pagarem, a não ser que sejam trazidos de volta a uma existência mortal e paguem a dívida onde a contraíram. (Journal of Discourses vol. 6, p. 67)

Entre você e o Senhor

Diferente de Kimball, Orson F. Whitney (1855-1931) era dono de uma conceituada formação educacional, havendo escrito poesia e história. Whitney foi chamado ao Quórum dos Doze em 1905, após a saída de Mathias F. Cowley e John W. Taylor.²

Fascinado pela figura de seu antecessor Heber C. Kimball, sobre quem escreveu uma biografia, não é difícil de imaginar que seu aprendizado sobre a doutrina de múltiplas mortalidades no mormonismo tenha sido em parte influenciada pelos sermões do élder Kimball.

A independência intelectual de Orson Whitney pode ser vista nos registros de seu diário, anterior à sua ordenação apostólica, onde expressa sua crença em múltiplas mortalidades, mesmo em contrário à posição de Wilford Woodruff:

Esta noite, ouvi que o presidente Woodruff, em uma reunião em Manti, há poucos dias, declarou publicamente que a doutrina da reencarnação, que é a de um espírito ter vários corpos, é falsa; que ele era Wilford Woodruff e ninguém mais,  etc, etc. Tudo bem, ir. Woodruff, se você realmente disse isso, é entre você e o Senhor. Eu acredito que seja uma doutrina verdadeira. (Diário de Orson F. Whitney, 3 de junho de 1889, Arquivos da Igreja)

Da mesma época, há o registro de uma conversa com Lorenzo R. Snow, em que este fala a Whitney sobre as crenças de sua irmã Eliza:

Durante nossas conversas ele [Lorenzo Snow] me disse que sua irmã, a falecida Eliza R. Snow Smith, era uma firme crente no princípio da reencarnação e que ela dizia tê-lo recebido de Joseph, o Profeta, seu esposo. Ele disse que não via nada que não fosse razoável nisso e que ele podia acreditar, se viesse do Senhor ou do seu oráculo. (Diário, 8 de junho de 1889)

Uma ampla liberdade e a crença em revelação pessoal podem ter sido elementos que criaram um campo fértil para a ideia de reencarnação entre os sud do século XIX, especialmente durante o período vivido por Kimball. Enquanto Heber C. Kimball falava sobre o princípio de múltiplas mortalidades de forma pública e quase explícita, Orson F. Whitney o fez em seus próprios registros pessoais.  Afinal, Whitney viu um presidente da Igreja se opôr à ideia de reencarnação, o que talvez explicaria sua atitude mais reservada. (Em ambos os casos, obviamente, alusões à crença reencarnacionista podem ser “detectadas” ou negadas a partir de diferentes perspectivas, ainda que isso seja mais difícil no caso de Kimball.)

Além disso, a ênfase dada na teologia à vida pré-mortal  e ao avanço a diferentes reinos de glória pode ter sido interpretada de modo mais livre pelos santos da época. Os exemplos acima, no entanto, permanecem como uma amostra do rico debate metafísico sobre o plano de salvação nos primeiros cinquenta anos de existência da Igreja sud.


NOTAS

1. A cabala judaica talvez nos forneça um interessante precedente para a crença reencarnacionista entre antigos mórmons, ao não contrapor reencarnação e ressurreição como possibilidades mutuamente excludentes.

2. Os apóstolos Cowley e Taylor foram removidos do Quórum dos Doze pelo seu envolvimento com o casamento plural após o Manifesto de 1890, fato que nos ajuda a ter uma ideia da convivência por vezes tumultuada das Autoridades Gerais  e sua diversidade de posições doutrinárias à época.

33 comentários sobre “Mortalidades: Mórmons e Reencarnação

  1. Esse tema me interessa muito.
    Fui espirita por 16 anos e confesso que essa jornada me ajudou a entender a propria Igreja e ainda me ajuda em muitas coisas.
    Muitas coisas se assemelham entre a doutrina espirita e a igreja Mormon e para que as duas se parecessem ainda mais só faltava o termo reencarnação constar na doutrina Mormon e, pelo que parece, já houve um ensaio sobre isso, claramente essa tses foi abandonada nesses ultimos tempos.
    Hoje eu dei a aula 41 do manual Principios do Evangelho e confesso que essa aula caberia muito bem numa palestra espirita (tiradas algumas crenças).
    De repente, um membro novo levanta a mao e pergunta se nós acreditamos na reencarnação.
    Somos orientados sempre a não explanar muito sobre a “doutrina profunda”, termo esse que discordo pois a doutrina é uma só mas, eu acho que é justamente nesse manual onde que se encontra a chamada doutrina, por incrivel que pareça.
    O que me parece é que JOSEPH Smith sentiu ue os membros não estavam preparados para tias ensinamentos e a doutrina foi, de certa forma, filtrada ou adaptada para que todos pudessem entende-la e isso vem até hoje eu confesso que justamente hoje eu me sentí um mentiroso ao ter que responder àquele membro novo que ‘não”, a igreja nao acredita na reencarnação.
    Afinal, eu sou mentiroso ou não ?
    Me ajudem aí !
    obrigado.

    • Não, Maurício, você não mentiu porque a Igreja sud realmente não ensina ou prega a doutrina da reencarnação. Claro que a partir do momento em que se tem a informação acima – da existência histórica de tal crença entre os sud do séc. XIX -, as coisas podem se tornar mais complexas – devemos ou não disponibilizar esse tipo de informação na Igreja? Eu pessoalmente não consigo me imaginar falando sobre isso nem numa aula de “membros antigos”, nem mesmo citando em termos históricos. Enquanto membros da Igreja se ofenderiam e me acusariam de n coisas, investigadores ou recém-conversos mais adiante seriam igualmente censurados ou sofreriam uma “dissonância cognitiva”.

      Há quem de fato especule se o próprio Joseph Smith não teria incorporado a crença em múltiplas mortalidades no final de sua vida (especialmente por influência da Cabala judaica) e a doutrina sud da “pré-existência” não seria um resquício mais inteligível para sua jovem igreja. Infelizmente não temos uma fonte primária que confirme ou negue isso.

      Achei muito bonita a afirmação de que sua jornada pelo espiritismo o ajudou a entender melhor as doutrinas da Igreja sud. Fiquei curioso para ouvir mais a esse respeito.

      Um abraço!

      • Devemos pesquisar, raciocinar, mas não acho que devemos desconfiar tanto dos líderes. Os judeus ficaram 40 anos no deserto porque resmungavam demais e muitas vezes não aceitavam o que dizia Moisés, o servo autorizado do Senhor.

    • A reencarnação é um dos pontos fundamentais de religiões do Egito Antigo, do Hinduísmo (já pregava esse conceito 5 mil anos antes de Cristo), do Budismo3 , do Jainismo, do Sikhismo, do Taoísmo, do Culto de Tradição aos Orixás (Òrìsà), de várias tradições indígenas4 , do Vodu, da Cabala judaica, do Rosacrucianismo, do Espiritismo e suas dissidências, da Teosofia, da Wicca, do Eckankar, da Cientologia, da filosofia socrática-platônica, etc. Existem vertentes místicas do Cristianismo como, por exemplo, o Cristianismo esotérico, que também admitem a reencarnação. É comum a concepção de que o Budismo5 pregue a reencarnação, no entanto essa noção tem sido contestada por algumas fontes budistas. Para mais detalhes veja renascimento.

      Irmãs Fox

      A História do ESpiritismo teve início em 1848, nos Estados Unidos, especificamente na cidade de Hydesville, Estado de Nova York, quando foi registrado e pesquisado o caso das Irmãs Fox (Lia, Margareth e Kate), médiuns de efeitos físicos. Em sua residência elas fizeram contato com o espírito Charles B. Rosma, através de pancadas (tiptologia) ouvidas nas paredes. O espírito deu provas da sobrevivência após a morte, provas essas que foram constatadas como verdadeiras. A imprensa noticiou o fato, as irmãs começaram a fazer demonstrações públicas da mediunidade de efeitos físicos e várias comissões de análise atestaram a veracidade dos fenômenos. A partir disso outros médiuns começaram a se destacar e os fenômenos de efeitos físicos se multiplicaram, chegando à Europa.

      A crença na reencarnação também é parte da cultura popular ocidental, e sua representação é frequente no cinema.

      A reencarnação é uma doutrina confusa e contraditória, onde vc pode reencarnar como homem, mulher, homossexual, lésbica, criminoso, animal e todas as formas degeneravas.

      Há templos reservados a macacos e a insetos como reencarnação de antepassados.

      Deus seria um eterno aprendiz, insuficiente e sem sabedoria para resgatar seus filhos pelo processo mais simples do arrependimento e pela expiação de Cristo.

      As chamadas mesas girantes (em Portugal, mesas falantes) protagonistas da chamada dança das mesas, foram fenômenos aos quais alegava-se natureza mediúnica, amplamente difundido na Europa e nos Estados Unidos, a partir de meados do século XIX.

      O fenômeno consistia no movimento, sem causa física aparente, de mesas e outros objetos pesados, em torno dos quais reuniam-se, nos salões, pessoas de todas as classes sociais à época.

      Durante uma fase inicial, que perdurou aproximadamente até 1870, as mesas girantes foram, por um lado, objeto de curiosidade e divertimento, em especial nos salões nobres e burgueses europeus. Por outro lado, a curiosidade despertada pelos fenômenos tornaram-nos objeto de observação e pesquisa, permitindo o estudo e sistematização de conhecimentos assim obtidos num corpo filosófico, o Espiritismo, codificado pelo pedagogo francês Rivail, sob o pseudônimo de Allan Kardec.

      No Brasil

      No dia 17 de setembro de 1865, em pleno Império, surgia o “Grupo Familiar de Espiritismo”, na cidade de Salvador, Bahia, com Luiz Olimpio Teles de Menezes, que em julhon de 1869 publica o jornal “O Echo de Além-Túmulo”. Em 02 de agosto de 1873, já na cidade do Rio de Janeiro, aparece a “Sociedade de Estudos Espíritas – Grupo Confúcio” dando início à projeção do espiritismo em terras brasileiras, tanto que no ano de 1881 é realizado o “1º Congresso Espírita do Brasil”. A “Federação Espírita Brasileira” foi criada em 1884 e em outubro de 1949 cria-se o “Conselho Federativo Nacional”, reunindo todas as Federativas Espíritas Estaduais. Hoje o Brasil possui mais de 5 mil Centros Espíritas e a Literatura Espírita ultrapassa 3 mil títulos em catálogo.

      O espiritismo estar em todas as tradições indígenas e as religiões afro-brasileira com sua mediunidade e consulta a espíritos.

      Assim temos que aceitar que Satanás e a terça parte foi injustiçados por ser vetados de reencarnarem e evoluírem e terem a sucessão de corpos e personalidade.

      O espiritismo não crê na existência de satanás e nega a Cristo como o Salvador e sua Expiação.

      Historicamente, na América entre 1830 a restauração e 1848 o surgimento do espiritismo para confundir e a doutrina da reencarnação em oposição a ressurreição.

      Conclui-se que fica a mediunidade e visão das irmãs FOX nos Estados Unidos em Nova York e a consulta e aparição de um espírito com a visão do Profeta Joseph Smith e ver a Gloria do Pai Celestial e Jesus Cristo.

      Se desejar saber como se dá tais fenômenos posso explicar e desmistificar, ok!

      Não sou Espírita e sim Mormon

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