Revista da Igreja Reescreve História

Texto Original por Kristy Money

Em 6 de Março de 2014, o jornal The New York Times publicou um artigo na sequência de sua matéria de primeira capa sobre missionárias SUD intitulada “Das Mulheres Mórmons, Uma Enxurrada De Respostas E Perguntas Sobre Seus Papéis”. Neste artigo, além de citar a Kate Kelly falando sobre o movimento Ordene As Mulheres e recitar a minha experiência ao ser negada a oportunidade de segurar minha bebê enquanto ela seria abençoada, os autores chamaram a atenção ao então quadro de Autoridades Gerais da Igreja, com uma foto ilustrando que “sacerdotes e autoridades governantes formam uma galeria exclusivamente masculina de líderes.” Diferentemente da matéria principal de capa do The New York Times que focava nas “sisteres” missionárias, que foi publicamente exposta e comentada pelo site de notícias oficial da Igreja SUD em sua página principal (apesar deste vídeo que acompanhava, embora escondido, sobre mulheres e o sacerdócio, e colocava a questão do tema de interesses femininos sob um prisma negativo), este segundo artigo do The New York Times não recebeu nenhuma menção ou comentário da qualquer fonte oficial da Igreja. Não obstante, muitos membros da Igreja se sentiram incomodados com este segundo artigo e a internet explodiu com críticas em blogues e comentários no Facebook, culpando a mídia liberal, culpando entrevistadas como eu, e culpando organizações como o Ordene As Mulheres por — em suas mentes — fazer o público acreditar que a Igreja seja machista. Pessoalmente, eu respondi a estas críticas (em inglês) aqui.

Eu tive uma experiência maravilhosamente edificante participando dos eventos na Praça do Templo no dia 5 de Abril, durante a Sessão do Sacerdócio da Conferência Geral com meu marido e meu bebê recém-nascido, embora tivesse me entristecido com a postura equivocada e defensiva do Departamento de Relações Públicas com o seu release para a imprensa  mais tarde no mesmo dia. Jamais me esquecerei do quão corajosas nos sentimos e do espírito de camaradagem que tomou conta de nosso reverente grupo de 500 irmãs, com mais 400 presentes vicariamente. Também me exaltei ao abrir minha cópia do Relatório da Conferência na edição de Maio de 2014 da revista ‘Ensign’, ao perceber que o quadro de Autoridades Gerais havia sido atualizado tanto na versão impressa como no site oficial da Igreja de modo a incluir nove Oficiais Gerais mulheres da Sociedade de Socorro, da Organização das Moças, e da Primária. A visibilidade de mulheres realmente importa, e reconheci isto como um importante passo adiante, sendo esta a primeira vez que a Igreja havia incluído estas mulheres no quadro geral oficial de Autoridades Gerais. O movimento Ordene As Mulheres publicamente reconheceu esta mudança no dia 3 de Maio de 2014, comemorando o esforço da Igreja, e repassando o link mostrando que mulheres haviam sido incluídas no quadro geral (sem tomar qualquer parcela de crédito para si) “pela primeira vez na história SUD” por toda mídia social.

Alguns dias atrás, contudo, eu estava folhando uma cópia em PDF que havia baixado da edição de Novembro de 2013 da revista ‘Ensign’ (o relatório da Conferência Geral anterior) no site da Igreja e percebi, para minha surpresa, a presença do mesmo tão-celebrado quadro com as nove mulheres das Auxiliares, disposto na exata mesma página onde o quadro antigo exclusivamente masculino estivera. Teria me equivocado em minha memória? Era este quadro notícia antiga, no final das contas? Como a fotocópia abaixo, tirada da versão impressa da mesma edição, enviada pelo correio em Novembro de 2013, claramente demonstra, o quadro novo com as mulheres havia sido a posteriori incluído para substituir o quadro antigo. O site oficial da Igreja havia simplesmente reescrito a história!

ensign edit

Imagem da esquerda tirada de uma impressão de tela da revista oficial norte-americana ‘Ensign’, de Novembro de 2013, direto do site da Igreja lds.org (pdf desta edição encontra-se aqui) no dia 5/5/2014.  Imagem da direita é uma fotocópia da edição impressa da mesma página e edição da mesma revista, enviada pelo correio em Novembro de 2013. A edição impressa em 2013 traz o quadro de Autoridades Gerais exclusivamente masculino. A versão em PDF da mesma edição traz uma versão alterada deste quadro, após eventos recentes incluindo críticas ao quadro pelo jornal The New York Times e pelo ativismo do movimento Ordene As Mulheres durante a Sessão de Sacerdócio no dia 05 de Abril passado próximo.

 

Estou perfeitamente disposta a dar aos editores da Igreja o benefício da dúvida que esta mudança silenciosa e a posteriori na versão online da edição de Novembro de 2013 tenha sido feita com as melhores das intenções. Contudo, não creio que eles percebam o quão desonesto isto parece, o quanto isto reforça a mágoa que muitas Mórmons feministas, como eu, havíamos sentido quando a porta-voz da Igreja Jessica Moody, no 17 de Março de 2014 (apenas 11 dias após a publicação do segundo artigo do The New York Times acima-mencionado), declarou num release oficial da Igreja para a imprensa que o movimento Ordene As Mulheres estava “distraindo” de “diálogos produtivos” sobre mulheres na Igreja.

Em resposta, a jornalista Joanna Brooks escreveu o seguinte:

“Se ocorre qualquer tipo de ‘diálogo’ sobre igualdade de gênero no Mormonismo, certamente não ocorre porque a Igreja o instiga ou mesmo o apoia. Ocorre porque gerações de Mórmons feministas vêm continuando a postular questões fiéis, porém agitadoras, para a fé que tanto amamos, mesmo quando ela nos desencoraja, nos rejeita, e nos desrespeita… A mídia nacional [dos EUA] -– inclusive o The New York Times -– tem feito mais para reconhecer e incentivar pro-ativamente o diálogo sobre questões femininas no Mormonismo que a própria Igreja SUD, que tem estado apenas na defensiva nestas questões há décadas.”

Este é um sentimento que ressona comigo, e é bem exemplificado por esta reescrita de história na surdina.

Eu pessoalmente tenho testemunhado as ações desde a fundação do movimento Ordene As Mulheres em Março de 2013, e os artigos do The New York Times, que vem avançado mudanças para maior inclusão de mulheres na Igreja que tanto amo. Eu espero e oro para que os líderes da Igreja sejam mais pro-ativos e abertos sobre como responder a questões das mulheres. Mudanças de quadros a posteriori — ou insistir que planos para incluir retratos das mulheres no Centro de Conferência no começo de 2014 haviam sido deliberados após anos de discussões entre líderes da Igreja, ou que a histórica decisão para mudar a tradição e passar a transmitir publicamente a Sessão do Sacerdócio pela primeira vez na história para que mulheres também a pudessem assistir, em nada tiveram a ver com a petição pública do Ordene As Mulheres em Outubro de 2013 por permissão para participar desta — parecem atitudes defensivas. Eu tenho certeza de que esta não é a mensagem que os líderes da Igreja querem passar às membros mulheres fiéis e com recomendações ao templo, como eu, mas é o que eu vejo nestas atitudes, especialmente com esta mudança, na surdina, nas fotos da versão online da revista oficial da Igreja.

Texto Original por Kristy Money, reproduzido com permissão. Leia outro texto da mesma autora aqui. Leia mais sobre o movimento Ordene As Mulheres aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

 

 

 

8 comentários sobre “Revista da Igreja Reescreve História

  1. O Manual de liderança diz que a mulher não deve participar da ordenança!!!
    Quem sou eu para duvidar do senhor meu Deus ? Essa mãe deveria ter já se colocado em seu lugar como uma mãe.

      • A…. preto,branco,índio,amarelo, homens e mulheres realmente todos somos queridos perante Deus, sem duvidas, mais cada um com suas funções… eu queria poder dar a luz a um filho, e não posso, porquê ? a… que chato!!!

    • Rafael, você não tem opinião própria? Se o “manual” diz qualquer coisa, mesmo que seja a maior asneira, você apoia, mesmo se ela não for a sua? Sem pensar? Sem refletir?

  2. O grande problema a meu ver é como surgem desmemoriados por aqui.
    A luta das feministas é justamente para ter uma voz na igreja e em meu fórum pessoal isto é uma luta legitima e elegível. A irmã não se torna uma mãe pior por reivindicar ordenança para si ou para um grupo de mulheres. Uma vez que se baseiam em um lastro histórico exposto neste maravilhoso site (nisso reside a falta de memória de alguns). Ademais muitos homens na igreja agem apenas com aparências, seria muito melhor que tivéssemos realmente as mulheres no comando. A estaca em minha região se tornou uma casa sem ordem, uma das alas está sem bispo, há mais de 2 meses, não por não haver homens dignos para assumir este cargo, mas porque alguém com ordenança diz ter recebido inspiração de que o bispo deveria permanecer em seu cargo apesar do visível desconforto e falta vontade do atual bispo em permanecer. Outra coisa também visível em muitos lideres (além da falta de memória) é a omissão… A irmã Kristy não deixa de ser uma excelente mãe por não ser omissa a questões sérias como esta. Para finalizar sei que em um passado longínquo muitas mulheres tinham o “status” de profetisas e sacerdotisas, nem preciso de ir tão longe (seria um desmemoriado igualmente) basta apenas citar que nas mais sagradas promessas do templo, nossas esposas serão sacerdotisas ao D’us A’tíssimo o que não entendo é por tiramos isto delas no presente se D’us as aprova em tão alto status no futuro….(?)

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