Desformatação

A aparência de um texto, seu formato e estrutura influenciam a maneira como o lemos?

Em que a diagramação do Livro de Mórmon facilita ou dificulta sua leitura?

Irmãs lendo um livro, de Carl Hansen

Os 5 mil exemplares do Livro de Mórmon impressos em 1830, na cidade de Palmyra, não tinham capítulos e versículos como suas edições atuais da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e outras igrejas que o publicam. Capítulos e versículos também estavam ausentes das outras três edições feitas durante a vida de Joseph Smith (1837 em Kirtland, 1840 em Nauvoo, 1841 em Liverpool).  Foto da edição de 1830 do Livro de Mórmon podem ser vistas aqui.

Franklin D. Richards

A primeira forma de referência numérica veio em 1852, quando o apóstolo Franklin D. Richards numerou os parágrafos de sua edição britânica. Mas foi só em 1879 que Orson Pratt, em outra edição britânica, dividiu os parágrafos em versículos, além de adicionar notas de rodapé. Outras mudanças na diagramação do texto ainda fariam o Livro de Mórmon mais parecido graficamente com a Bíblia cristã: a edição de 1920, por James E. Talmage, introduziu o formato de duas colunas por página e os cabeçalhos em cada capítulo.

Página da primeira edição do Livro de Mórmon. Foto: John Hajicek.

Página da primeira edição do Livro de Mórmon. Foto: John Hajicek.

Essas mudanças na apresentação gráfica do Livro de Mórmon poderiam ser explicadas pela conveniência que um sistema de referência proporciona a uma comunidade de leitores que pretende fazer referência frequente a um texto longo (um livro com vários livros), especialmente quando composta por leitores de diferentes traduções do mesmo livro (para diferentes idiomas).

Por outro lado, seria difícil desconsiderar como tais mudanças trouxeram uma aproximação maior do Livro de Mórmon com a Bíblia cristã, como conhecida e usada modernamente, em termos de identidade visual. Independente de conterem prosa ou poesia, os textos bíblicos são apresentados na forma de capítulos e versículos. Ainda mais evidente desse processo foi o acréscimo de um subtítulo contendo a palavra “testamento”, em 1981.

As edições da Bíblia já na época de Joseph Smith traziam um estilo consagrado de “livro sagrado”, e o qual ele não tentou imitar. Foi talvez com o objetivo de dar mais legitimidade ao Livro de Mórmon numa cultura cristã, que se partiu de uma narrativa em parágrafos para um texto versificado e numerado, em coluna dupla, chegando aos modelos de hoje em cores “sóbrias”, com capas de couro, marcador de fita de cetim, bordas douradas, zíper ou botão. E há também, claro,  a “edição missionária” com menos firulas.

Difícil é dizer o quanto esse processo de identificação pode ser consciente. Mas parece algo bem incorporado à nossa percepção. Contrariando o provérbio, julgamos livros pela capa, sim. E também pela formatação de suas páginas. Por exemplo, muitos dicionários (não da internet, é claro) são impressos com duas colunas e, em alguns casos, em um tipo de papel chamado… “papel bíblia“! Tudo muito sugestivo da autoridade que esperamos encontar num dicionário – a definição correta, o bom exemplo, o certo.

Hoje, no entanto, que vantagens apresenta essa disposição gráfica para os leitores do Livro de Mórmon? Se fizéssemos o experimento de lê-lo sem colunas duplas, sem números de capítulo ou versículo, sem cabeçalhos, a leitura seria mais agradável? Mais pessoal e menos dirigida pelas leituras dos outros (“esse versículo usávamos no seminário…”)? Haveria alguma mudança na nossa leitura hoje, caso lêssemos o Livro de Mórmon numa disposição gráfica mais parecida com a das suas quatro primeiras edições?

Aqui está uma parte do primeiro livro de Néfi, onde há o relato de uma visão de Leí. É a mesma tradução publicada pela Igreja sud, mas reagrupada em parágrafos, conforme a edição de 1830.


E aconteceu que enquanto ele orava ao Senhor, apareceu uma coluna de fogo que permaneceu sobre uma rocha, diante dele; e foi muito o que ele viu e ouviu; e tremeu e estremeceu intensamente por causa das coisas que viu e ouviu.

E aconteceu que ele retornou para sua casa em Jerusalém e jogou-se sobre a cama, dominado pelo Espírito e pelas coisas que vira. E estando desta maneira dominado pelo Espírito, foi arrebatado em uma visão e viu os céus abertos e pensou ter visto Deus sentado em seu trono, rodeado de inumeráveis multidões de anjos, na atitude de cantar e louvar a seu Deus.

E aconteceu que ele viu Um que descia do meio do céu; e viu que o seu resplendor era maior que o do sol ao meio-dia. E viu também doze outros que o seguiam; e seu brilho excedia ao das estrelas no firmamento. E eles desceram e andaram pela face da Terra; e o primeiro veio e colocou-se diante de meu pai; e deu-lhe um livro e ordenou-lhe que o lesse.

E aconteceu que, enquanto lia, ele ficou cheio do Espírito do Senhor. E ele leu, dizendo: Ai, ai de Jerusalém, pois vi tuas abominações! Sim, e meu pai leu muitas coisas concernentes a Jerusalém—que ela seria destruída, assim como seus habitantes; muitos morreriam pela espada e muitos seriam levados cativos para a Babilônia.

E aconteceu que depois de ter lido e visto muitas coisas grandes e maravilhosas, meu pai prorrompeu em exclamações ao Senhor, tais como: Grandes e maravilhosas são as tuas obras, ó Senhor Deus Todo-Poderoso! Alto nos céus está o teu trono; e teu poder e bondade e misericórdia estendem-se sobre todos os habitantes da Terra; e porque és misericordioso, não permitirás que pereçam aqueles que vierem a ti. E era desta maneira que meu pai falava, ao louvar seu Deus; pois sua alma regozijava-se e todo o seu coração estava cheio por causa das coisas que vira, sim, que o Senhor lhe havia mostrado. E agora eu, Néfi, não faço um relato completo das coisas que meu pai escreveu, pois ele escreveu muitas coisas que viu em visões e em sonhos; e também escreveu muitas coisas que profetizou e disse a seus filhos, das quais não farei um relato completo. Farei, porém, um relato dos meus feitos em meus dias. Eis que escrevo um resumo do registro de meu pai nas placas que fiz com minhas próprias mãos; então, depois de haver resumido o registro de meu pai, farei um relato de minha própria vida.


 

O trecho acima encontra-se em 1 Néfi 1:6-17.

Algum “efeito” diferente nessa leitura em parágrafos?


 

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15 comentários sobre “Desformatação

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