De acordo com reportagem do The Washington Post, a “Igreja Mórmon engana membros [da Igreja] sobre fundo de investimentos isento de impostos de USD 100 bilhões”.

Russell M. Nelson (centro) e seus dois conselheiros na Primeira Presidência, Dallin H. Oaks (esquerda) e Henry B. Eyring (à direita), em janeiro de 2018. | Imagem Cortesia de Intellectual Reserve.
O prestigioso jornal recebeu documentos da denuncia de um funcionário d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias registrada com a Receita Federal dos EUA alegando que a Igreja malversa e desvia USD 100 bilhões de um fundo supostamente destinado à caridade e a ajudas humanitárias.
Naturalmente, considerando o prestígio do jornal e a gravidade das acusações, a reportagem repercutiu nacional e internacionalmente nas mídias e nas redes sociais. Como seria de se esperar, a Igreja respondeu emitindo uma nota oficial diretamente das autoridades máximas da Igreja: A Primeira Presidência.
Não surpreendendo ninguém, a Primeira Presidência apenas fingiu responder as acusações.
Eis a nota oficial:
“Declaração da Primeira Presidência sobre Finanças da Igreja
Declaração fornecida em resposta a histórias na mídia
Levamos a sério a responsabilidade de cuidar dos dízimos e doações recebidas dos membros. A grande maioria desses fundos é usada imediatamente para atender às necessidades da Igreja em crescimento, incluindo mais capelas, templos, educação, trabalho humanitário e esforços missionários em todo o mundo. Ao longo de muitos anos, uma parte é protegida metodicamente por meio de uma sábia gestão financeira e pela construção de uma reserva prudente para o futuro. Esse é um sólido princípio doutrinário e financeiro ensinado pelo Salvador na Parábola dos Talentos e vivido pela Igreja e seus membros. Todos os fundos da Igreja existem por nenhuma outra razão senão apoiar a missão divinamente designada da Igreja.
Atualmente, as reivindicações em circulação são baseadas em uma perspectiva estreita e em informações limitadas. A Igreja cumpre todas as leis aplicáveis que regem nossas doações, investimentos, impostos e reservas. Continuamos a abraçar a oportunidade de trabalhar com oficiais [do governo] para solucionar as dúvidas que possam ter.”
Esta nota da Primeira Presidência parece cuidadosamente escrita para não explicar absolutamente nada enquanto oferece a impressão de que explicaram e responderam as críticas.
Leitores desatentos ou desonestos encontrarão facilidade para ignorar a reportagem do The Washington Post com o argumento de que a Primeira Presidência já “explicou” e “respondeu” ou mesmo “refutou” tal reportagem.
Leitores atentos ou honestos notarão que a Primeira Presidência esquivou-se de abordar quaisquer detalhes da reportagem, limitando-se a emitir as mesmas platitudes de sempre.
Vejamos em detalhes.
Contexto
Um resumo completo da reportagem encontra-se aqui, mas eis o cerne das acusações que a Primeira Presidência fingiu refutar:
1) A Igreja acumula 17% dos dízimos anuais (USD 1 bilhão) para investimentos financeiros.
“…os líderes da igreja enganam seus membros – e possivelmente viola as regras fiscais federais – armazenando suas doações excedentes em vez de usá-las para obras de caridade… [e usam] as doações isentas de impostos para sustentar um par de empresas [com fins lucrativos].”
“Organizações sem fins lucrativos, incluindo grupos religiosos, estão isentas nos Estados Unidos de pagar impostos sobre sua renda. A Ensign está registrada com as autoridades como organização de apoio e auxiliar integrada da Igreja Mórmon. Isso a permite que ela funcione como uma organização sem fins lucrativos e ganhe dinheiro em grande parte livre de impostos dos EUA.
A isenção exige que a Ensign opere exclusivamente para fins religiosos, educacionais ou outros fins beneficentes, condição que Nielsen afirma que a empresa não cumpre.”
“A igreja normalmente recebe cerca de US $ 7 bilhões por ano em contribuições dos membros, de acordo com a denúncia. Os mórmons, como membros de outros grupos religiosos, devem contribuir com 10% de sua renda para a igreja, uma prática conhecida como dízimo.
Enquanto cerca de US $ 6 bilhões dessa receita são usados para cobrir os custos operacionais anuais, os US $ 1 bilhão restantes são transferidos para a Ensign, que coloca parte de uma carteira de investimentos para gerar retornos, de acordo com a denúncia.
Com base em documentos contábeis internos de fevereiro de 2018, a reclamação estima que o portfólio tenha aumentado de US $ 12 bilhões em 1997, quando a Ensign foi formada, para cerca de US $ 100 bilhões hoje.
A igreja também possui imóveis no valor de bilhões de dólares, de acordo com a denúncia, que se concentra com o excesso de dízimo e diz que a igreja pode ter propriedades adicionais não gerenciadas pela Ensign.
Ao acumular essa riqueza, a Ensign não financia diretamente nenhuma atividade religiosa, educacional ou de caridade há 22 anos, disse a queixa. Nenhum documento é fornecido para apoiar esta reivindicação, que é atribuída às informações que David Nielsen obteve ao trabalhar na empresa.”
2) A Igreja utilizou parte desses fundos oriundos de dízimos para financiar empreitadas com fins lucrativos.
“Além de criticar a escala de riqueza acumulada pela igreja, a denúncia de Nielsen acusa os líderes da igreja de agirem de modo inapropriado nas raras ocasiões em que os fundos foram pagos pela divisão de investimentos.
Segundo Nielsen, US $ 2 bilhões da Ensign foram usados na última década para resgatar uma companhia de seguros administrada pela igreja e um shopping center em Salt Lake City, que era uma joint venture entre a igreja e uma grande empresa imobiliária.
Citando uma apresentação interna que ele inclui em sua documentação, Nielsen alega que, em 2009, a Ensign gastou recursos para resgatar a empresa de seguros Beneficial Life, que estava sofrendo com a exposição a títulos lastreados em hipotecas em meio à crise financeira.
Na época, um jornal de propriedade da igreja informou que outra empresa comercial da igreja, a Deseret Management, havia injetado US $ 594 milhões na Beneficial Life para compensar seu déficit. Mark Willes, presidente e executivo-chefe da Deseret Management, teria dito que nenhum dinheiro do dízimo fora usado na transação.
No entanto, a apresentação interna fornecida à Receita Federal por Nielsen refere-se a um “saque” de US $ 600 milhões da Ensign para a Beneficial Life em 2009, citando uma página da apresentação de slides da Ensign intitulada “Framework and Exposures“, datada de março de 2013. Nielsen disse que os fundos foram extraídos especificamente da conta da Ensign que justamente recebe o dízimo excedente. Nielsen disse que a transferência não foi tratada como um empréstimo e não foi registrada como um investimento no balanço da Ensign.
Apesar do resgate, a Beneficial Life anunciou que demitiria 150 de seus 214 funcionários em Utah e deixaria de emitir novas apólices de seguro.
(…)
A denúncia da Nielsen alega ainda que, entre 2009 e 2014, a Ensign injetou US $ 1,4 bilhão em várias parcelas no City Creek Center, um shopping com um teto retrátil no centro de Salt Lake City. O shopping, parcialmente pertencente à igreja, também foi atingido pela crise financeira.”
Nota da Primeira Presidência
A nota da Primeira Presidência apenas finge responder essas duas acusações principais.
O primeiro parágrafo confessa que a denúncia e a reportagem do The Washington Post está correta e é verídica. Eufemismos como “a grande maioria desses fundos”, “uma parte é protegida metodicamente”, “sábia gestão financeira”, e “reserva prudente para o futuro” nada mais escondem os detalhes expostos pelo prestigioso jornal, sem questioná-los.
Passa-se a impressão de que a Primeira Presidência refutou a reportagem do The Washington Post, porém abertamente admitindo que ela está correta.
“Levamos a sério a responsabilidade de cuidar dos dízimos e doações recebidas dos membros. A grande maioria desses fundos é usada imediatamente para atender às necessidades da Igreja em crescimento, incluindo mais capelas, templos, educação, trabalho humanitário e esforços missionários em todo o mundo. Ao longo de muitos anos, uma parte é protegida metodicamente por meio de uma sábia gestão financeira e pela construção de uma reserva prudente para o futuro. Esse é um sólido princípio doutrinário e financeiro ensinado pelo Salvador na Parábola dos Talentos e vivido pela Igreja e seus membros. Todos os fundos da Igreja existem por nenhuma outra razão senão apoiar a missão divinamente designada da Igreja.”
O segundo, e mais curto, parágrafo nada mais limita-se a vaga e ambiguamente declarar que a Igreja cumpre com as leis. Em nenhum momento, a Primeira Presidência refuta as acusações de desvio de dinheiro para empresas com fins lucrativos, detalhadas na reportagem em casos específicos que a Primeira Presidência ignora em sua nota, e escondendo-se atrás da meia-verdade contada repetidas vezes ao longo dos anos, e discutida na reportagem do The Washington Post, que a Igreja não usa dinheiro de dízimos para suas empresas com fins lucrativos.
“Atualmente, as reivindicações em circulação são baseadas em uma perspectiva estreita e em informações limitadas. A Igreja cumpre todas as leis aplicáveis que regem nossas doações, investimentos, impostos e reservas. Continuamos a abraçar a oportunidade de trabalhar com oficiais [do governo] para solucionar as dúvidas que possam ter.”
Pode-se afirmar tratar-se de meia-verdade porque é óbvio para qualquer leitor atento e honesto que a Igreja está argumentando que os dinheiros investidos em empresas com fins lucrativos não vieram diretamente dos fundos de dízimos, mas apenas dos lucros dos investimentos dos fundos de dízimos.
Como a própria reportagem do The Washington Post admitiu, leis e regras do Fisco que regulamentam o uso de fundos religiosos são notoriamente vagos e abertos para múltiplas interpretações, e certamente a uma empresa multibilionária como a Igreja Mórmon não faltará um exército de advogados bem pagos para argumentar que tais desvios de fundos se encaixem na declaração de que a “Igreja cumpre todas as leis aplicáveis que regem [suas] doações, investimentos, impostos e reservas”.
No frigir dos ovos, a declaração oficial da Primeira Presidência nada mais confirma a veridicidade da denúncia e da reportagem do The Washington Post. Ela admite que acumula dízimos excedentes para investimentos financeiros e ela não nega que desviou os lucros desses investimentos com dinheiro de dízimos para fins lucrativos.
Fingir que a declaração oficial da Primeira Presidência “refuta” a reportagem do The Washington Post exige muita inatenção ou desonestidade. Será isso o efeito pretendido pela Primeira Presidência? Estudantes da história mórmon sabem que isso não seria a primeira vez.
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Como sempre eles ficam calados, sem dar grandes explicações para abafar o caso e todo mundo esquecer logo o assunto, e tudo vai bem em Sião…
“Possívelmente” A Igreja de Jesus Cristo será condenada por desonestidade, e “Possívelmente” Jeová terá que mudar o nome da Igreja, seria legal chama-la de Vozes Mórmons ou de Gadianton sei lá.