Em 1823, o equinócio de outono traria a Joseph Smith, de 21 anos, um visitante singular: de acordo com seu relato, uma mensageiro celestial aparecera em seu quarto, dando-lhe instruções sobre seu futuro papel como tradutor de um registro sagrado ancestral, O Livro de Mórmon.

Em contraste com seu relato sobre sua Primeira Visão, situada pela primeira vez na narrativa oficial de 1838 como tendo ocorrido “no início da primavera de mil oitocentos e vinte”, o relato da visitação posterior possui uma data precisa.
Ao ditar sua história oficial, que viria anos mais tarde fazer parte da Pérola de Grande Valor, Smith chamou tal anjo de Néfi – e não Morôni, como a narrativa veio a ser canonizada eventualmente.
No manuscrito original da história de Joseph Smith, ditada pessoalmente por ele e transcrita pelo Setenta e escrivão James Mulholland, encontramos o seguinte relato:
“Enquanto estava assim suplicando a Deus, descobri uma luz surgindo em meu quarto, a qual continuou a aumentar até o aposento ficar mais iluminado do que ao meio-dia, quando imediatamente apareceu ao lado de minha cama um personagem em pé, no ar, pois seus pés não tocavam o solo. Vestia ele uma túnica solta, da mais rara brancura. Era uma brancura que excedia a qualquer coisa que eu já vira; nem acredito que qualquer coisa terrena pudesse parecer tão extraordinariamente branca e brilhante. Tinha as mãos descobertas e os braços também, um pouco acima dos pulsos. Seus pés também estavam descobertos, bem como as pernas, um pouco acima dos tornozelos. A cabeça e o pescoço também estavam nus. Verifiquei que não usava outra roupa além dessa túnica, pois estava aberta, de modo que lhe podia ver o peito. Não somente sua túnica era muito branca, mas toda a sua pessoa era indescritivelmente gloriosa e seu semblante era verdadeiramente como o relâmpago. O quarto estava muito claro, mas não tão luminoso como ao redor de sua pessoa. No momento em que o vi, tive medo, mas o medo logo desapareceu. Chamou-me pelo nome e disse-me que era um mensageiro enviado a mim da presença de Deus e que seu nome era Néfi. Que Deus tinha uma obra a ser executada por mim, e que meu nome seria considerado bom e mau entre todas as nações, tribos e línguas; ou que entre todos os povos se falaria bem e mal. Disse-me que havia um livro escondido, escrito em placas de ouro, que continha um relato dos antigos habitantes deste continente, assim como de sua origem e procedência. Disse também que o livro continha a plenitude do evangelho eterno, tal como fora entregue pelo Salvador aos antigos habitantes. Disse também que havia duas pedras em aros de prata (e essas pedras, presas a um peitoral, constituíam o que é chamado de Urim e Tumim) depositadas com as placas, e que a posse e uso dessas pedras era o que constituía videntes nos tempos antigos; e que Deus as tinha preparado para serem usadas na tradução do livro.”
O manuscrito em questão é a transcrição original da narrativa de Joseph Smith, hoje conhecida por historiadores como segundo rascunho, produzido entre junho e novembro de 1839, com a caligrafia de Mulholland, e sob dicção e supervisão direta do Profeta. O primeiro rascunho, ditado por Smith e registrado por Mulholland, simplesmente não reconta a visita do anjo. Juntamente com os Apóstolos John Taylor e Wilford Woodruff, Smith organizou e revisou esse manuscrito para publicação oficial no jornal oficial da Igreja, o Times and Seasons.
Joseph Smith não apenas ditou “Néfi” para Mulholland, como não alterou ou “corrigiu” o manuscrito quando o revisaram. Smith tampouco alterou ou “corrigiu” a narrativa quando, como editor-chefe do Times and Seasons, a publicou como sua “história oficial”. John Taylor e Wilford Woodruff, co-editores do Times and Seasons também não se alarmaram com a menção de “Néfi”. Outras publicações e relatos, incluindo as memórias Lucy Mack Smith, gualmente mantiveram essa coesão sobre a identidade do anjo.
A alteração para “Morôni” na Pérola de Grande Valor foi introduzida apenas na sua segunda edição, em 1878, preparada pelo Apóstolo Orson P. Pratt, e canonizada como escritura na Conferência Geral de outubro de 1880.
Tais mudanças no registro histórico sobre a noite de 21 de setembro de 1823 fizeram desaparecer do imaginário mórmon a figura de Néfi enquanto um mensageiro celestial, e provavelmente ajudaram a elevar a figura de Morôni como quase um personagen símbolo do próprio mormonismo. Afinal, é a representaçāo de Morôni que os santos dos últimos dias modernos creem ver nas estátuas em seus edifícios mais sagrados.