Na Igreja sud nota-se uma grande preocupação com o vestuário e aparência pessoal, incluindo desde a cor de camisa que homens deveriam usar no domingo até o número de brincos para as mulheres. Tal preocupação algumas vezes parece beirar o exagero, como no exemplo da edição de uma obra de arte ilustrando as revistas da Igreja.
As obras do pintor dinamarquês Carl Heinrich Bloch ilustram publicações oficiais da Igreja e são bastante populares entre seus membros; a BYU também já sediou uma exposição de obras do artista. Mas a pintura “A Ressurreição”, realizada por Bloch em 1873, sofreu uma edição pelos funcionários da Igreja em dezembro de 2011, como mostram as imagens acima. As diferenças entre o original e a ilustração da revista Ensign foram publicadas na última semana no blog norte-americano Doves & Serpents. Não localizei a ilustração de Bloch na edição em português da Liahona do mesmo mês e agradeço se alguém for capaz de achá-la nas edições seguintes.
Uma vez que na interpretação sud das escrituras, as supostas asas dos anjos são apenas simbólicas de seu papel de mensageiros, os editores da revista tomaram a liberdade de cortar as asas dos anjos de Bloch. Ou seja, a pintura foi doutrinariamente corrigida e os leitores da revista protegidos do enorme perigo de interpretar as asas angelicais como asas de verdade. Artista e leitores devidamente salvos e protegidos.
Mas eis que os anjos da pintura ofereciam outro problema: braços desnudos desde os ombros. Já que os jovens são instruídos a não usar “camisetas sem manga” (ver, por exemplo, as instruções ao lado), a mesma regra deveria ser cobrada do anjos, obviamente. Logo, uma manga curta foi adicionada a cada braço e parte das costas em que também aparecia mais pele foi devidamente preenchida. Claro que nem todos os padrões de aparência contemporâneos sud foram aplicados aos personagens ajoelhados, de forma que seu corte de cabelo foi poupado do photoshop.
Por algum motivo, a figura de Cristo saindo da tumba não sofreu nenhuma modificação, apesar do mostrar o peito em parte descoberto.
Boa parte das religiões ao redor do mundo possuem diretrizes que dizem respeito ao vestuário ou aparência de seus adeptos. Nada mais natural. O perigo surge quando tais diretrizes recebem uma ênfase desproporcional, fazendo com que princípios espirituais e éticos possam ser negligenciados. Ou seja, a verdadeira religiosidade cede espaço à aparência de religiosidade.
Por que a pintura de Bloch foi escolhida e então editada? Se a pintura em questão foi considerada inadequada ou “fora dos padrões” por algum fariseu de plantão, seria mais respeitoso à obra e memória de Bloch simplesmente não utilizá-la, ao invés de prover uma censura visual. O tema da ressurreição já foi representado em muitas telas. Há muitos artistas plásticos mórmons que doam suas obras de altíssima qualidade à Igreja, bem como muitas obras antigas em domínio público, cuja utilização garantiria à Igreja economia com direitos autorais.
Note-se que nem sempre as publicações da Igreja apresentaram essa obsessão com ilustrações moral e doutrinariamente corretas.
Esse exemplo de censura visual beira o caricato. Mas ainda assim não deixa de ser uma censura e, portanto, tentativa de controle sobre o leitor da revista. Não serão os membros da Igreja capazes de lidar com a imagem de um ombro de fora ou interpretar o simbolismo das asas de um anjo? Ou de fato precisamos sofrer esse tipo de controle?
O que você, leitor(a), pensa sobre esse tipo de manipulação de imagens em publicações da Igreja?
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Concordo com seu raciocínio, em vez de alterar a obra do artista (que não deixa de ser um certo desrespeito à obra), poderia ser usada outras obras que estajam mais condizentes vizualmente.
Obrigado pelo comentário, Alex. Dada a informação pelo Orwell abaixo, a situação fica ainda mais estranha! 🙂
Não deu pra usar outra pintura porque o artigo que a acompanha conta uma história sobre a mesma — o que torna a censura mais ridícula, a meu ver. É um absurdo…
Orwell,
você sabe em que edição da Liahona essa matéria apareceu? A última que tenho em casa é de dezembro de 2011.
Obrigado
Que eu saiba, ainda não saiu na Liahona. E agora talvez nem saia devido às críticas negativas recebidas da imprensa — até o jornal The Salt Lake Tribune publicou uma breve matéria sobre o caso. Como é de se esperar, a Igreja não comentou o incidente.
Obrigado, Orwell, pelas informações sobre o artigo.
OLHA, CREIO QUE NINGUÉM TROPEÇA NUMA PEDRINHA, OU COMEÇA PECANDO FAZENDO ALGO GRANDE, TALVEZ NÃO PRECISASSE TROCAR A IMAGEM CASO NÓS SERES HUMANOS, NÃO LEVÁSSEMOS TUDO AO PÉ DA LETRA, POIS SEMPRE PENSAMOS AO VER ALGO QUE NOS PARECE ERRADO E QUE NOS FOI ENSINADO DE OUTRA MANEIRA DIZENDO: SE COLOCARAM USANDO ESSA IMAGEM É PORQUE PODEMOS FAZER. E AÍ TODOS ADEREM AO INCORRETO PORQUE VIU ASSIM, MAS JÁ PARARAM PARA PENSAR QUE SEMPRE ACHAMOS TEMPO PARA FALAR MAL DE ALGO, MAS PARA FAZER O BEM, TEMOS POUCO OU NENHUM TEMPO?